sexta-feira, 29 de abril de 2011

CORA CORALINA - CORAÇÃO É TERRA...


Coração é terra que ninguém vê
Cora Coralina

Quis ser um dia, jardineira
de um coração.
Sachei, mondei - nada colhi.
Nasceram espinhos
e nos espinhos me feri.

Quis ser um dia, jardineira
de um coração.
Cavei, plantei.
Na terra ingrata
nada criei.

Semeador da Parábola...
Lancei a boa semente
a gestos largos...
Aves do céu levaram.
Espinhos do chão cobriram.
O resto se perdeu
na terra dura
da ingratidão

Coração é terra que ninguém vê
- diz o ditado.
Plantei, reguei, nada deu, não.
Terra de lagedo, de pedregulho,
- teu coração.
Bati na porta de um coração.
Bati. Bati. Nada escutei.
Casa vazia. Porta fechada,
foi que encontrei...

*        *        *

SARAH BRIGHTMAN Hijo de la Luna

SECRET GARDEN

UM POUQUINHO DE GRAMÁTICA...


O que é erro de gramática na Língua Portuguesa


Uma exposição sobre os diferentes tipos de erros gramaticais
Prof. Leo Ricino*

Há alguns bons anos, venho refletindo muito sobre o conceito de erro gramatical. Acho que muitas vezes alguns “erros” por aí apregoados não passam de maneiras diferentes de empregar a língua.


Num artigo nesta mesma revista, eu disse que nada é tão democrático quanto a língua. Mas… como toda democracia, ela requer sacrifícios e concessões no seu emprego. Democracia não é fazer o que se quer, mas sim o que é possível fazer, com respeito aos demais. O mesmo se pode dizer da língua: não se pode usá-la de qualquer jeito, mas sim de acordo com certo padrão.


Que padrão é esse? Quem estabeleceu esse padrão? Por que esse padrão e não outro padrão? Muitas perguntas, mas basta uma resposta. Temos de garantir à língua sua função primordial: promover a comunicação e, com ela, garantir a inteligibilidade das mensagens. Ora, para isso, é preciso usar um padrão linguístico que garanta a universalização de entendimento dentro da língua. Esse padrão é conhecido como normaculta e é usado pelos meios de comunicação, pelos livros não literários e literários, pelas pessoas de boa formação cultural... Basicamente, a norma-padrão ou culta é conhecida e reconhecida. É a ensinada nas escolas ou, pelo menos, deveria ser. A escola deve partir da língua usada pelos seus alunos e ensinar-lhes a norma-culta. Senão, a escola para nada serve, pois todas as disciplinas e todo o repertório do homem são consolidados pela língua-padrão. Empregar a língua culta amplia a possibilidade de ascensão social.


Se aceitássemos como padrão os vários regionalismos e mesmo dialetos, acabaríamos por formar outras línguas. O latim vulgar nos deu exemplo disso e transformou-se em várias línguas, incluindo a nossa. Talvez aqui possamos ampliar o conceito de poliglota. Deixa de ser só aquele que fala várias línguas para incluir também aquele que consegue pelo menos compreender e falar razoavelmente os vários regionalismos e dialetos de sua própria língua.


ERRO DE ORTOGRAFIA
Bem, voltemos aos erros de português. A língua portuguesa é etimológica, ou seja, as palavras são escritas de acordo com sua origem. Assim, não existe, por exemplo, “octagésimo” em português, porque a forma “octogésimo” já veio assim do latim octogesimu. Escrevemos “justiça” porque o “t” latino, em determinadas situações e a partir de algum momento, transformou-se em “ç” em português: justitia > justiça; petitio/onis > petição: locutio/onis > locução, etc.


Portanto, sendo nossa língua etimológica e assim consagrada nos oito países que a têm como oficial, escrever de forma que fuja à origem é um erro de português. Não dá para aceitar uma “caza” assim, com “z”, porque não era assim no latim. Ou “análize” porque veio do latim análusis. Erro de ortografia é, portanto, um erro gramatical e linguístico.


ERRO DE ACENTUAÇÃO GRÁFICA
Atualmente, após o recente Acordo Ortográfico, a língua portuguesa passou a ter 26 letras. Mas o número de fonemas e das diferentes entoações é maior (só com as vogais, por exemplo, temos 12 fonemas). É exatamente por essa diferença numérica que fomos obrigados a criar recursos auxiliares na representação gráfica dos fonemas e entoações. Por isso surgiram os sinais diacríticos ou notações léxicas (til, cedilha, acentos agudo, grave e circunflexo, hífen, trema e apóstrofo) e os dígrafos, esses também para adaptação ortoépica.


A acentuação gráfica é, por isso, uma necessidade da escrita para representar corretamente a pronúncia das palavras. É evidente que “medico” é diferente de “médico” e, na fala, isso não apresenta qualquer dificuldade. Mas como representar as duas pronúncias na escrita? Aí entra o acento gráfico colocado sobre o acento tônico da palavra representada: médico. “Amássemos” e “amassemos” não apresentam complicação na fala, mas apresentariam na escrita, mesmo sendo verbos diferentes, se não contássemos com o recurso do acento gráfico. Idem com “amara” e “amará”, “pôde” e “pode” etc. Diante do exposto, já se percebe a imprescindibilidade do uso dos acentos gráficos para a escrita. Portanto, erro de acentuação gráfica também é erro gramatical.


ERROS DE CONCORDÂNCIA
Seis das dez classes de palavras da nossa língua são variáveis, flexíveis. Essas flexões ocorrem para atender sintaticamente à concordância entre elas. Como já afirmei em artigo numa edição anterior desta revista, metaforicamente, podemos afirmar que há entre as classes de palavras dois fortes feudos, um tendo como senhor o substantivo, que domina quatro vassalos: o adjetivo, o artigo, o numeral e o pronome. Esses vassalos, absolutamente obedientes e servis, se flexionam para concordar com seu senhor e rei, o substantivo, em gênero (masculino, feminino e até neutro) e número (singular e plural). A esse fenômeno se dá o nome de concordância nominal.


Outro senhor na morfologia é o verbo, que tem um súdito seu: o advérbio. No entanto, quando passamos para a sintaxe, o verbo vira vassalo obediente do seu sujeito, totalmente subserviente a ele (deixemos de lado aqui a velhíssima discussão sobre quem é mais importante: o sujeito ou o predicado). Aí o verbo concorda com seu sujeito (sua pessoa reta, que sempre pode ser representada pelos pronomes pessoais retos) em número (singular e plural) e pessoa (1ª, 2ª e 3ª). A esse fato se dá o nome de concordância verbal.


Outro senhor na morfologia é o verbo, que tem um súdito seu: o advérbio. No entanto, quando passamos para a sintaxe, o verbo vira vassalo obediente do seu sujeito, totalmente subserviente a ele (deixemos de lado aqui a velhíssima discussão sobre quem é mais importante: o sujeito ou o predicado). Aí o verbo concorda com seu sujeito (sua pessoa reta, que sempre pode ser representada pelos pronomes pessoais retos) em número (singular e plural) e pessoa (1ª, 2ª e 3ª). A esse fato se dá o nome de concordância verbal.


Por causa do fenômeno da concordância é que não podemos aceitar frases como a dita por uma repórter do tempo numa rádio de São Paulo: “... isso porque o nível dos córregos e rios continuam bastante elevados.” (Rádio Jovem Pan, 21/12/09). O verbo deveria estar no singular porque seu sujeito é “o nível dos córregos e rios”, cujo núcleo é a palavra “nível”. E o “elevados” também deveria concordar com “nível” e passar para o singular. Também é errada a frase dita por outro repórter de outra rádio de São Paulo: “O pensamento dos Estados Unidos sobre combustíveis fósseis, aquecimento global e mudanças climáticas começam a mudar, e o etanol brasileiro foi beneficiado com isso.” (um repórter da Rádio Bandeirantes, janeiro de 2010), visto que o núcleo do sujeito é “O pensamento”, com o qual o verbo “começar” deveria concordar. No singular, portanto. Para falar de concordância, precisaríamos, no entanto, de um artigo exclusivo. Mas... erro de concordância é, sem dúvida, erro gramatical.
*            *            *

kkkkkkkk.!!!!!...

NARA LEÃO - Cuitelinho



CUITELINHO

Cheguei na bera do porto
onde as onda se espaia.
As garças dá meia volta
e senta na bera da praia.
E o cuitelinho não gosta
que o botão de rosa caia, ai, ai...


Quando eu vim de minha terra,
despedi da parentaia.
Eu entrei no Mato Grosso,
dei em terras paraguaia.
Lá tinha revolução,
enfrentei fortes bataia, ai, ai...


A tua saudade corta
como aço de navaia.
O coração fica aflito,
bate uma, a outra faia.
E os óio se enche d'água
que até a vista se atrapaia, ai, ai...
----------------------------------------

Os arcaísmos de nossa língua mátria
"Cuitelinho": designação dada a certa espécie de beija-flor; é também o título de uma modinha do folclore do Centro-oeste do Brasil, adaptada por Paulo Vanzolini e Antônio Xandó, e que tornou-se um clássico da genuína música sertaneja. Entre as muitas gravações - Milton Nascimento, Renato Teixeira e outros - é na voz de Nara Leão a de que gosto mais.


Nota informativa:
Os castelhanos chamam de “yeísmo” ao fenômeno em que o “LL” deles, nosso “LH”, é pronunciado como “i”, como em caballo (cavalo), que se diz “cabaio”, pelo povão espanhol, no Caribe e na América Central. Curiosamente, na França, o mesmo “LL” , como em bataille (batalha), abeille (abelha), se pronuncia “batáie” e “abéi”, respectivamente.
Da mesma forma, o nosso falante do interior do Brasil, segue, por uma origem comum e remota, as mutações de pronúncia das línguas do mesmo tronco neolatino; como se vê nos exemplos de Cuitelinho: batáia (batalha), espáia (espalha), naváia (navalha).


(BAGNO, Marcos, A Língua de Eulália, Ed. Contexto, 1997)

CHOPIN - Nocturno N° 1 en Si Bemol menor OP 9

quinta-feira, 28 de abril de 2011

300 FLOWERS


300 Flowers
Allison Miller

You and I
Said goodbye
I thought I'd die
300 flowers
I've sitting here for hours
Can't seem to make up my mind

You and I
Second chance
Home town romance
300 flowers
When I gave up what was ours
I met a man so kind

Red petals tickling my feet
Like an oriental carpet
Thick and sweet

What once was dust now is grain
I believe
I've found my new man

Maybe you
Won't be blue
I've someone new
300 flowers
I've been sitting here for hours
I've up and changed my mind
Yeh
I've up and changed my mind


* * *

CLARICE LISPECTOR - FRAGMENTOS


"Temos procurado nos salvar mas sem usar a palavra salvação para não nos envergonharmos de ser inocentes.

Não temos usado a palavra amor para não termos de reconhecer sua contextura de ódio, de amor, de ciúme e de tantos outros contraditórios.

 Temos mantido em segredo a nossa morte para tornar nossa vida possível. Muitos de nós fazem arte por não saber como é a outra coisa.

Temos disfarçado com falso amor a nossa indiferença, sabendo que nossa indiferença é a angústia disfarçada. Temos disfarçado com o pequeno medo o grande medo maior e por isso nunca falamos no que realmente importa.

 Falar no que realmente importa é considerado uma gafe. Não temos adorado por termos a sensata mesquinhez de nos lembrarmos a tempo dos falsos deuses.

Não temos sido puros e ingênuos para não rirmos de nós mesmos e para que no fim do dia possamos dizer "pelo menos não fui tolo" e assim não ficarmos perplexos antes de apagar a luz. Temos sorrido em público do que não sorriríamos quando ficássemos sozinhos.

Temos chamado de fraqueza a nossa candura. Temo-nos temido um ao outro, acima de tudo. E a tudo isso consideramos a vitória nossa de cada dia."
*        *        * 
Clarice Lispector in: 'Uma aprendizagem ou O livro dos prazeres'

ROLAND BARTHES


SEM RESPOSTA
(Texto extraído do livro "Fragmentos de um Discurso Amoroso" - Roland Barthes)

1. "Quando se falava com ele, discursando para ele sobre qualquer que fosse o assunto, X parecia frequentemente olhar e escutar ao longe, espiando alguma coisa nas redondezas: parava-se desencorajado; no fim de um longo silêncio, X dizia: 'Continua, eu estou escutando'; então se retomava meio sem jeito o fio de uma história na qual já não se acreditava mais."

(O espaço afetivo, como uma péssima sala de concerto, comporta recantos mortos, onde o som não circula. - O interlocutor perfeito, o amigo, não será aquele que constrói ao redor de você a maior ressonância possível? A amizade não poderia ser definida como um espaço de uma sonoridade total?)


2. Essa escuta fugidia, que só posso capturar depois de algum tempo, me envolve num pensamento sórdido: empenhado com ardor em seduzir, em distrair, eu acreditava exibir, ao falar, tesouros de engenhosidade, mas esses tesouros são apreciados com indiferença; gasto minhas qualidades à toa; toda uma excitação de afetos, de doutrinas, de saber, de delicadeza, todo o esplendor do meu eu vem se enfraquecer, se amortecer num espaço inerte, como se - pensamento culpado - minha qualidade excedesse a do objeto amado, como se eu estivesse mais adiantado do que ele. Ora, a relação afetiva é uma máquina exata; a coincidência, a justiça, no sentido musical, são fundamentais; o que não está no mesmo nível é imediatamente demais: minha fala não é propriamente um detrito mas um "não vendido"; aquilo que não se consome no momento (no movimento) e é destruído.

(Da escuta distante nasce uma angústia de decisão: devo continuar, pregar "no deserto"? Seria preciso uma segurança que a sensibilidade amorosa precisamente não permite. Devo parar, desistir? Seria parecer me vexar, colocar o outro em questão, e daí começar uma "cena". Mais uma vez a armadilha.)


3. "A morte é sobretudo isso: tudo que foi visto, terá sido visto para nada. É o luto daquilo que percebemos." Nesses breves momentos em que falo à toa, é como se eu morresse. Porque o ser amado se torna um personagem de chumbo, uma figura de sonho que não fala, e o mutismo, em sonho, é a morte. Ou ainda: a Mãe gratificante me mostra o Espelho, a Imagem, e me fala: "É você". Mas a Mãe muda não me diz o que sou: não tenho mais base, flutuo dolorosamente, sem existência.

------------------------------------------------------------------------

Roland Barthes é um autor, sociólogo, crítico literário, semiólogo e filósofo francês. Graduado em Letras Clássicas, em 1939, e Gramática e Filosofia, em 1943, na Universidade de Paris, ele integrou o movimento conhecido como Estruturalismo, seguindo as concepções do principal teórico da Lingüística, Ferdinand de Saussure.

CORA CORALINA - Poeminha amoroso

Poeminha Amoroso
Cora Coralina

Este é um poema de amor
tão meigo, tão terno, tão teu...
É uma oferenda aos teus momentos
de luta e de brisa e de céu...

E eu,
quero te servir a poesia
numa concha azul do mar
ou numa cesta de flores do campo.

Talvez tu possas entender o meu amor.
Mas se isso não acontecer,
não importa.
Já está declarado e estampado
nas linhas e entrelinhas
deste pequeno poema,
o verso;
o tão famoso e inesperado verso que
te deixará pasmo, surpreso, perplexo...
eu te amo, perdoa-me, eu te amo..."
*        *        *

VINICIUS DE MORAES - ALÉM DO TEMPO


ALÉM DO TEMPO

Vinícius de Moraes

Esse amor sem fim, onde andará?
Que eu busco tanto e nunca está
E não me sai do pensamento
Sempre, sempre longe



Esse amor tão lindo que se esconde
Nos confins do não sei onde
Vive em mim além do tempo
Longe, longe, onde?



Por que não me surges nessa hora
Como um sol
Como o sol no mar
Quando vem a aurora



Esse amor que o amor me prometeu
E que até hoje não me deu
Por que não está ao lado meu?



Esse amor sem fim, onde andará?
Esse amor, meu amor,
Onde andará?
*        *        *
In Poesia completa e prosa: "Cancioneiro"

quarta-feira, 27 de abril de 2011

FERNANDO PESSOA - fragmentos (Bernardo Soares)


Bernardo Soares (heterônimo Fernando Pessoa)

"Escrevo, triste, no meu quarto quieto, sozinho como sempre tenho sido, sozinho como sempre serei.
E penso se a minha voz, aparentemente tão pouca coisa, não encarna a substância de milhares de vozes, a fome de dizerem-se de milhares de vidas, a paciência de milhões de almas submissas como a minha ao destino quotidiano, ao sonho inútil, à esperança sem vestígios.
Nestes momentos meu coração pulsa mais alto por minha consciência dele.
Vivo mais porque vivo maior."


***
"O coração, se pudesse pensar, pararia."

***
"Considero a vida uma estalagem onde tenho que me demorar até que chegue a diligência do abismo.
Não sei onde me levará, porque não sei nada.
Poderia considerar esta estalagem uma prisão, porque estou compelido a aguardar nela; poderia considerá-la um lugar de sociáveis, porque aqui me encontro com outros.
Não sou, porém, nem impaciente nem comum. Deixo aos que são, os que se fecham no quarto, deitados moles na cama onde esperam sem sono; deixo aos que conversam nas salas, de onde as músicas e as vozes chegam cómodas até mim.
Sento-me à porta e embebo meus olhos e ouvidos nas cores e nos sons da paisagem, e canto lento, para mim só, vagos cantos que componho enquanto espero."

***
"Para todos nós descerá a noite e chegará a diligência. Gozo a brisa que me dão e a alma que me deram para gozá-la, e não interrogo mais nem procuro.
Se o que deixar escrito no livro dos viajantes puder, relido um dia por outros, entretê-los também na passagem, será bem.
Se não o lerem, nem se entretiverem, será bem também."
***

Do 'Livro do Desassossego' - Bernardo Soares  (heterônimo de Fernando Pessoa)



VINÍCIUS DE MORAES - O HAVER

O HAVER

Vinicius de Moraes

Resta, acima de tudo, essa capacidade de ternura
Essa intimidade perfeita com o silêncio
Resta essa voz íntima pedindo perdão por tudo
- Perdoai-os! porque eles não têm culpa de ter nascido...

Resta esse antigo respeito pela noite, esse falar baixo
Essa mão que tateia antes de ter, esse medo
De ferir tocando, essa forte mão de homem
Cheia de mansidão para com tudo quanto existe.

Resta essa imobilidade, essa economia de gestos
Essa inércia cada vez maior diante do Infinito
Essa gagueira infantil de quem quer exprimir o inexprimível
Essa irredutível recusa à poesia não vivida.

Resta essa comunhão com os sons, esse sentimento
Da matéria em repouso, essa angústia da simultaneidade
Do tempo, essa lenta decomposição poética
Em busca de uma só vida, uma só morte, um só Vinicius.

Resta esse coração queimando como um círio
Numa catedral em ruínas, essa tristeza
Diante do cotidiano; ou essa súbita alegria
Ao ouvir passos na noite que se perdem sem história.

Resta essa vontade de chorar diante da beleza
Essa cólera em face da injustiça e o mal-entendido
Essa imensa piedade de si mesmo, essa imensa
Piedade de si mesmo e de sua força inútil.

Resta esse sentimento de infância subitamente desentranhado
De pequenos absurdos, essa capacidade
De rir à toa, esse ridículo desejo de ser útil
E essa coragem para comprometer-se sem necessidade.

Resta essa distração, essa disponibilidade, essa vagueza
De quem sabe que tudo já foi como será no vir-a-ser
E ao mesmo tempo essa vontade de servir, essa
Contemporaneidade com o amanhã dos que não tiveram ontem nem hoje.

Resta essa faculdade incoercível de sonhar
de transfigurar a realidade, dentro dessa incapacidade
de aceitá-la tal como é, e essa visão
ampla dos acontecimentos, e essa impressionante
e desnecessária presciência, e essa memória anterior
de mundos inexistentes, e esse heroísmo
estático, e essa pequenina luz indecifrável
a que às vezes os poetas dão o nome de esperança.

Resta esse desejo de sentir-se igual a todos
De refletir-se em olhares sem curiosidade e sem memória
Resta essa pobreza intrínseca, essa vaidade
De não querer ser príncipe senão do seu reino.

Resta esse diálogo cotidiano com a morte, essa curiosidade
Pelo momento a vir, quando, apressada
Ela virá me entreabrir a porta como uma velha amante
Mas recuará em véus ao ver-me junto à bem-amada...

Resta esse constante esforço para caminhar dentro do labirinto
Esse eterno levantar-se depois de cada queda
Essa busca de equilíbrio no fio da navalha
Essa terrível coragem diante do grande medo, e esse medo
Infantil de ter pequenas coragens.

15/04/1962

(In: "Jardim Noturno - Poemas Inéditos", Companhia das Letras - São Paulo, 1993, pág. 17.)

segunda-feira, 25 de abril de 2011

JOÃO UBALDO - (trecho 'Memória de livros')

Estava relendo algumas crônicas antigas de João Ubaldo Ribeiro, quando me deparei com um trecho maravilhoso sobre uma "discussãozinha" entre o pai e a avó paterna do escritor. Aí está:


 (...) "Nas férias escolares, ela ia me buscar para que eu as passasse com ela, e meu pai ficava preocupado.

- D. Amália - dizia ele, tratando-a com cerimônia na esperança de que ela se imbuísse da necessidade de atendê-lo -, o menino vai com a senhora, mas sob uma condição. A senhora não vai deixar que ele fique o dia inteiro deitado, cercado de bolachinhas e docinhos e lendo essas coisas que a senhora lê.

- Senhor doutor - respondia minha avó -, sou avó deste menino e tua mãe. Se te criei mal, Deus me perdoe, foi a inexperiência da juventude. Mas este cá ainda pode ser salvo e não vou deixar que tuas maluquices o infelicitem. Levo o menino sem condição nenhuma e, se insistes, digo-te muito bem o que podes fazer com tuas condições e vê lá se não me respondes, que hoje acordei com a ciática e não vejo a hora de deitar a sombrinha ao lombo de um que se atreva a chatear-me. Passar bem, Senhor doutor.

E assim eu ia para a casa de minha avó Amália, onde ela comentava mais uma vez com meu avô como o filho estudara demais e ficara abestalhado para a vida, e meu avô, que queria que ela saísse para poder beber em paz a cerveja que o médico proibira, tirava um bolo de dinheiro do bolso e nos mandava comprar umas coisitas de ler - Amália tinha razão, se o menino queria ler que lesse, não havia mal nas leituras, havia em certos leitores. E então saíamos gloriosamente, minha avó e eu, para a maior banca de revistas da cidade, que ficava num parque perto da casa dela e cujo dono já estava acostumado àquela dupla excêntrica. Nós íamos chegando e ele perguntava:

-Uma de cada?

- Uma de cada - confirmava minha avó, passando a superintender, com os olhos brilhando, a colheita de um exemplar de cada revista, proibida ou não-proibida, que ia formar uma montanha colorida deslumbrante, num carrinho de mão que talvez o homem tivesse comprado para atender a fregueses como nós.
- Mande levar. E agora aos livros! "

JOÃO UBALDO RIBEIRO in: Memória de Livros
-----------------------------------------------------------------------

JOÃO UBALDO RIBEIRO - Velhas e novas implicâncias


VELHAS E NOVAS IMPLICÂNCIAS
João Ubaldo Ribeiro - abril 2011
Semana Santa, bairro quieto e silencioso, jornais sem muitas notícias, uma certa preguiça. Ligo a televisão e um cavalheiro está falando sobre um assunto sem dúvida relevante, a julgar pelo semblante grave com que se dirige à câmera. Já por natureza lerdo de entendimento, cheguei no meio e não consigo atinar qual é o palpitante assunto. E deixo de tentar, assim que ele solta o terceiro ou quarto anacoluto em menos de um minuto. Anacoluto, já comentei aqui, é quando um elemento da oração fica sem função sintática, meio dependurado, como, por exemplo, “o Brasil, ele tem experimentado”, que o homem da televisão acaba de dizer.

Há quem estude esse tipo de fenômeno, porque realmente é interessante, pelo menos para linguistas e cientistas sociais. De alguns anos para cá, sem dar sinal nenhum de que vai embora, está perigando tornar-se regra tacar o anacoluto sempre que se usa um verbo na terceira pessoa. “Os deputados, eles não têm interesse nas reformas”, “o obeso, ele não deve ingerir açúcar” e assim por diante. Fala-se assim em toda parte, com essa espécie de sujeito duplo, e piora quando o falante está dando uma entrevista ou declaração pública, ocasião em que muita gente acha que deve botar paletó e gravata na linguagem. O anacoluto, que em si não tem nada de mau e é até um recurso estilístico, talvez seja visto como sofisticação de linguagem, ou sinal de que quem está falando tem bom conhecimento ou grande convicção do que diz. Sei lá, só sei que implico com esse abuso, que, na minha opinião, aleija a língua.

É engraçado esse negócio de querer enfarpelar a linguagem, quando se fala em circunstâncias formais, mesmo que apenas numa breve entrevista para um noticiário de televisão. Muitos se empertigam, abandonam sua maneira habitual de expressar-se e não só passam a caprichar nos anacolutos e similares, como na escolha das palavras, principalmente verbos terminados em “izar”. O que em casa seria usado, na entrevista é utilizado, assim como não se vê mais nada, só se visualiza. “Comerciar” praticamente não existe mais e chegará talvez o dia em que os que comerciam serão comercializantes. Aliás, ninguém vende mais nada, só comercializa.
Acho que foi essa necessidade de usar palavras por algum motivo consideradas preferíveis, ou chiques, que ocasionou o triste banimento dos verbos “botar” e “pôr”, preteridos universalmente por “colocar”. Ainda não vi referência a galinhas colocadeiras, em lugar de poedeiras, mas já li sobre galinhas colocando ovos e o dia das colocadeiras não deve tardar. Destino semelhante teve “penalizar”, que de uma só cajadada botou (colocou, já ouvi isso até em narrações esportivas) “prejudicar” para escanteio e nos obrigou a ficar, se for o caso, comiserados ou condoídos com o sofrimento alheio, mas nunca penalizados. Ainda no setor de banimentos, temos o caso de “difícil”, que, quem sabe se por ser politicamente incorreto, é hoje sempre substituído por “complicado”. E acredito que estamos presenciando o degredo talvez permanente da locução “por causa de”. Acho que maioria de vocês nem deu por isso, mas agora prestem atenção e notarão. Ninguém mais diz “por causa de”, diz “por conta de”. “Ficou em casa por conta de uma dor de cabeça”, “brigou por conta de uma dívida”.

E o “você”? Continua também, mais firme do que nunca. “Você armar um time ofensivo é mole, o que você não pode é deixar a defesa adiantada demais, porque aí você fica exposto a contra-ataques que você poderia evitar, se você posicionasse melhor a zaga.” E “jovial”? Creio que deve resignar-se a não querer mais dizer “cortês” ou “afável”. Já fiz uma checagem entre conhecidos e me surpreendi com a quantidade de gente que o liga a juventude. E o “então”? Observem como é cada vez maior o número de pessoas que inicia uma resposta com um “então” de significado obscuro. “Você foi lá hoje?” perguntamos. “Então”, começa a outra pessoa. “Não, não fui.” Acho que já tem gente que só responde depois de dizer “então”, deve ser cabalístico.

E “acontecer de”, como em “aconteceu de eu ver”? Não existe a menor necessidade desse “de” aí e o verbo sempre passou muito bem sem essa preposição. Prescinde dela como em “aconteceu ele estar presente”, ou se usa a integrante “que”. Imagino Caymmi cantando “acontece de eu ser baiano, acontece de ela não ser”. E “meio que”, que é isso? “Ele estava meio que preocupado com a situação”, “ela ficou meio que na dúvida” – que faz esse “que” aí? E “combinar de”? “Combinar” jamais teve necessidade desse “de”.

Finalmente, é cada vez mais observável que a tendência é dizer “brasileiros e brasileiras”. O plural no masculino, como era a regra, parece que não está valendo mais. Agora é “eleitoras e eleitores”, “agricultores e agricultoras”, “professores e professoras”. A tendência, imagino eu, será eliminar as palavras comuns de dois gêneros. Teremos, assim, “estudantos e estudantas”, “dentistos e dentistas”, “crianços e crianças” e – por que não? – “pessoos e pessoas”. Isso é reforçado pela preferência que a presidente Dilma tem revelado. Ele não somente quer ser chamada de “presidenta” – o que, aliás, já está dicionarizado – como, quando tem plateia, dirige a palavra aos presentes distinguindo o gênero deles, como, por exemplo, “operários e operárias”. Tudo bem, a língua é viva e não para de mudar. Mas não se pode deixar que ela corra solta, a norma culta é indispensável para a sobrevivência da língua como instrumento de comunicação científica e artística. Além disso, certas coisas acabam não dando certo. Por exemplo, a presidente pode preferir ser presidenta, mas, quando mencionada na condição mais genérica de “governante”, duvido que ela queira ser designada pela forma feminina da palavra.



-----------------------------------------------------------------


Obrigada, João Ubaldo!

E vocês, meus queridos ex-alunos, que eventualmente passem por "aqui", estão lembrados das nossas aulas?  Minha insistência para dispensar os modismos na fala continua...
Nada de "meio que", "muitas das vezes", " emprego do pronome de tratamento 'você' para indeterminação do sujeito", "emprego do verbo 'colocar' em lugar de 'por' ou 'botar' e tantas outras 'coisinhas' que enfeiam  a nossa linda língua portuguesa.
(hehehehe).


SE - RUDYARD KIPPLING

SE


Se és capaz de manter tua calma, quando,
todo mundo ao redor já a perdeu e te culpa.
De crer em ti quando estão todos duvidando,
e para esses no entanto achar uma desculpa.

Se és capaz de esperar sem te desesperares,
ou, enganado, não mentir ao mentiroso,
Ou, sendo odiado, sempre ao ódio te esquivares,
e não parecer bom demais, nem pretensioso.

Se és capaz de pensar – sem que a isso só te atires,
de sonhar – sem fazer dos sonhos teus senhores.
Se, encontrando a Desgraça e o Triunfo, conseguires,
tratar da mesma forma a esses dois impostores.

Se és capaz de sofrer a dor de ver mudadas,
em armadilhas as verdades que disseste
E as coisas, por que deste a vida estraçalhadas,
e refazê-las com o bem pouco que te reste.


Se és capaz de arriscar numa única parada,
tudo quanto ganhaste em toda a tua vida.
E perder e, ao perder, sem nunca dizer nada,
resignado, tornar ao ponto de partida.

De forçar coração, nervos, músculos, tudo,
a dar seja o que for que neles ainda existe.
E a persistir assim quando, exausto, contudo,
resta a vontade em ti, que ainda te ordena: Persiste!

Se és capaz de, entre a plebe, não te corromperes,
e, entre Reis, não perder a naturalidade.
E de amigos, quer bons, quer maus, te defenderes,
se a todos podes ser de alguma utilidade.

Se és capaz de dar, segundo por segundo,
ao minuto fatal todo valor e brilho.
Tua é a Terra com tudo o que existe no mundo,
e – o que ainda é muito mais – és um Homem, meu filho!


"IF" , de RUDYARD KIPPLING
Tradução de GUILHERME DE ALMEIDA
-------------------------------------------------

CAMPANHA PUBLICITÁRIA - Crie filhos

CAMPANHA PUBLICITÁRIA DO CITIBANK, ESPALHADA PELA CIDADE DE SÃO PAULO




" CRIE FILHOS EM VEZ DE HERDEIROS

Dinheiro só chama dinheiro, não chama para um cineminha, nem para tomar um sorvete.

Não deixe que o trabalho sobre sua mesa tampe a vista da janela.

Não é justo fazer declarações anuais ao Fisco e nenhuma para quem você ama.

Para cada almoço de negócios, faça um jantar à luz de velas.

Por que as semanas demoram tanto e os anos passam tão rapidinho?


Quantas reuniões foram mesmo esta semana? Reúna os amigos.

Trabalhe, trabalhe, trabalhe. Mas não se esqueça, vírgulas significam pausas...

...e quem sabe assim você seja promovido a melhor ( amigo / pai / mãe / filho / filha / namorada / namorado / marido / esposa / irmão / irmã.. etc.) do mundo!

Você pode dar uma festa sem dinheiro. Mas não sem amigos.

E para terminar:

Não eduque seu filho para ser rico, eduque-o para ser feliz. Assim, ele saberá o valor das coisas e não o seu preço."
----------------------------------------

domingo, 24 de abril de 2011

OS LIVROS - EUGÊNIO DE ANDRADE

Os Livros
Eugênio de Andrade


Os livros. A sua cálida,
terna, serena pele.
Amorosa companhia.
Dispostos sempre
a partilhar o sol
das suas águas.
Tão dóceis,
tão calados, tão leais,
tão luminosos na sua
branca e vegetal e cerrada
melancolia.
Amados
como nenhuns outros companheiros
da alma.
Tão musicais
no fluvial e transbordante
ardor de cada dia.

*        *        *
In: Ofício da Paciência

RUBEM BRAGA


O texto que se segue é de Rubem Braga, escrito em 1959, e se insere em uma de suas coletâneas entre centenas de crônicas, que o consagrou como um dos melhores escritores na literatura brasileira. Ele é reverenciado merecidamente na categoria de "o" cronista nacional.
A crônica baseada no que é "corriqueiro" é atemporal, assim como toda arte, inclusive a arte de escrever ; este imprudente ofício de viver em voz alta - como o cronista nos fala.
Soando as palavras como notas musicais, em cada linha, buscando a harmonia em cada letra e assim se faz em rima uma sintonia de algum sentido no tempo vivido. Compasso, descompassado. Passo.
Ana Maria Rodrigues , no blog "Canto ideal".


"Tanto que tenho falado, tanto que tenho escrito - como não imaginar que, sem querer, feri alguém? Às vezes sinto, numa pessoa que acabo de conhecer, uma hostilidade surda, ou uma reticência de mágoas. Imprudente ofício é este, de viver em voz alta.

Às vezes, também a gente tem o consolo de saber que alguma coisa que se disse por acaso ajudou alguém a se reconciliar consigo mesmo, ou com sua vida de cada dia: a sonhar um pouco, a sentir uma vontade de fazer alguma coisa boa.

Agora sei que outro dia eu disse uma palavra que fez bem a alguém. Nunca saberei qual palavra foi; deve ter sido alguma frase espontânea e distraída que eu disse com naturalidade porque senti no momento - e depois esqueci.

Tenho uma amiga que certa vez ganhou um canário, e o canário não cantava. Deram-lhe receitas para fazer o canário cantar; que falasse com ele, cantarolasse, batesse alguma coisa no piano; que pusesse a gaiola perto quando trabalhasse em sua máquina de costura; que arranjasse para lhe fazer companhia, algum tempo, outro canário cantador; até mesmo que ligasse o rádio um pouco alto durante uma transmissão de jogo de futebol...mas o canário não cantou.

Um dia a minha amiga estava sozinha em casa, distraída, e assobiou uma pequena frase melódica de Beethoven - e o canário começou a cantar alegremente. Haveria alguma secreta ligação entre a alma do velho artista morto e o pequeno pássaro cor de ouro?

Alguma coisa que eu disse distraído - talvez palavras de algum poeta antigo - foi despertar melodias esquecidas dentro da alma de alguém. Foi como se a gente soubesse que de repente, num reino muito distante, uma princesa muito triste tivesse sorrido. E isso fizesse bem ao coração do povo; iluminasse um pouco as suas pobres choupanas e as suas remotas esperanças."


RUBEM BRAGA

DIA INTERNACIONAL DO LIVRO - JOSIAS DE SOUZA


coluna do JOSIAS DE SOUZA (uol)

Muita gente nem percebeu. Quem notou, deu pouca ou nenhuma importância à data.
O Dia Internacional do Livro ateou neste 23 de abril um ânimo de cortejo fúnebre.
Na era da web, a palavra escrita acha-se, por assim dizer, sob as garras do novo.
Em mais uma mudança de hábitos, o verbo move-se agora também em pixels e bits.
A tecnologia como que confere ao papel e à tinta ares de coisas antigas, obsoletas.
Estantes ganham aparência de cemitérios, para onde vão os livros depois de mortos.
Na contramaré do ceticismo dos modernos, o signatário do blog recomenda aos seus 22 leitores:
Leiam “A Conturbada História das Bibliotecas”, do americano Matthew Battles.
No Brasil, foi lançado em 2003, pela Editora Planeta. Tem 239 folhas. Fuja da versão digital.
Prefira o papel. Leva uma inestimável vantagem sobre o visor de cristal líquido: não enguiça.
----------------------------------

Pois é... ontem, em uma das raríssimas saídas para ir a um Shopping, entrei numa livraria e trouxe "Vivendo em voz alta" do Miguel Falabella.
Crônicas leves, agradabilíssimas de ler e que nos revelam um pouco mais da sensibilidade de um artista múltiplo. Estou gostando muito.
-------------------------------------------------

sexta-feira, 22 de abril de 2011

CATULLO DA PAIXÃO CEARENSE


"É bem justo que eu consagre
este milagre
que dos olhos faz descrer...

Quando alguém quer ver no mundo
o que é profundo
fecha os olhos para ver"


(Catullo da Paixão Cearense)


quinta-feira, 14 de abril de 2011

MÁRIO QUINTANA

Confissão
Mário Quintana

Que esta minha paz e este meu amado silêncio
Não iludam a ninguém
Não é a paz de uma cidade bombardeada e deserta
Nem tampouco a paz compulsória dos cemitérios

Acho-me relativamente feliz
Porque nada de exterior me acontece...
Mas,
Em mim, na minha alma,
Pressinto que vou ter um terremoto!

*        *        *

domingo, 10 de abril de 2011

DRUMMOND... SEMPRE


Carlos Drummond de Andrade



"...sou tua árvore da guarda
e simbolizo teu outono pessoal.
Quero apenas que te outonizes
com paciência e doçura.
O dardo de luz fere menos,
a chuva dá às frutas
seu definitivo sabor.
As folhas caem, é certo,
e os cabelos também,
mas há alguma coisa
de gracioso em tudo isso:
parábolas, ritmos, tons suaves...
Outoniza-te
com dignidade, meu velho."

*            *            *

SEM SENTIDO


O CRAVO NÃO BRIGOU COM A ROSA


Texto de Luiz Antônio Simas


Chegamos ao limite da insanidade da onda do politicamente correto.

Soube dia desses que as crianças, nas creches e escolas, não cantam mais O cravo brigou com a rosa . A explicação da professora do filho de um camarada foi comovente: a briga entre o cravo - o homem - e a rosa - a mulher - estimula a violência entre os casais. Na nova letra "o cravo encontrou a rosa debaixo de uma sacada/o cravo ficou feliz /e a rosa ficou encantada".

Que diabos é isso? O próximo passo é enquadrar o cravo na Lei Maria da Penha.

Será que esses doidos sabem que O cravo brigou com a rosa faz parte de uma suíte de 16 peças que Villa Lobos criou a partir de temas recolhidos no folclore brasileiro?
É Villa Lobos, cacete!

Outra música infantil que mudou de letra foi Samba Lelê. Na versão da minha infância o negócio era o seguinte: Samba Lelê tá doente/ Tá com a cabeça quebrada/ Samba Lelê precisava/ É de umas boas palmadas. A palmada na bunda está proibida. Incita a violência contra a menina Lelê. A tia do maternal agora ensina assim: Samba Lelê tá doente/ Com uma febre malvada/ Assim que a febre passar/ A Lelê vai estudar.

Se eu fosse a Lelê, com uma versão dessas, torcia pra febre não passar nunca. Os amigos sabem de quem é Samba Lelê? Villa Lobos de novo. Podiam até registrar a parceria. Ficaria assim: Samba Lelê, de Heitor Villa Lobos e Tia Nilda do Jardim Escola Criança Feliz.

Comunico também que não se pode mais atirar o pau no gato, já que a música desperta nas crianças o desejo de maltratar os bichinhos. Quem entra na roda dança, nos dias atuais, não pode mais ter sete namorados para se casar com um. Sete namorados é coisa de menina fácil.

Ninguém mais é pobre ou rico de marré-de-si, para não despertar na garotada o sentido da desigualdade social entre os homens.

Dia desses alguém [não me lembro exatamente quem se saiu com essa e não procurei a referência no meu babalorixá virtual, Pai Google da Aruanda] foi espinafrado porque disse que ecologia era, nos anos setenta, coisa de viado. Qual é o problema da frase? Ecologia, de fato, era vista como coisa de viado. Eu imagino se meu avô, com a alma de cangaceiro que possuía, soubesse, em mil novecentos e setenta e poucos, que algum filho estava militando na causa da preservação do mico leão dourado, em defesa das bromélias ou coisa que o valha. Bicha louca, diria o velho.

Vivemos tempos de não me toques que eu magôo. Quer dizer que ninguém mais pode usar a expressão coisa de viado ? Que me desculpem os paladinos da cartilha da correção, mas isso é uma tremenda babaquice. O politicamente correto é a sepultura do bom humor, da criatividade, da boa sacanagem. A expressão coisa de viado não é, nem a pau (sem duplo sentido), ofensa a bicha alguma.

Daqui a pouco só chamaremos o anão - o popular pintor de roda-pé ou leão de chácara de baile infantil - de deficiente vertical . O crioulo - vulgo picolé de asfalto ou bola sete (depende do peso) - só pode ser chamado de afrodescendente. O branquelo - o famoso branco azedo ou Omo total - é um cidadão caucasiano desprovido de pigmentação mais evidente. A mulher feia - aquela que nasceu pelo avesso, a soldado do quinto batalhão de artilharia pesada, também conhecida como o rascunho do mapa do inferno - é apenas a dona de um padrão divergente dos preceitos estéticos da contemporaneidade. O gordo - outrora conhecido como rolha de poço, chupeta do Vesúvio, Orca, baleia assassina e bujão - é o cidadão que está fora do peso ideal. O magricela não pode ser chamado de morto de fome, pau de virar tripa e Olívia Palito. O careca não é mais o aeroporto de mosquito, tobogã de piolho e pouca telha.

Nas aulas sobre o barroco mineiro, não poderei mais citar o Aleijadinho. Direi o seguinte: o escultor Antônio Francisco Lisboa tinha necessidades especiais... Não dá. O politicamente correto também gera a morte do apelido, essa tradição fabulosa do Brasil.

O recente Estatuto do Torcedor quer, com os olhos gordos na Copa e 2014, disciplinar as manifestações das torcidas de futebol. Ao invés de mandar o juiz pra putaqueopariu e o centroavante pereba tomar no olho do cu, cantaremos nas arquibancadas o allegro da Nona Sinfonia de Beethoven, entremeado pelo coro de Jesus, alegria dos homens, do velho Bach.

Falei em velho Bach e me lembrei de outra. A velhice não existe mais. O sujeito cheio de pelancas, doente, acabado, o famoso pé na cova, aquele que dobrou o Cabo da Boa Esperança, o cliente do seguro funeral, o popular tá mais pra lá do que pra cá, já tem motivos para sorrir na beira da sepultura. A velhice agora é simplesmente a "melhor idade".

Se Deus quiser morreremos, todos, gozando da mais perfeita saúde. Defuntos? Não.
Seremos os inquilinos do condomínio Cidade dos pés juntos.

Abraços,

Luiz Antônio Simas
(Mestre em História Social pela Universidade Federal do Rio de Janeiro e professor de História do ensino médio).
---------------------------------

Gostei muito desse texto.
Fico pensando é que "naquele" tempo, quando não havia o politicamente correto, também aguentávamos muito bem a gozação dos colegas - era só gozação, sem intenção de ferir fisica ou moralmente - nas escolas.

Quando havia revide, formavam-se os "contra" e os "a favor" de um ou outro e tudo ficava por ali mesmo... Alguns puxões de cabelo, alguns arranhões que seriam tratados em casa com o carinho e a bronca dos pais: "Moleque (a) danado (a)! Brigando de novo! Já pro castigo! "

No dia seguinte, lá íamos nós, felizes da vida, esquecidos do ontem, encontrar nossos coleguinhas e, na escola, aprender o que fazer no mundo.

Ninguém nos alertava para o "bullying", e a vida era mais divertida e mais simples.

Também não havia casos de maluco nenhum atirando dentro de escola.

Tudo agora é muito "certinho", não se pode "traumatizar" a criança. Não, né?

E o noticiário, hein? É traumatizante para qualquer adulto...
 
Pronto, falei! E quem quiser argumentar, sinta-se à vontade.
 

quarta-feira, 6 de abril de 2011


Doce de Pimenta

Rita Lee

Composição : Rita Lee - Roberto de Carvalho

Cada um vive como pode
E eu nasci pra sofrer
Cara feia pra mim é fome
Eu não faço manha pra comer !


A vida é como uma escola
E a morte é um vestibular
No inferno eu entro sem cola
Mas o céu eu vou ter que descolar


Mas quando alguém
Precisa de um carinho meu
Não há nada que me prenda
Mas se eu sentir que um bicho me mordeu
Sou mais ardida que pimenta!


No fundo eu sou otimista
Mas sempre imagino o pior
Me cansa essa vida de artista
Mas cada vez o prazer é maior


Mas quando alguém
Precisa de um carinho meu
Não há nada que me prenda
Mas se eu sentir que um bicho me mordeu
Sou mais ardida que pimenta!
------------------------------------------

CHICO BUARQUE - FRAGMENTOS



"Tenho um peito de lata
e um nó de gravata
no coração.
Tenho uma vida sensata
sem emoção.
Tenho uma pressa danada
Não paro pra nada
Não presto atenção
nos versos dessa canção
inútil."
                (CARA A CARA - 1969)
**

 "Quer saber o que está havendo
com as flores do meu quintal?
o amor-perfeito, traindo
a sempre-viva, morrendo
e a rosa cheirando mal."
                (AGORA FALANDO SÉRIO - 1969)
**

..."Se lembra do futuro
que a gente combinou?
Eu era tão criança...
e ainda sou,
querendo acreditar
que o dia vai raiar
só porque
uma cantiga anunciou." (...)
                 (MANINHA - 1977)
**

" Passas em exposição
passas sem ver teu vigia
catando a poesia
que entornas no chão"
                 (AS VITRINES - 1981)
**

"Me ensina a não andar com os pés no chão...
Para sempre é sempre por um triz...
Ai, diz quantos desastres tem  na minha mão...
Diz se é perigoso a gente ser feliz..."
                (BEATRIZ - 1982 - parceria Edu Lobo)
**

"Não, solidão, hoje não quero me retocar
nesse salão de tristeza
onde as outras penteiam mágoas
Deixo que as águas
invadam meu rosto
Gosto de me ver chorar
Finjo que estão me vendo
Eu preciso me mostrar."
                 (A MAIS BONITA - 1989)
*        *        *