domingo, 20 de novembro de 2011

PAULO LEMINSKI - (Bem no fundo)

Bem no fundo
Paulo Leminski

No fundo, no fundo,
bem lá no fundo,
a gente gostaria
de ver nossos problemas
resolvidos por decreto

a partir desta data,
aquela mágoa sem remédio
é considerada nula
e sobre ela - silêncio perpétuo

extinto por lei todo o remorso,
maldito seja que olhas pra trás,
lá pra trás não há nada,
e nada mais

mas problemas não se resolvem,
problemas têm família grande,
e aos domingos saem todos a passear
o problema, sua senhora
e outros pequenos probleminhas.

*        *        *

SUGESTÕES

Dessas coisas que giram pela internet, arquivei um texto bem humorado e que considero de extrema utilidade. Tenho procurado seguir as sugestões.

TENHA IDADE MAS MANTENHA-SE JOVEM


 Poupe um pouco para ter sempre independência financeira. Não precisa ser muito, não comprometa o prazer que o dinheiro pode lhe dar em razão de um tempo maior de velhice, que pode até não acontecer...
Uma pessoa  idosa não consome muito além do  plano de saúde e dos remédios. Provavelmente, você já tem tudo e mais coisas só lhe darão trabalho.

 Pare também de se preocupar com a situação financeira de filhos e netos; não se sinta culpado em gastar consigo mesmo o que é seu de direito. Provavelmente, você já lhes ofereceu o que foi possível na infância e juventude, assim como uma boa educação. Portanto, a responsabilidade agora é deles.

 Não seja arrimo de família; seja um pouco egoísta, mas não usurário.

 Tenha uma vida saudável, sem grandes esforços físicos. Faça ginástica moderada, alimente-se bem, mas sem exagero.

 Tenha a sua própria condução, até quando não houver perigo.

 Nada de estresse por pouca coisa. Na vida tudo passa, sejam os bons momentos que devem ser curtidos, sejam os ruins que devem ser rapidamente esquecidos.

 Esteja sempre limpo, com um banho diário pelo menos;  seja vaidoso:   frequente salão de beleza, dermatologista, dentista, use perfumes e cremes com moderação e - por que não -  uma plástica? Já que você não é mais tão bonito, seja pelo menos bem cuidado.

 Nada de ser muito moderno, tente ser eterno.

 Leia livros e jornais, ouça rádio, veja bons programas na TV, acesse a internet, envie e responda e-mails, ligue para os amigos. Mantenha-se sempre atualizado sobre tudo.

 Respeite a opinião dos jovens; eles podem até estar errados, mas devem ser respeitados.

 Não use jamais a expressão "no meu tempo", pois o seu tempo é hoje.

 Seja o dono da sua casa por mais simples que ela possa ser; pelo menos lá, você é quem manda. Não caia na besteira de morar com filhos, netos, ou seja lá quem for.

 Não seja hóspede; só tome esta decisão quando não puder mais adiar e sentir que o fim está bem próximo. Lembre-se de que você está no período do ronco e da flatulência.

 Um bom asilo também não deve ser descartado e pode até ser bem divertido; você irá conviver com a turma da sua geração e o trabalho que você possa dar será remunerado (as pessoas se preocupam é com dinheiro).

 Cultive um "hobby", seja caminhar, cozinhar, pescar, dançar, criar gato, cachorro, cuidar de plantas, jogar baralho, golfe, velejar ou colecionar algo. Faça o que gosta e o que seus recursos permitam.

 Viaje sempre que possível. De preferência, vá em excursão, pois além de mais acessível, pode ser financiada e é uma ótima oportunidade para se conhecer novas pessoas.

 Aceite todos os convites de batizado, formatura, casamento, missa de sétimo dia. O importante é sair de casa.

 Fale pouco e ouça mais; a sua vida e o seu passado só interessam a você. Se alguém lhe perguntar sobre esses assuntos, seja sucinto e procure falar coisas boas e engraçadas. Jamais se lamente de algo.

 Fale baixo, seja gentil e educado, não critique nada, aceite a situação como ela é.

 As dores e as doenças estarão sempre presentes; não as torne mais problemáticas do que são falando sobre elas. Tente sublimá-las; afinal, elas afetam somente a você e são problemas seus e dos seus médicos.

 Não fique se apegando a religião, depois de velho, rezando e implorando a Deus o tempo todo, como um fanático. O bom é que, em breve, seus pedidos poderão ser feitos pessoalmente a Ele.

 Ria, ria muito, ria de tudo, você é um felizardo, você teve uma vida, uma vida longa, e a morte será somente uma nova etapa incerta, assim como foi incerta toda a sua vida.
***

sábado, 19 de novembro de 2011

CASSIANO RICARDO - (Depois de tudo)

Tela de Salvador Dali
Depois de tudo
Cassiano Ricardo


Mas tudo passou tão depressa
Não consigo dormir agora.
Nunca o silêncio gritou tanto
Nas ruas da minha memória.
Como agarrar líquido o tempo
Que pelos vãos dos dedos flui?
Meu coração é hoje um pássaro
Pousado na árvore que eu fui.

*            *            *

quinta-feira, 17 de novembro de 2011

ANTONIO FRANCISCO LISBOA

ANTONIO FRANCISO LISBOA - O ALEIJADINHO
Retrato imaginário, por Bernardelli
Ouro Preto, 29 de agosto de 1730 - ou mais provavelmente 1738 / Outro Preto, 18 de novembro de 1814

Antônio Francisco Lisboa, o Aleijadinho, tinha esse apelido devido a uma doença degenerativa que provoca a perda dos membros – discute-se se sífilis, lepra, tromboangeíte obliterante ou ulceração gangrenosa das mãos e dos pés.
Nasceu na antiga Vila Rica (atual Ouro Preto), Minas Gerais, filho de um arquiteto português, Manuel Francisco Lisboa, e de uma escrava de quem se sabe apenas o primeiro nome: Isabel.

Aleijadinho foi arquiteto e escultor do Período Colonial, sendo considerado o artista mais importante do estilo Barroco no Brasil.
Apesar de, formalmente, só ter recebido a educação primária, cresceu entre obras de arte, já que, além de seu pai, um dos primeiros arquitetos de Minas Gerais, conviveu muito com o tio Antônio Francisco Pombal, conhecido entalhador das principais cidades históricas mineiras.

Com um estilo relacionado ao Barroco e ao Rococó, é considerado pela crítica brasileira quase em consenso como o maior expoente da arte colonial no Brasil e, ultrapassando as fronteiras brasileiras, para alguns estudiosos estrangeiros é o maior nome do Barroco americano, merecendo um lugar destacado na história da arte do ocidente.


Deixou mostras de seu talento em Ouro Preto, Sabará, Caeté, Catas Altas, Santa Rita Durão, São João del-Rei, Tiradentes e Nova Lima, cidades de Minas Gerais, onde desenhou e esculpiu para dezenas de igrejas. Em Mariana, assinou o chafariz da Samaritana e, a Congonhas do Campo, legou suas obras-primas: as estátuas em pedra-sabão dos 12 profetas (1800-1805) e as 66 figuras em cedro (1796) que compõem a Via-Sacra.


A partir de 1799 começaram a surgir os sinais de uma grave doença que, com o passar dos anos, deformou-lhe o corpo e prejudicou seu trabalho, causando-lhe grandes sofrimentos.
Até hoje, é desconhecida a exata natureza de seu mal, e várias propostas de diagnóstico foram oferecidas por diversos historiadores e médicos.

Mesmo com crescente dificuldade, prosseguiu trabalhando intensivamente.

Ocupado com encomendas que chegavam de toda a província, Aleijadinho tinha mais de 60 anos quando começou a esculpir as famosas imagens de Congonhas do Campo-MG.




Nessa época, já deformado pela doença que lhe inutilizara as mãos e os pés, trabalhava com o martelo e o cinzel amarrados aos punhos pelos ajudantes. Apesar de ter sido respeitado em sua época, Aleijadinho, após sua morte, foi relegado a um quase esquecimento.
O reconhecimento de que sua obra – o Barroco reconstruído dentro de uma concepção rigorosamente brasileira – havia sido a expressão máxima desse movimento no Brasil foi uma conseqüência da Semana de Arte Moderna de 1922.


Entre 1807 e 1809, estando sua doença em estado avançado, a sua oficina encerrou as atividades, mas ele ainda realizou alguns trabalhos. A partir de 1812  sua saúde piorou e ele passou a depender muito das pessoas que o assistiam.
Mudou-se para uma casa nas proximidades da Igreja do Carmo de Ouro Preto, para supervisionar as obras que estavam a cargo de seu discípulo Justino de Almeida.
A esta altura estava quase cego e com as capacidades motoras grandemente reduzidas. Por um breve período voltou para sua antiga moradia, mas logo teve de acomodar-se na casa de sua nora, até que  veio a falecer, em 18 de novembro de 1814.
Foi sepultado na Matriz de Antônio Dias, em uma tumba junto ao altar de Nossa Senhora da Boa Morte
*            *            *

F.CHOPIN

A Doença de Frédéric Chopin

Frédéric François Chopin, brilhante compositor e pianista polonês
(Elazowa Wola, 1 de Março de 1810 — Paris, 17 de Outubro de 1849).

Biograficamente, o artista é pintado como um jovem de saúde frágil, consequência de uma grave doença crônica iniciada na infância; malgrado a debilitação, Chopin é mundialmente conhecido como um dos maiores e mais importantes compositores da história.

"O primeiro médico, ao olhar-me, disse que eu morreria; o segundo, que me restava um último suspiro; e o terceiro, que eu já estava praticamente morto." (F. Chopin, Mallorca, 1838.)


Em 1826, quando o músico estava com 16 anos de idade, adoeceu gravemente, e passou seis meses queixando-se de sintomas respiratórios e dores “insuportáveis” de cabeça.

Aos 20 anos, mudou-se para França em busca de aperfeiçoar sua arte, mas nesse período a doença de Chopin piorou, obrigando-o a mudar-se para a ilha mediterrânea de Mallorca, buscando um clima mais agradável.

Mesmo no novo ambiente, a sua tosse carregada, febre recorrente, hemoptise, perda de peso continuaram progredindo, além de aparecer uma infecção nasal acompanhada de bloqueio da passagem de ar.
Em Mallorca, médicos locais concluíram que ele sofria de tuberculose pulmonar.

Chopin retirou-se para Paris, onde seus médicos, utilizando o recém inventado estetoscópio, discordaram de tal diagnóstico.

No outono de 1849, sua saúde deteriorou-se ainda mais, sua respiração tornou-se intensamente penosa, acompanhada por fortes crises de tosse.

Chopin morreu em 17 de outubro desse mesmo ano, aos 39 anos de idade. Seu corpo foi enterrado no cemitério Pere Lachaise.
Satisfazendo a vontade do músico, o "Requiem" de Mozart foi executado durante o funeral

O nome de Chopin evoca a imagem de um artista sentimental, um dos gigantes do período musical romântico.
Sua música tornou-se um símbolo de sua tragédia pessoal e, por vezes, um protesto contra as restrições que a doença crônica lhe infligia.

CLAUDE MONET - (novo marcador)

'Navegar' em dias chuvosos? 'Cair na rede' e não ficar emaranhado? Só aqui, nesta invenção terrível e magnífica. Vamos lá.

Pesquisando algumas biografias que achei interessantes,  pensei adicionar um marcador que indicasse as dificuldades causadas por problemas médicos que alguns dos maiores artistas - em suas variadas formas de expressão - precisaram enfrentar.

Estou em dúvida quanto ao título do marcador... Já havia me decidido por um, mas depois concluí que poderia parecer meio pretensioso - o coitado do Ouriço já tem esse problema  (hehehehe).
Talvez "Arte (Im) possível"?  Se não ficar bom, pode ser mudado. Também aceito sugestões.

Não cabe, evidentemente, aqui, qualquer observação ou especulação em termos de Medicina. Este blog - volto a dizer - é para nos proporcionar uma pausa na vida agitada que todos temos. É para descontrair.  Os interessados na matéria ou estudiosos de medicina provavelmente se interessem em pesquisar  sua área específica.

Quanto a mim, apenas amo a Arte e me impressiona (sem trocadilhos, ai, ai) a luta e - claro - a vitória desses artistas contra suas deficiências. A superação desses problemas evidencia a necessidade do ser humano, privilegiado com algum dom, de não desistir nem se deixar abater em detrimento de sua expressão artística.  

Iniciando...

A CEGUEIRA DE CLAUDE MONET


Oscar-Claude Monet
(Paris, 14 de novembro de 1840 — Giverny, 5 de dezembro de 1926)
Em 1873, o impressionante artista Oscar-Claude Monet , com a impressionável pintura Impressão, Nascer do Sol, criou o termo impressionismo para um movimento artístico inteiramente novo . 

Impressão: Nascer do Sol (1872). Claude Monet. Óleo sobre tela, 48x63cm. Marmottan Monet (Paris).
A técnica de Monet, - considerada mais tarde como umas das belas do mundo - mostrava-se bastante peculiar. Caracterizada pela representação da luz e movimento utilizando pinceladas soltas, as imagens formadas nas telas aparentam ser de perto apenas borrões, mas, ao distanciar a visão, o examinador passa a enxergar as formas nitidamente.
(...)
Monet teve uma catarata, moléstia ocular que torna opaco o cristalino.
A doença o atacou por causa das muitas horas com seus olhos expostos ao sol, pois gostava de pintar ao ar livre em diferentes horários do dia e em várias épocas do ano, o que foi outra característica do Impressionismo.
Mesmo quase cego, Monet não parou de pintar - usou nessa época de sua vida cores mais fortes como o vermelho-carne e vermelho goiaba, cor tijolo, entre outros verdes, rosas,vermelhos e cores mais fortes.
(...)
Durante o período em que sofreu com esse mal, ele produziu alguns de seus trabalhos mais marcantes e característicos. Sua visão tornou-se progressivamente mais acastanhada em sua essência; o artista enxergava através de uma opacidade densa amarelo-marrom.


Water Lilies (1916). Claude Monet.

Enquanto enfrentava um grave declínio da função ocular, o gênio escalou alturas da visão artística. A quase total cegueira de Monet, aliada aos seus esforços incansáveis para vencer a deficiência, provocou ao fim um efeito positivo sobre o seu trabalho.

Não percebo mais as cores com a mesma intensidade nem pinto a luz com a mesma precisão. O vermelho aparece lamacento para mim; já o rosa, insípido; e os tons intermediários ou menores me escapam por completo. O que eu pinto está cada vez mais escuro, mais e mais como uma fotografia antiga.
(...)
Quando um cantor perde a voz, ele se aposenta. Também o pintor que não enxerga deve abandonar a pintura, mas isso eu sou incapaz de fazer.
(...)

Frustrado com a perda da visão, em 1922 ele escreveu a Marc Elder: Para criar uma aura impressionista, confio apenas nos rótulos dos tubos de tinta e na força do hábito dos meus 50 anos de trabalho.

Mais tarde, em uma entrevista, ele disse: No fim, terei que admitir que estou arruinando minha arte, parece que já não sou capaz de produzir algo belo. Já destruí várias das minhas telas. Hoje estou praticamente cego e deveria renunciar a pintura completamente.
(...)
Sinto que se eu der um passo, vou cair no chão. Perto ou longe, tudo é deformado e dúbio. Enxergar dessa maneira é intolerável. Persistir parece perigoso para mim. Se eu estava condenado a ver a natureza como a vejo agora, preferiria continuar cego e manter as memórias das belezas que sempre enxerguei. (Claude Monet)
*            *            *

quarta-feira, 16 de novembro de 2011

INÍCIOS DOS LIVROS - (Opiniões)

Os 10 melhores começos de livros
CARLOS WILLIAN LEITE EM 08/11/2011 ÀS 11:21 PM (Revista Bula)

Perguntei a 35 convidados, de díspares perfis, quais eram os melhores inícios de livros que haviam lido.
Cada participante poderia indicar até três começos inesquecíveis, de autores brasileiros ou estrangeiros de todas as épocas.
(...) 
Abaixo, em ordem aleatória, a lista com os dez livros que obtiveram o maior número de citações.

Notas do Subsolo
(Dostoiévski)


“Sou um homem doente... Sou mau. Não tenho atrativos. Acho que sofro do fígado. Aliás, não entendo bulhufas da minha doença e não sei com certeza o que é que me dói. Não me trato, nunca me tratei, embora respeite os médicos e a medicina. Além de tudo, sou supersticioso ao extremo; bem, o bastante para res­peitar a medicina. (Tenho instrução su­fi­ciente para não ser supersticioso, mas sou.) Não, senhores, se não que­ro me tratar é de raiva. Isso os se­nho­res provavelmente não compre­en­dem.”


O Complexo de Portnoy
(Philip Roth)


“Ela estava tão profundamente entranhada em minha consciência que, no primeiro ano na escola, eu tinha a impressão de que todas as professoras eram minha mãe disfarçada. Assim que tocava o sinal ao fim das aulas, eu voltava correndo para casa, na esperança de chegar ao apartamento em que morávamos antes que ela tivesse tempo de se transformar. Invariavelmente ela já estava na cozinha quando eu chegava, preparando leite com biscoitos para mim. No entanto, em vez de me livrar dessas ilusões, essa proeza só fazia crescer minha admiração pelos poderes dela.”


O Apanhador no Campo de Centeio
(J.D. Salinger)


“Se querem mesmo ouvir o que aconteceu, a primeira coisa que vão querer saber é onde nasci, como passei a porcaria da minha infância, o que os meus pais faziam antes que eu nascesse, e toda essa lenga-lenga tipo David Copperfield, mas, para dizer a verdade, não estou com vontade de falar sobre isso. Em primeiro lugar, esse negócio me chateia e, além disso, meus pais teriam um troço se contasse qualquer coisa íntima sobre eles. São um bocado sensíveis a esse tipo de coisa, principalmente meu pai. Não é que eles sejam ruins — não é isso que estou dizendo — mas são sensíveis pra burro.”


Grande Sertão: Veredas
(Guimarães Rosa)


‎“NONADA. TIROS QUE O SE­NHOR ouviu foram de briga de ho­mem não, Deus esteja. Alvejei mira em árvores no quintal, no baixo do cór­rego. Por meu acerto. Todo dia isso faço, gosto; desde mal em minha mo­cidade. Daí, vieram me chamar. Causa dum bezerro: um bezerro branco, er­roso, os olhos de nem ser — se viu —; e com máscara de cachorro. Me disseram; eu não quis avistar. Mesmo que, por defeito como nasceu, arrebi­tado de beiços, esse figurava rindo feito pessoa. Cara de gente, cara de cão: deter­mi­naram – era o demo.”


A Metamorfose
(Franz Kafka)


“Quando certa manhã Gregor Samsa acordou de sonhos intran­quilos, viu que se transformara num inseto monstruoso. Estava dei­tado sobre suas costas duras como couraça e, ao levantar um pouco a cabeça, viu seu ventre abaulado, mar­rom, dividido por nervuras arqueadas, no topo de qual a coberta, prestes a deslizar de vez, ainda mal se sustinha. Suas numerosas pernas, lastimavel­mente finas em comparação com o volume do resto do corpo, tremu­lavam desamparadas diante dos seus olhos.”


Anna Karênina
(Liev Tolstói)

“Todas as famílias felizes se parecem, cada família infeliz é infeliz à sua maneira. Tudo era confusão na casa dos Oblónski. A esposa ficara sabendo que o marido mantinha um caso com a ex-governanta francesa e lhe comunicara que não podia viver com ele sob o mesmo teto. Essa si­tuação já durava três dias e era um tormento para os cônjuges, para todos os familiares e para os criados. Todos, familiares e criados, achavam que não fazia sentido morarem os dois juntos e que pessoas reunidas por acaso em qualquer hospedaria estariam mais ligadas entre si do que eles”.


O Ventre
(Carlos Heitor Cony)


“Positivamente, meu irmão foi acima de tudo um torturado. Sua tor­tura seria interessante se eu a explo­rasse com critério — mas jamais me preocupei com problemas do espírito. Belo para mim é um bife com batatas fritas ou um par de coxas macias. Não sou lido tampouco. A única atração que tive por livro limitou-se à ilustra­ção de um tratado de educação sexual que o vigário do Lins fez o pai comprar para nosso espiritual proveito. Só creio naquilo que possa ser atingido pelo meu cuspe. O resto é cristianismo e pobreza de espírito.”


Moby Dick
(Herman Melville)


“Chamem-me simplesmente Ismael. Aqui há uns anos não me peçam para ser mais preciso —, tendo-me dado conta de que o meu porta-moedas estava quase vazio, decidi voltar a navegar, ou seja, aventurar-me de novo pelas vastas planícies líquidas do Mundo. Achei que nada haveria de melhor para desopilar, quer dizer, para vencer a tristeza e regularizar a circulação sanguínea. Algumas pessoas, quando atacadas de melancolia, suicidam-se de qualquer maneira. Catão, por exemplo, lançou-se sobre a própria espada. Eu instalo-me tranquilamente num barco.”


O Amanuense Belmiro
(Cyro dos Anjos)

“Ali pelo oitavo chope, chegamos à conclusão de que todos os problemas eram insolúveis. Florêncio propôs, então, um nono, argumentando que outro copo talvez trouxesse a solução geral. Éramos quatro ou cinco, em torno de pequena mesa de ferro, no bar do Parque. Alegre véspera de Natal! As mulatas iam e vinham, com requebros, sorrindo dengosamente para os soldados do Regimento de Cavalaria. No caramanchão, outras dançavam maxixe com pretos reforçados, enquanto um cabra gordo, de melenas, fazia a vitrola funcionar.”


Cem Anos de Solidão
(Gabriel García Márquez)


“Muitos anos depois, diante do pelotão de fuzilamento, o Coronel Aureliano Buendía havia de recordar aquela tarde remota em que seu pai o levou para conhecer o gelo. Ma­condo era então uma aldeia de vinte casas de barro e taquara, cons­truídas à margem de um rio de águas diá­fanas que se precipitavam por um lei­to de pedras polidas, brancas e enor­mes como ovos pré-históricos. O mundo era tão recente que muitas coisas careciam de nome e para men­cioná-las se precisava apontar com o dedo.

*            *            *
Escolhas muito justas, mas eu acrescentaria alguns, ainda que repetindo os autores, como por exemplo:

O Amor nos Tempos do Cólera
(Gabriel García Márquez)

"Era inevitável: o cheiro das amêndoas amargas lhe lembrava sempre o destino dos amores contrariados. O doutor Juvenal Urbino o sentiu logo que entrou na casa ainda mergulhada em sombras, à qual chegara acudindo a chamado de urgência para se ocupar de um caso que para ele tinha deixado de ser urgente há muitos anos."


Quincas Borba
(Machado de Assis)

"Rubião fitava a enseada, - eram oito horas da manhã. Quem o visse, com os polegares metidos no cordão do chambre, à janela de uma grande casa de Botafogo , cuidaria que ele admirava aquele pedaço de água quieta; mas, em verdade, vos digo que pensava em outra coisa.  Cotejava o passado com o presente. Que era, há um ano? Professor.  Que é agora? Capitalista.  Olha para si, para as chinelas (umas chinelas de Túnis, que lhe deu recente amigo, Cristiano Palha), para a casa, para o jardim, para a enseada, para os morros e para o céu;  e tudo, desde as chinelas até o céu, tudo entra na mesma sensação de prosperidade."


Lolita

(Wladimir Nabokov)

"Lolita, luz de minha vida, labareda em minha carne. Minha alma, minha lama. Lo-li-ta: a ponta da língua descendo em três saltos pelo céu da boca para tropeçar de leve, no terceiro, contra os dentes. Lo. Li. Ta.
Pela manhã ela era Lô, não mais que Lô, com seu metro e quarenta e sete de altura e calçando uma única meia soquete. Era Lola ao vestir os jeans desbotados. Era Dolly na escola. Era Dolores sobre a linha pontilhada. Mas em meus braços sempre foi Lolita."

Huuuummm... acho que para mim são muitos, muitos mais.... De memória, só mais alguns títulos e autores: Solo de clarineta (Érico Veríssimo) - Memórias Póstumas de Brás Cubas (Machado de Assis) - Memórias de um Sargento de Milícias (Manuel Antonio de Almeida) -
*           *           *


OPERA EN EL MERCADO - (Valencia - Espanha)

Un día cualquiera de mercado, la música empieza a sonar entre los puestos de frutas y verduras. Fragmentos de "La Traviata",  de Verdi, interpretados en pleno Mercado Central de Valencia, entre los puestos de frutas y verduras.
Los rostros de los compradores, asombrados ante la magia del arte, hacen que recuperemos la confianza en el buen gusto.
El gusto por la buena fruta, la verdura, el champán, la música y la vida.



Houve outros acontecimentos semelhantes pelo mundo (inclusive em S.Paulo e Belo Horizonte), mas destaquei esse da Espanha porque os artistas estão 'misturados' aos fregueses  e funcionários do mercado, o que deixa a apresentação mais interessante.
E a plaquinha no final é ótima!
"Viu, como você gosta de ópera?"

terça-feira, 15 de novembro de 2011

GRACILIANO RAMOS - (recortes)


Recortes
Graciliano Ramos
Quebrangulo (AL), 27 de outubro de 1892 — Rio de Janeiro, 20 de março de 1953

"Meu pai, Sebastião Ramos, negociante miúdo, casado com a filha dum criador de gado, ouviu os conselhos de minha avó, comprou uma fazenda em Buíque, Pernambuco, e levou para lá os filhos, a mulher e os cacarecos. Ali a seca matou o gado — e seu Sebastião abriu uma loja na vila, talvez em 95 ou 96. Da fazenda conservo a lembrança de Amaro Vaqueiro e de José Baía. Na vila conheci André Laerte, cabo José da Luz, Rosenda lavadeira, padre José Ignácio, Filipe Benício, Teotoninho Sabiá e família, seu Batista, dona Marocas, minha professora, mulher de seu Antônio Justino, personagens que utilizei anos depois".

**

"Só conseguimos deitar no papel os nossos sentimentos, a nossa vida. Arte é sangue, é carne.
Além disso não há nada. As nossas personagens são pedaços de nós mesmos, só podemos expor o que somos"

(Carta à irmã Marilia Ramos, aprendiz de ficcionista, em 23.11.1949).

**
Cuida da casa comercial do pai em Palmeira dos Índios, "terra que, se não é boa, sempre é menos ruim do que eu julgava. Aqui não há cafés, há maus bilhares, pouca cerveja, nenhum divertimento"
(Carta à mãe, Maria Augusta Ferro Ramos, 1910).

**
Na formação do menino Graciliano entram muitos instrumentos de suplício: o áspero meio sertanejo no final do século passado e início do século 20; o pai comerciante e fazendeiro, tipo rude da média burguesia urbana e rural, com um perfil de patriarca que cobra obediência pronta; a mãe de poucas letras e minguado afeto. Repressão política do coronelismo tipo cabresto, enxada e voto. Repressão sexual. Repressão, sobretudo, à inteligência. A sensibilidade do menino ferida a todo instante, no relacionamento penoso com os pais, na escola, nas ruas, sofrendo o impacto da miséria ambiental. O menino cresce solitário e desconfiado, agarra-se a "migalhas de sons, farrapos de imagens"— dolorosos, todos eles. E apesar da violência do meio, plasma por dentro a sensibilidade, procura um espaço, uma expressão, enquanto por fora tece a couraça protetora. Esse Graciliano Ramos, ou Velho Graça, ou Major Graça, ou Mestre Graça, como o chamavam afetuosamente, é um fingidor. Por sentimentalismo ou vergonha, finge-se mais áspero do que é, mais espinhoso que um mandacaru. Sertanejo magro, de ombros curvos, um cigarro ardendo entre os dedos ou na boca, de roupas simples mas asseadas, mãos limpas (em todos os sentidos). Cria fama de grosseiro por causa de diálogos como estes:
— Bom dia, mestre Graça.
— Você acha, meu filho?

Ou então:
— Mestre Graça, se a situação continuar desse jeito, vamos comer merda — diz-lhe o romancista José Lins do Rego, nos tempos da ditadura de Getúlio Vargas.
— Se sobrar p’ra nós, Zé Lins. Se sobrar...
*        *        *

CECÍLIA MEIRELES - trechos autobiográficos / Canção mínima


de Cecília Meireles

"Nasci aqui mesmo no Rio de Janeiro, três meses depois da morte de meu pai, e perdi minha mãe antes dos três anos. Essas e outras mortes ocorridas na família acarretaram muitos contratempos materiais, mas, ao mesmo tempo, me deram, desde pequenina, uma tal intimidade com a Morte que docemente aprendi essas relações entre o Efêmero e o Eterno."

"(...) Em toda a vida, nunca me esforcei por ganhar nem me espantei por perder. A noção ou o sentimento da transitoriedade de tudo é o fundamento mesmo da minha personalidade".

"(...) Minha infância de menina sozinha deu-me duas coisas que parecem negativas, e foram sempre positivas para mim: silêncio e solidão. Essa foi sempre a área de minha vida. Área mágica, onde os caleidoscópios inventaram fabulosos mundos geométricos, onde os relógios revelaram o segredo do seu mecanismo, e as bonecas o jogo do seu olhar. Mais tarde foi nessa área que os livros se abriram, e deixaram sair suas realidades e seus sonhos, em combinação tão harmoniosa que até hoje não compreendo como se possa estabelecer uma separação entre esses dois tempos de vida, unidos como os fios de um pano".
**


Canção Mínima

No mistério do sem-fim
equilibra-se um planeta.
E, no planeta, um jardim,
e, no jardim, um canteiro;
no canteiro uma violeta,
e, sobre ela, o dia inteiro,
entre o planeta e o sem-fim,
a asa de uma borboleta.

*        *        *


segunda-feira, 14 de novembro de 2011

ZÉ RAMALHO - Tá Tudo Mudando (Things Have Changed - Bob Dylan)

VIRGÍLO COVARIM e MIGUEL TORGA - (aranha)

A propósito de uma aranha
Virgílio Covarim

Fiquei observando a aranha que construía sua teia, com os fios que saem dela como um fruto que brota e se alonga de sua casca. A aranha quer viver, e trabalha nessa armadilha caprichosa e artística que surpreenderá os insetos e os enredará para morrer. Tua morte, minha vida - diz uma frase antiga, resumindo a lei primeira da natureza. A frase pode soar amarga em nossos ouvidos delicados, enquanto comemos nosso franguinho. Sua morte, vida nossa.

Os vegetarianos não fiquem aliviados, achando que, além de terem hábitos mais saudáveis, não dependem da morte alheia para viver. É verdade que a alface, a cenoura, a batata, o arroz, o espinafre, a banana, a laranja não costumam gritar quando arrancados da terra, decepados do caule, cortados e processados na cozinha. Mas por que não imaginar que estavam muito bem em suas raízes, e se deleitavam com o calor do sol, com a água refrescante da chuva, com os sopros do vento? Sua morte, vida nossa.

Mas voltemos à aranha. Ela não aprendeu arquitetura ou geometria, nada sabe sobre paralelas e losangos; vive da ciência aplicada e laboriosa dos fios quase invisíveis que não perdoam o incauto. Uma vez preso na teia, o inseto que há pouco voava debate-se inutilmente, enquanto a aranha caminha com leveza em sua direção, percorrendo resoluta o labirinto de malhas familiares. Se alguém salvar esse inseto, num gesto de misericórdia, e se dispuser a salvar todos os outros que caírem na armadilha, a aranha morrerá de fome. Em outras palavras: a boa alma tomará partido entre duas mortes.

A cada pequena cena, a natureza nos fala de sua primeira lei: a lei da necessidade. O engenho da aranha, a eficácia da teia, o vôo do inseto desprevenido compõem uma trama de vida e morte, da qual igualmente participamos todos nós, os bichos pensantes.
Que necessidade tem alguém de ser cronista? - podem vocês me perguntar. O que leva alguém a escrever sobre teias e aranhas?
Minha resposta é crua como a natureza: os cronistas também comem. E como não sabem fazer teias, tecem palavras, e acabam atendendo a necessidade de quem gosta de ler.
A pequena aranha, com sua pequena teia, leva a gente a pensar na vida, no trabalho, na morte.
A natureza está a todo momento explicando suas verdades para nós.
Se eu soubesse a origem e o fim dessas verdades todas, acredite, leitor, esta crônica teria um melhor arremate.

*       *       *

 Teia de Aranha
Miguel Torga
Diário IX,1964

Teci durante a noite a teia astuciosa
dum poema
Armei o laço ao sol que há-de nascer.

Rede frágil de versos
É nela que meu sono se futura
eterno e natural
Embalado na própria sepultura
vens ou não vens agora, astro real,
Doirar os fios desta baba impura?

*        *        *

MÁRIO QUINTANA - (fim do mundo...)

A gente ainda não sabia
Mário Quintana

A gente ainda não sabia que a Terra era redonda.
E pensava-se que nalgum lugar, muito longe,
Deveria haver num velho poste uma tabuleta qualquer
- uma tabuleta meio torta
E onde se lia em letras rústicas: FIM DO MUNDO.
Ah! depois nos ensinaram que o mundo não tem fim
E não havia remédio senão irmos andando às tontas
Como formigas na casca de uma laranja.
Como era possível, como era possível, meu Deus,
Viver naquela confusão?
Foi por isso que estabelecemos uma porção de fins de mundo…

*        *        *

domingo, 13 de novembro de 2011

OCTAVIO PAZ - Silêncio


Silêncio
Octavio Paz, México 1914-1998

Assim como do fundo da música
brota uma nota
que enquanto vibra cresce e se adelgaça
até que noutra música emudece,
brota do fundo do silêncio
outro silêncio, aguda torre, espada,
e sobe e cresce e nos suspende
e enquanto sobe caem
recordações, esperanças,
as pequenas mentiras e as grandes,
e queremos gritar e na garganta
o grito se desvanece:
desembocamos no silêncio
onde os silêncios emudecem.

*        *        *
In "Liberdade sob Palavra"
Tradução de Luis Pignatelli

PABLO NERUDA - Amigo

Amigo
Pablo Neruda, Chile 1904-1973

Amigo, toma para ti o que quiseres,
passeia o teu olhar pelos meus recantos,
e se assim o desejas, dou-te a alma inteira,
com suas brancas avenidas e canções.

Amigo - faz com que na tarde se desvaneça
este inútil e velho desejo de vencer.
Bebe do meu cântaro se tens sede.

Amigo - faz com que na tarde se desvaneça
este desejo de que todas as roseiras
me pertençam.

Amigo,
se tens fome come do meu pão.

Tudo, amigo, o fiz para ti. Tudo isto
que sem olhares verás na minha casa vazia:
tudo isto que sobe pelo muros direitos
- como o meu coração - sempre buscando altura.

Sorris-te - amigo. Que importa! Ninguém sabe
entregar nas mãos o que se esconde dentro,
mas eu dou-te a alma, ânfora de suaves néctares,
e toda eu ta dou... Menos aquela lembrança...

... Que na minha herdade vazia aquele amor perdido
é uma rosa branca que se abre em silêncio...
*        *        *
In "Crepusculário"
Tradução de Rui Lage

sábado, 12 de novembro de 2011

ENGENHEIROS DO HAWAII - Negro Amor

“O vagabundo esmola pela rua, vestindo a mesma roupa que foi sua"



"Negro Amor"
Bob Dylan ("It's all over now, Baby Blue") em tradução de Caetano Veloso e Péricles Cavalcanti

Vá, se mande, junte tudo que você puder levar
Ande, tudo que parece seu é bom que agarre já
Seu filho feio e louco ficou só
Chorando feito fogo à luz do sol
Os alquimistas já estão no corredor
E não tem mais nada negro amor

A estrada é pra você e o jogo é a indecência
Junte tudo que você conseguiu por coincidência
E o pintor de rua que anda só
Desenha maluquice em seu lençol
Sob seus pés o céu também rachou
E não tem mais nada negro amor

Seus marinheiros mareados abandonam o mar
Seus guerreiros desarmados não vão mais lutar
Seu namorado já vai dando o fora
Levando os cobertores, e agora?
Até o tapete sem você voou
E não tem mais nada negro amor

As pedras do caminho deixe para trás
Esqueça os mortos que eles não levantam mais
O vagabundo esmola pela rua
Vestindo a mesma roupa que foi sua
Risque outro fósforo, outra vida, outra luz, outra cor
E não tem mais nada negro amor
E não tem mais nada negro amor
*       *       *

quinta-feira, 10 de novembro de 2011

PARA PENSAR...

Tela de Salvador Dali
A arte como meio de conhecimento (excertos)
Cunha de Leiradella
Portugal, 1934 (radicado no Brasil)

(...) Andamos mais rápido, comemos mais rápido, dormimos mais rápido e calculamos tudo com maior velocidade. Conseguimos até bilionezimar o tempo de cada dia. Mas, na euforia velocista, tudo destruímos na razão direta da velocidade dos nossos cálculos.

(...)  Fissuramos o átomo e geramos seres humanos em provetas, e os clones já estão sendo produzidos. Mas, ao socrático primeiro, conhece-te a ti mesmo, nada acrescentamos.

(...) No estágio em que se encontra a Humanidade, os ônibus espaciais, cada vez, mais avançando pelo Cosmo, e o ser humano, cada vez, mais se ilhando dentro de si mesmo, um só fator nos iguala: a nossa angústia. Não importa que os ricos fiquem, cada vez, mais ricos e os pobres fiquem, cada vez, mais pobres. As vidas de todos nós dependem só de um botão. Que alguém, algum dia, apertará. E em nome da paz.

(...) Apesar das nossas descobertas, apesar de tudo que fazemos, e, principalmente, apesar de tudo que afirmamos, continuamos como éramos. Os que sobrarem da próxima explosão nuclear morrerão do mesmo modo que morria o nosso bisavô das cavernas. Só que muito mais angustiados e mais sós. Apavorados por terem carregado dentro de si, a vida inteira, o seu medo, a sua angústia e a sua solidão. Na era do bilionésimo de segundo o meu próximo não existe. Não há tempo de encontrá-lo.

(...) É impossível unificar o mundo se o homem não for unificado. Mas, para unificar o homem, há que fazer dele um ser-sem-medo. E a única forma de fazer do homem um ser-sem-medo é dar-lhe consciência. A consciência do homem é o seu conhecimento. O que ele conhece ele não teme.
Os meios de comunicação tornaram o mundo tão pequeno que os homens estão na porta de todas as casas e conhecem todos os moradores. Daí, o medo da exposição, a necessidade fóbica do ilhamento. Mas se o homem, cada vez, mais medo tem de se expor e mais se ilha, como fazer dele um ser-sem-medo?

(...) Com os engenhos nucleares já em contagem regressiva e os clones humanóides já em fase de produção, não importa mais que o ato de fazer ARTE seja um ato individual ou um ato social. Ele terá que ser um ato de conhecimento ou será um ato inócuo. Ou o homem dá as suas próprias respostas, ou chegará o dia em que não saberá nem mais fazer perguntas.
Mas, para que isso aconteça, para que a ARTE seja um meio de conhecimento, o homem tem que assumir a sua individualidade. A sua integridade. Posicionar-se concretamente perante a realidade que o cerca e questionar o seu estado. Entretanto, para que o homem possa posicionar-se concretamente perante a realidade que o cerca e questionar o seu estado, tem, antes de tudo, de posicionar-se concretamente perante si mesmo e questionar o seu estar-no-mundo. Assumir a sua essência.
*            *            *

Pois é, eu estava lendo esse ensaio e fiquei pensando no poema de Drummond - 'Mãos dadas' - e me lembrando dos versos 'o tempo é a minha matéria / o tempo presente / os homens presentes / a vida presente.' 
Nesta perspectiva, Arte não é devaneio, alienação ou entretenimento apenas. Precisa provocar a busca do conhecimento. E os grandes artistas sabem disso.

segunda-feira, 7 de novembro de 2011

CECÍLIA MEIRELES - Lei

Lei
Cecília Meireles

O que é preciso é entender a solidão!
O que é preciso é aceitar, mesmo, a onda amarga
que leva os mortos.

O que é preciso é esperar pela estrela
que ainda não está completa.

O que é preciso é que os olhos sejam cristal sem névoa,
e os lábios de ouro puro.

O que é preciso é que a alma vá e venha;
e ouça a notícia do tempo,
e. entre os assombros da vida e da morte,
estenda suas diáfanas asas,
isenta por igual
de desejo e de desespero.

*        *        *
In 'Poemas (1954)'

MAIS HISTORINHA DA 'VÓ'

Hoje, mais uma historinha da juventude da 'vó'. 
Por causa do Google, que nos faz lembrar de Marie Curie, ou Madame Curie, como era chamada na época (época chic, não?).

Muita gente fica surpresa ao saber que gosto tanto de Física, uma vez que me formei na área de Ciências Humanas. Não que uma tendência anule a outra, mas as coisas são assim mesmo. Explico.
Certa vez, quando muito jovem, ganhei de presente uma coleção de livros cujo título era "As mulheres célebres da História" .  Sempre me interessei por leitura, pela história das pessoas, ou seja, literatura era mesmo a minha "praia".  

Pois bem, a tal coleção continha uns doze ou quinze volumes, não me lembro bem, cada um com a biografia romanceada de uma mulher que tivesse uma história de vida interessante ou que tivesse deixado a marca de sua passagem pelo mundo.  
Entre elas, Berthe Morisot (artista plástica, aluna e cunhada de E. Manet, neta do também pintor Fragonard), a princesa Carlota Joaquina (esposa de D.João VI, mãe de Dom Pedro I, Princesa Izabel e mais sete filhos, uma figura engraçadíssima), Madame de Pompadour (conselheira e amante do rei Luiz XV), George Sand ou Amandina Lúcia Aurora Dupin (escritora e amante do compositor F. Chopin), Joanna d'Arc (heroína francesa e santa), Cleópatra (rainha do Egito) e, claro, Marie Curie (estudante de Física, cujo namorado e depois marido tornara-se um cientista famoso) além de outras mulheres também interessantes.


Ao ler a história de vida de Marie Curie, fiquei encantada pela dedicação e persistência de uma mulher  diferente das de seu tempo, e que, por isso mesmo, teve a vida tão dificultada pelos padrões da época. 
Estudante aplicadíssima, mais tarde assistente do marido, foi a primeira mulher a conquistar o Prêmio Nobel (junto com o marido) pelos estudos sobre radioatividade. 
Desenvolvendo, paralelamente, o próprio trabalho, também foi a primeira cientista a receber o segundo prêmio Nobel, desta vez na área de Química, pela descoberta dos elementos rádio e polônio. 
Foi ainda a primeira mulher a ocupar o cargo de Professora de Física Geral na Faculdade de Ciências da Universidade de Sorbonne (França).

Sei que hoje tudo isso é muito comum, mas para mim, num tempo ainda em que nós, mulheres, nascíamos com a tarefa de nos preparar para ser boa esposa e mãe, a leitura da história dessas mulheres me fascinou , tornando-se um dos motivos por que gosto de ler biografias.

É isso: a história de vida de Madame Curie me incentivou a ser uma boa aluna de Física, ciência que me atrai muito. 
A Física veio por meio da Literatura. Não é bem legal?

O Google, com seus "doodle" ( é assim que se escreve?), sempre reativa a minha memória e me faz querer contar coisas que ficaram esquecidas. 

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domingo, 6 de novembro de 2011

MÔNICA SALMASO - VALSINHA (Chico Buarque)

PADRE ANTONIO VIEIRA - Falando de amor

Trechos Sermão do Mandato (1643)
Padre Antonio Vieira
Portugal,1608-Brasil, 1697

O Tempo
Tudo cura o tempo, tudo faz esquecer, tudo gasta, tudo digere, tudo acaba. Atreve-se o tempo a colunas de mármore, quanto mais a corações de cera! São as afeições como as vidas, que não há mais certo sinal de haverem de durar pouco, que terem durado muito. São como as linhas que partem do centro para a circunferência, que, quanto mais continuadas, tanto menos unidas. Por isso os antigos sábiamente pintaram o amor menino, porque não há amor tão robusto, que chegue a ser velho. De todos os instrumentos com que o armou a natureza o desarma o tempo. Afrouxa-lhe o arco, com que já não tira, embota-lhe as setas, com que já não fere, abre-lhe os olhos, com que vê o que não via, e faz-lhe crescer as asas, com que voa e foge. A razão natural de toda esta diferença, é porque o tempo tira a novidade às coisas, descobre-lhes os defeitos, enfastia-lhes o gosto, e basta que sejam usadas para não serem as mesmas. Gasta-se o ferro com o uso, quanto mais o amor? O mesmo amar é causa de não amar, e o ter amado muito, de amar menos.

Ausência
Muitas enfermidades se curam só com a mudança do ar; o amor com a da terra. E o amor como a lua que, em havendo terra em meio, dai-o por eclipsado. E que terra há que não seja a terra do esquecimento, se vos passastes a outra terra? Se os mortos são tão esquecidos, havendo tão pouca terra entre eles e os vivos, que podem esperar, e que se pode esperar dos ausentes? Se quatro palmos de terra causam tais efeitos, tantas léguas que farão? Em os longes, passando de tiro de seta, não chegam lá as forças do amor. Os filósofos definiram a morte pela ausência: Mors est absentia animae a corpore. Despediram-se com grandes demonstrações de afeto os que muito se amavam, apartaram-se enfim, e, se tomardes logo o pulso ao mais enternecido, achareis que palpitam no coração as saudades, que rebentam nos olhos as lágrimas, e que saem da boca alguns suspiros, que são as últimas respirações do amor. Mas, se tomardes depois destes ofícios de corpo presente, que achareis? Os olhos enxutos, a boca muda, o coração sossegado: tudo esquecimento, tudo frieza. Fez a ausência seu ofício, como a morte: apartou, e depois de apartar, esfriou.

Ingratidão
Assim como os remédios mais eficazes são ordinariamente os mais violentos, assim a ingratidão é o remédio mais sensitivo do amor, e juntamente o mais efetivo. A virtude que lhe dá tamanha eficácia, se eu bem o considero, é ter este remédio da sua parte a razão. Diminuir o amor o tempo, esfriar o amor a ausência, é sem-razão de que todos se queixam; mas que a ingratidão mude o amor e o converta em aborrecimento, a mesma razão o aprova, o persuade, e parece que o manda. Que sentença mais justa que privar do amor a um ingrato? O tempo é natureza, a ausência pode ser força, a ingratidão sempre é delito. Se ponderarmos os efeitos de cada um destes contrários, acharemos que a ingratidão é o mais forte. O tempo tira ao amor a novidade, a ausência tira-lhe a comunicação, a ingratidão tira-lhe o motivo. De sorte que o amigo, por ser antigo, ou por estar ausente, não perde o merecimento de ser amado; se o deixamos de amar não é culpa sua, é injustiça nossa; porém, se foi ingrato, não só ficou indigno do mais tíbio amor, mas merecedor de todo o ódio. Finalmente o tempo e a ausência combatem o amor pela memória, a ingratidão pelo entendimento e pela vontade. E ferido o amor no cérebro, e ferido no coração, como pode viver? O exemplo que temos para justificar esta razão ainda é maior que os passados.

O melhorar de objeto
Dizem que um amor com outro se paga, e mais certo é que um amor com outro se apaga. Assim como dois contrários em grau intenso não podem estar juntos em um sujeito, assim no mesmo coração não podem caber dois amores, porque o amor que não é intenso não é amor. Ora, grande coisa deve de ser o amor, pois, sendo assim, que não bastam a encher um coração mil mundos, não cabem em um coração dois amores. Daqui vem que, se acaso se encontram e pleiteiam sobre o lugar, sempre fica a vitória pelo melhor objeto. É o amor entre os afetos como a luz entre as qualidades. Comumente se diz que o maior contrário da luz são as trevas, e não é assim. O maior contrário de uma luz é outra luz maior. As estrelas no meio das trevas luzem e resplandecem mais, mas em aparecendo o sol, que é luz maior, desaparecem as estrelas. Em aparecendo o maior e melhor objeto, logo se desamou o menor.

Amor Sem Remédio
E quando se rendem ao mesmo amor todos os contrários, será justo que lhe resistam os seus, e se na hora em que morre de amor sem remédio o mesmo amante, será bem que lhe faltem os corações daqueles por quem morre? Amemos a quem tanto nos amou, e não haja contrário tão poderoso que nos vença, para que não perseveremos em seu amor.

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