sábado, 29 de setembro de 2012

Elas Cantam Roberto - Hebe Camargo


HEBE CAMARGO
Taubaté, 08 de março de 1929 - São Paulo, 29 de setembro de 2012




VOCÊ NÃO SABE
Composição: Roberto Carlos e Erasmo Carlos


Você não sabe quanta coisa eu faria
além do que já fiz...
Você não sabe até onde eu chegaria
pra te fazer feliz...

Eu chegaria
onde só chegam os pensamentos,
encontraria uma palavra que não existe
pra te dizer nesse meu verso quase triste
como é grande o meu amor...

Você não sabe que os anseios do seu coração
são muito mais pra mim
do que as razões que eu tenha
pra dizer que não
e eu sempre digo sim...

E ainda que a realidade me limite,
a fantasia dos meus sonhos me permite
que eu faça mais
do que as loucuras que já fiz
pra te fazer feliz

Você só sabe
que eu te amo tanto...
Mas, na verdade,
meu amor, não sabe o quanto...
E se soubesse iria compreender
razões que só quem ama assim pode entender.

Você não sabe quanta coisa eu faria
por um sorriso seu...
Você não sabe
até onde chegaria
amor igual ao meu...

Mas se preciso for
eu faço muito mais.
Mesmo que eu sofra,
ainda assim eu sou capaz
de muito mais
do que as loucuras que já fiz
pra te fazer feliz.
*        *        *

RUBEM BRAGA para VINICIUS DE MORAES

Recado de Primavera
Rubem Braga

Meu caro Vinicius de Moraes,

Escrevo-lhe aqui de Ipanema para lhe dar uma notícia grave: A Primavera chegou. Você partiu antes. É a primeira Primavera, de 1913 para cá, sem a sua participação. Seu nome virou placa de rua; e nessa rua, que tem seu nome na placa, vi ontem três garotas de Ipanema que usavam minissaias. Parece que a moda voltou nesta Primavera — ...acho que você aprovaria. O mar anda virado; houve uma Lestada muito forte, depois veio um Sudoeste com chuva e frio. E daqui de minha casa vejo uma vaga de espuma galgar o costão sul da Ilha das Palmas. São violências primaveris.

O sinal mais humilde da chegada da Primavera vi aqui junto de minha varanda. Um tico-tico com uma folhinha seca de capim no bico. Ele está fazendo ninho numa touceira de samambaia, debaixo da pitangueira. Pouco depois vi que se aproximava, muito matreiro, um pássaro-preto, desses que chamam de chopim. Não trazia nada no bico; vinha apenas fiscalizar, saber se o outro já havia arrumado o ninho para ele pôr seus ovos.

Isto é uma história tão antiga que parece que só podia acontecer lá no fundo da roça, talvez no tempo do Império. Pois está acontecendo aqui em Ipanema, em minha casa, poeta. Acontecendo como a Primavera. Estive em Blumenau, onde há moitas de azaléias e manacás em flor. Agora vou ao Maranhão, reino de Ferreira Gullar, cuja poesia você tanto amava, e que fez 50 anos. O tempo vai passando, poeta. Chega a Primavera nesta Ipanema, toda cheia de sua música e de seus versos. Eu ainda vou ficando um pouco por aqui — a vigiar, em seu nome, as ondas, os tico-ticos e as moças em flor. Adeus.


*            *            *

PAULO LEMINSKI - dois poemas


o que o barro quer
Paulo Leminski



o barro
toma a forma
...que você quiser

você nem sabe
estar fazendo apenas
o que o barro quer


**


cheio de tudo
Paulo Leminski




quinta-feira, 27 de setembro de 2012

OLAVO BILAC - (parnasiano?!)



Ao coração que sofre, separado
do teu, no exílio em que a chorar me vejo,
não basta o afeto simples e sagrado
com que das desventuras me protejo.

Não me basta saber que sou amado,
nem só desejo o teu amor: desejo
ter nos braços teu corpo delicado,
ter na boca a doçura de teu beijo.

E as justas ambições que me consomem
não me envergonham: pois maior baixeza
não há que a terra pelo céu trocar;

e mais eleva o coração de um homem
ser de homem sempre e, na maior pureza,
ficar na terra e humanamente amar.

*        *        *

quarta-feira, 19 de setembro de 2012

ADÉLIA PRADO - Setembro


Setembro
Adélia Prado


Podei a roseira no momento certo
e viajei muitos dias,
aprendendo de vez
que se deve esperar biblicamente
pela hora das coisas.

...Quando abri a janela, vi-a,
como nunca a vira
constelada,
os botões,
alguns já com rosa- pálido
espiando entre as sépalas,
jóias vivas em pencas.

Minha dor nas costas,
meu desaponto com os limites do tempo,
o grande esforço para que me entendam
pulverizam-se
diante do recorrente milagre.

Maravilhosas faziam-se
as cíclicas perecíveis rosas.
Ninguém me demoverá
do que de repente soube
à margem dos edifícios da razão:
a misericórdia está intacta,
vagalhões de cobiça,
punhos fechados,
altissonantes iras,
nada impede ouro de corolas
e acreditai: perfumes.

Só porque é setembro

*       *       *

terça-feira, 11 de setembro de 2012

DJAVAN - Melodia Sentimental




Lindíssima!
Música: Heitor Villa-Lobos
Letra: Dora Vasconcelos

Trilha sonora da novela "Cordel Encantado"

sábado, 8 de setembro de 2012

MÁRIO QUINTANA - Ruazinha sossegada

Ruazinha sossegada
Mario Quintana

É a mesma a ruazinha sossegada.
Com as velhas rondas e as canções de outrora...
...E os meus lindos pregões da madrugada
passam cantando ruazinha em fora!

Mas parece que a luz está cansada...
E, não sei como, tudo tem, agora,
essa tonalidade amarelada
Dos cartazes que o tempo descolora...

Sim, desses cartazes ante os quais
nós às vezes paramos, indecisos...
Mas para quê?... Se não adiantam mais!...

Pobres cartazes por aí afora
que inda anunciam: - Alegria - Risos
depois do Circo já ter ido embora!...

*            *            *

quarta-feira, 5 de setembro de 2012

FABRÍCIO CARPINEJAR - Décima elegia


Décima elegia
Fabrício Carpinejar

Só na velhice o vento não ressuscita.
A água dos olhos entra na surdez da neve
e escuta a oração do estômago, dos rins, do pulmão.
O sono desce com a marcha dos ratos no assoalho.
Tudo foi julgado e devemos durar nas escolhas.

Só na velhice os grilos denunciam o meio-dia.
O exílio é na carne.
Esmorece o esforço de conciliar a verdade
com a realidade.
A neblina nos enterra vivos.

Só na velhice o pó atravessa a parede da brasa,
o riso atravessa o osso.
Deciframos a descendência do vinho.
Os segredos não são contados
porque ninguém quer ouvi-los.
O lume raso do aposento é apanhado pela ave
a pousar o bule das penas na estante do mar.

Só na velhice acomodo a bagagem nos bolsos do casaco.
O suspiro é mais audível que o clamor.
Recusamos o excesso, basta uma escova e uma toalha.

Só na velhice os músculos são armas engatilhadas.
O nome passa a me carregar.
É penoso subir os andares da voz,
nos abrigamos no térreo de um assobio.
Pedimos desculpa às cadeiras e licença ao pão.
O ódio esquece sua vingança.
Amamos o que não temos.

Só na velhice digo bom dia e recebo
a resposta de noite.
Convém dispor da cautela e se despedir aos poucos.

Só na velhice quantos sofrem à toa
para narrar em detalhes seu sofrimento.
O pesadelo impõe dois turnos de trabalho.
Investigo-me a ponto de ser meu inimigo.
Sustentamos o atrito com o céu, plagiando
com as pálpebras o vôo anzolado, céreo, das borboletas.

Só na velhice há o receio em folhear edições raras
e rasgar uma página gasta do manuseio.
Embalo a espuma como um neto.
Confundimos a ordem do sinal da cruz.
O luto não é trégua e descanso, mas a pior luta.

Só na velhice a forma está na força do sopro.
Respeito Lázaro, que a custo de um milagre
faleceu duas vezes.
O medo é de dormir na luz.
Lamento ter sido indiscreto
com minha dor e discreto com minha alegria.

Só na velhice a mesa fica repleta de ausências.
Chego ao fim, uma corda que aprende seu limite
após arrebentar-se em música.
Creio na cerração das manhãs.
Conforto-me em ser apenas homem.

Envelheci,
tenho muita infância pela frente.

*        *        *


Poema do livro 'Terceira Sede'

terça-feira, 4 de setembro de 2012

JOSÉ SARAMAGO, POETA - Poema à boca fechada

Poema à boca fechada
José Saramago



Não direi:
Que o silêncio me sufoca e amordaça.
Calado estou, calado ficarei,
Pois que a língua que falo é de outra raça.

Palavras consumidas se acumulam,
Se represam, cisterna de águas mortas,
Ácidas mágoas em limos transformadas,
Vaza de fundo em que há raízes tortas.

Não direi:
Que nem sequer o esforço de as dizer merecem,
Palavras que não digam quanto sei
Neste retiro em que me não conhecem.

Nem só lodos se arrastam, nem só lamas,
Nem só animais bóiam, mortos, medos,
Túrgidos frutos em cachos se entrelaçam
No negro poço de onde sobem dedos.

Só direi,
Crispadamente recolhido e mudo,
Que quem se cala quando me calei
Não poderá morrer sem dizer tudo.

*            *            *

domingo, 2 de setembro de 2012

CAETANO VELOSO - Oração ao tempo



Oração ao tempo
Caetano Veloso

És um senhor tão bonito
Quanto a cara do meu filho
Tempo tempo tempo tempo
Vou te fazer um pedido
Tempo tempo tempo tempo...

Compositor de destinos
Tambor de todos os rítmos
Tempo tempo tempo tempo
Entro num acordo contigo
Tempo tempo tempo tempo...

Por seres tão inventivo
E pareceres contínuo
Tempo tempo tempo tempo
És um dos deuses mais lindos
Tempo tempo tempo tempo...

Que sejas ainda mais vivo
No som do meu estribilho
Tempo tempo tempo tempo
Ouve bem o que te digo
Tempo tempo tempo tempo...

Peço-te o prazer legítimo
E o movimento preciso
Tempo tempo tempo tempo
Quando o tempo for propício
Tempo tempo tempo tempo...

De modo que o meu espírito
Ganhe um brilho definido
Tempo tempo tempo tempo
E eu espalhe benefícios
Tempo tempo tempo tempo...

O que usaremos prá isso
Fica guardado em sigilo
Tempo tempo tempo tempo
Apenas contigo e comigo
Tempo tempo tempo tempo...

E quando eu tiver saído
Para fora do teu círculo
Tempo tempo tempo tempo
Não serei nem terás sido
Tempo tempo tempo tempo...

Ainda assim acredito
Ser possível reunirmo-nos
Tempo tempo tempo tempo
Num outro nível de vínculo
Tempo tempo tempo tempo...

Portanto peço-te aquilo
E te ofereço elogios
Tempo tempo tempo tempo
Nas rimas do meu estilo
Tempo tempo tempo tempo...


*        *        *