sábado, 30 de novembro de 2013

PAULO MENDES CAMPOS - O amor acaba

O amor acaba
Paulo Mendes Campos
Belo Horizonte, 28 de fevereiro de 1922 — Rio de Janeiro, 1 de julho de 1991 


O amor acaba. 
Numa esquina, por exemplo, num domingo de lua nova, depois de teatro e silêncio; 
acaba em cafés engordurados, diferentes dos parques de ouro onde começou a pulsar; 
de repente, ao meio do cigarro que ele atira de raiva contra um automóvel ou que ela esmaga no cinzeiro repleto, polvilhando de cinzas o escarlate das unhas; 
na acidez da aurora tropical, depois duma noite votada à alegria póstuma, que não veio; 
e acaba o amor no desenlace das mãos no cinema, como tentáculos saciados, e elas se movimentam no escuro como dois polvos de solidão; 
como se as mãos soubessem antes que o amor tinha acabado; 
na insônia dos braços luminosos do relógio; 
e acaba o amor nas sorveterias diante do colorido iceberg, entre frisos de alumínio e espelhos monótonos; 
e no olhar do cavaleiro errante que passou pela pensão; 
às vezes acaba o amor nos braços torturados de Jesus, filho crucificado de todas as mulheres;
mecanicamente, no elevador, como se lhe faltasse energia; 
no andar diferente da irmã dentro de casa o amor pode acabar; 
na epifania da pretensão ridícula dos bigodes; 
nas ligas, nas cintas, nos brincos e nas silabadas femininas; 
quando a alma se habitua às províncias empoeiradas da Ásia, onde o amor pode ser outra coisa, o amor pode acabar; 
na compulsão da simplicidade simplesmente;
no sábado, depois de três goles mornos de gim à beira da piscina; 
no filho tantas vezes semeado, às vezes vingado por alguns dias, mas que não floresceu, abrindo parágrafos de ódio inexplicável entre o pólen e o gineceu de duas flores; 
em apartamentos refrigerados, atapetados, aturdidos de delicadezas, onde há mais encanto que desejo;
e o amor acaba na poeira que vertem os crepúsculos, caindo imperceptível no beijo de ir e vir; 
em salas esmaltadas com sangue, suor e desespero; 
nos roteiros do tédio para o tédio, na barca, no trem, no ônibus, ida e volta de nada para nada; 
em cavernas de sala e quarto conjugados o amor se eriça e acaba; 
no inferno o amor não começa; 
na usura o amor se dissolve; 
em Brasília o amor pode virar pó; 
no Rio, frivolidade; 
em Belo Horizonte, remorso; 
em São Paulo, dinheiro; 
uma carta que chegou depois, o amor acaba; 
uma carta que chegou antes, e o amor acaba; 
na descontrolada fantasia da libido; 
às vezes acaba na mesma música que começou, com o mesmo drinque, diante dos mesmos cisnes; 
e muitas vezes acaba em ouro e diamante, dispersado entre astros; 
e acaba nas encruzilhadas de Paris, Londres, Nova Iorque; 
no coração que se dilata e quebra, e o médico sentencia imprestável para o amor; 
e acaba no longo périplo, tocando em todos os portos, até se desfazer em mares gelados; 
e acaba depois que se viu a bruma que veste o mundo; 
na janela que se abre, na janela que se fecha; 
às vezes não acaba e é simplesmente esquecido como um espelho de bolsa, que continua reverberando sem razão até que alguém, humilde, o carregue consigo; 
às vezes o amor acaba como se fora melhor nunca ter existido; 
mas pode acabar com doçura e esperança; 
uma palavra, muda ou articulada, e acaba o amor; 
na verdade; 
o álcool; 
de manhã, de tarde, de noite; 
na floração excessiva da primavera; 
no abuso do verão; 
na dissonância do outono; 
no conforto do inverno; 
em todos os lugares o amor acaba; 
a qualquer hora o amor acaba; 
por qualquer motivo o amor acaba; 
para recomeçar em todos os lugares e a qualquer minuto o amor acaba.

Beijo de grafite

Nas últimas décadas, o grafite deixou de
ser simplesmente uma arte improvisada 
nas ruas, registrada em muros e fachadas, 
para ganhar cada vez mais prestígio em  
grandes galerias e museus, mas ainda é
confundida pelos leigos com pichação e 
vandalismo. A arte do grafite pode mudar 
as pessoas, a atitude que elas têm diante 
da vida e do mundo ao redor...

Imagem: “The red umbrella”, grafite do
artista australiano Loui Jover.
  
Veja mais em:
http://semioticas1.blogspot.com.br/2011/10/vida-de-artista.html

Veja também:
http://semioticas1.blogspot.com/2011/07/arte-do-grafite_15.html

.

*            *            *

In: "O amor acaba", Paulo Mendes Campos, seleção e apresentação Flávio Pinheiro. São Paulo: Companhia das Letras, 2013

sexta-feira, 29 de novembro de 2013

Fotos de KAI ZIEHL


"Um estilo visualmente forte, que nos apresenta momentos contemplativos e capazes de nos hipnotizar – assim é o estilo do artista alemão Kai Ziehl, que dá um novo sentido à fotografia de arquitetura. 

Ele transforma diversas estruturas e edifícios em formas e linhas geométricas que preenchem cada clique. As luzes e sombras, e a silhueta perdida no cenário, fazem o resto.

Impossível não sentir uma certa sensação de solidão e isolamento olhando os retratos de Ziehl.
Em cada um aparece uma única e sozinha figura humana, retratada como um ponto pequeno no meio da imensidão dos cenários que a envolvem.

Essa silhueta, junto com os padrões geométricos que compõem as fotos, quase nos fazem esquecer dos modernos edifícios e construções fotografados."

Eme Viegas - na página Hypeness



GeometricPhoto3

GeometricPhoto4

GeometricPhoto7

GeometricPhoto12

GeometricPhoto9


GeometricPhoto10


GeometricPhoto11

*            *            *

quarta-feira, 27 de novembro de 2013

Advento


Foto: Nunca uma imagem posta por mim tinha alcançado tantos compartilhamentos... Mas o mérito não é meu, é da virgem Maria que apesar de ser desprezada por muitos de seus filhos é amada por muitos outros. Louvado seja Deus!!!

" ...Pôs os Olhos na humildade de Sua serva,
doravante toda terra cantará os Seus louvores!
O Senhor fez em mim maravilhas,
Santo é Seu Nome"...

*            *            *

domingo, 24 de novembro de 2013

PRENDRE UN ENFANT PAR LA MAIN

Página "L'âme du monde"




Prendre un enfant par la main
Pour l´emmener vers demain,
Pour lui donner la confiance en son pas,
Prendre un enfant pour un roi.
Prendre un enfant dans ses bras
Et pour la première fois,
Sécher ses larmes en étouffant de joie,
Prendre un enfant dans ses bras.

Prendre un enfant par le cœur
Pour soulager ses malheurs,
Tout doucement, sans parler, sans pudeur,
Prendre un enfant sur son cœur.
Prendre un enfant dans ses bras
Mais pour la première fois,
Verser des larmes en étouffant sa joie,
Prendre un enfant contre soi.

Prendre un enfant par la main
Et lui chanter des refrains
Pour qu´il s´endorme à la tombée du jour,
Prendre un enfant par l´amour.
Prendre un enfant comme il vient
Et consoler ses chagrins,
Vivre sa vie des années, puis soudain,
Prendre un enfant par la main
En regardant tout au bout du chemin,
Prendre un enfant pour le sien.
***
Yves Duteil


ABRAHAM LINCOLN

Página "Brainstorming"


Carta de  ABRAHAM LINCOLN para o professor  de seu filho


"Caro professor, ele terá de aprender que nem todos os homens são justos, nem todos são verdadeiros, mas por favor diga-lhe que, para cada vilão há um herói, para cada egoísta, há um líder dedicado.

Ensine-o, por favor, que para cada inimigo haverá também um amigo, ensine-o que mais vale uma moeda ganha que uma moeda encontrada.

Ensine-o a perder, mas também a saber gozar da vitória, afaste-o da inveja e dê-lhe a conhecer a alegria profunda do sorriso silencioso.

Faça-o maravilhar-se com os livros, mas deixe-o também perder-se com os pássaros no céu, as flores no campo, os montes e os vales.

Nas brincadeiras com os amigos, explique-lhe que a derrota honrosa vale mais que a vitória vergonhosa, ensine-o a acreditar em si, mesmo se sozinho contra todos.

Ensine-o a ser gentil com os gentis e duro com os duros, ensine-o a nunca entrar no comboio simplesmente porque os outros também entraram.

Ensine-o a ouvir todos, mas, na hora da verdade, a decidir sozinho. Ensine-o a rir quando estiver triste e explique-lhe que por vezes os homens também choram.

Ensine-o a ignorar as multidões que reclamam sangue e a lutar só contra todos, se ele achar que tem razão.

Trate-o bem, mas não o mime, pois só o teste do fogo faz o verdadeiro aço. 
Deixe-o ter a coragem de ser impaciente e a paciência de ser corajoso.

Transmita-lhe uma fé sublime no Criador e fé também em si, pois só assim poderá ter fé nos homens.

Eu sei que estou a pedir muito, mas veja o que pode fazer, caro professor.“

Abraham Lincoln

*            *            *

sexta-feira, 22 de novembro de 2013

Graça Taguti - crônica sobre a Felicidade



"Viver é a coisa mais rara do mundo. A maioria das pessoas apenas existe"
Graça Taguti
Felicidade não tem segredo. Mas  só sente  quem está vivo. E não quem finge, como grande parte dos indivíduos. 
Oscar Wilde profetizava que “viver é a coisa mais rara do mundo. A maioria das pessoas apenas existe”. Algumas felicidades são tão compridas que não cabem na boca. Nem nos sonhos.

Sabe aquele bombom recheado com mousse e licor, foi abocanhado pela gula. O sorvete de cerejas com nata, escorrendo sem vergonha casquinha afora, evaporou. O por do sol multicor todo oferecido, esticando os últimos raios, pra seduzir quem o observava pasmo, foi dormir no meio de alguma nuvem vestida de edredom.

Já repararam nas músicas sobre felicidade? “Tristeza não tem fim; felicidade sim.” “A felicidade é como a pluma que o vento vai levando pelo ar.” “Felicidade foi embora e a saudade no meu peito ainda mora.” É felicidade que não acaba mais, se multiplicando nas letras da MPB.
A publicidade de um refrigerante todo esfuziante bota pra cantar em seu slogan e música. “Abra a felicidade, vem curtir comigo o dia já vem.” Marcas em profusão alardeiam a propriedade com firma reconhecida deste sentimento que, junto com a paz, é um dos mais cobiçados nesta vida.

Felicidade é êxtase. Paraíso. Levitação. Ir embora para Pasárgada e se esquecer de voltar. Mergulhar os pés depois de andar pela areia quente num abraço de mar, fresco e generoso. 
Ver o bebê arrotando, finalmente, depois de tomar com gosto a mamadeira dos deuses.

Reflexão espinhosa: dá pra ser feliz assim, com a alma nua e crua, andando sem pressa pelas estradas do acaso, apenas de mãos dadas com tão acalentador sentimento. Você consegue?

A inspirada escritora Adriana Falcão jura que “felicidade é um agora que não tem pressa nenhuma”. Então, para com o reboliço, fica quieto, sente as vibrações em torno, apenas curtindo esse estado de nirvana explícito. Será que a ansiedade aguenta? — há controvérsias.

O filósofo Nietzsche atira seus dardos: “A vantagem de ter péssima memória é divertir-se muitas vezes com as mesmas coisas boas como se fosse a primeira vez”
Fernando Pessoa revela “Às vezes ouço passar o vento; e só de ouvir o vento passar, vale a pena ter nascido”
Por sua vez, Drummond rasga o verbo e arremata: “Ser feliz sem motivo é a mais autêntica forma de felicidade”.

Pronto, ferrou. Precisava o Drummond nos colocar contra a parede das nossas aflições, fixar bem nos nossos olhos e dizer de um novo modo, conforme a paródia a seguir. 
Será que você consegue ser feliz à toa? Dono e proprietário exclusivo daquela felicidade virgem de carências, satisfeita só por constar nos experientes e folheados dicionários de lexicógrafos. Tem resposta pra isso, ou não?

Antônio Houaiss, mestre Aurélio, dentre outros dicionaristas sagazes nunca desistiram de correr atrás, como crianças caçando borboletas, da semântica dos vocábulos.

O que é mesmo ser feliz, hein? Ir a festas, bares, baladas, tomar todas, ficar com todas e todos, mexer o corpo até o sol raiar e o sono apertar. 
(...)
Felicidade é uma calça jeans azul e desbotada, berra um jovem idealista lá dos anos 1980. Banho de cachoeira mineira. Caminhada ecológica sobre feno dourado. Namoro esparramado de frente pra lua, mais redonda impossível. O primeiro beijo, o primeiro sutiã a gente nunca esquece. A primeira surra também. 
Aí costuramos uma infindável fileira de momentos virginais, feito rosário de novena, em ocasiões distintas do nosso dia a dia.

Passar no vestibular. Oh yeah.  Formar-se na faculdade, ostentando a beca e o canudo na maior moral. 
Conhecer paisagens exóticas, horizontes intocados, aconchegar uma panda contra o peito, imitar passarinhos pra eles comerem alpiste direto na concha da nossa mão.

Uma criança outro dia contou bem baixinho pra sua mãe que gostava de ajudar  pessoas sem nome, os meninos e meninas, atulhados de balas e doces, oferecidos na beira  dos sinais vermelhos. Guloseimas que juram tornar mais leve a vida dos motoristas. 
A mãe ouviu e ficou preocupada, com o inesperado despojamento do garoto, que fugiu à cartilha dos ensinamentos paternos e resolveu abrir os afetos para perigosos estranhos. Todos do lado de fora da sua casa.

Walter D.Ehlers, herói de guerra americano, avisava sem alardear: “O segredo é não correr atrás das borboletas… É cuidar do jardim para que elas venham até você”. 
Acontece que a gente não aguenta, né. 
Não basta admirar a rosa que se expõe irresistível na roseira. É preciso arrancá-la de lá. 
O passarinho, verde que nem uma folha será um periquito? Direto pra gaiola, já. Condenado a enfeitar na varanda nossas pequenas e esgarçadas alegrias.

Aristóteles sentenciava que “a felicidade é para quem se basta a si próprio”.

No filme “A Felicidade Não se Compra” de 1946, Frank Capra, James Stewart, Dona Reed, se imiscuem nas mensagens que permeiam a obra — cada um de nós é importante sobre a terra. 
Em “As Duas Faces da Felicidade” (Le Bonheur, 1965) de Agnès Varda, o enredo passeia entre imagens belíssimas e as contradições inerentes ao próprio sentimento, tantas vezes dúbio.

Um campo de girassóis explode em nossos olhos, uma ofuscante sensação se exibe sem culpas nem pudor. 
Então, dá pra ser feliz escancaradamente, sem achar que está, nos escuros cantos do coração, roubando de alguém uma farta porção de felicidade? 
Se deliciar longamente, em festas de aniversário, devorando pedaços de bolo com creme, esquecendo-se dos outros convivas.
Egoísmo incomoda como um calo no sapato. 
O bem-estar e as decorrentes fruições atiçam raiva e inveja em muita gente. Porque riqueza de espírito é algo que não se amealha, nem acumula, como gordas poupanças e investimentos  bancários.  
A felicidade  cresce e se anuncia  dentro do peito, sem pressa e sem ruído.

O que se faz, entretanto, quando o voraz capitalismo e a publicidade teimam em plantar entre nossos desejos, inimagináveis  e avassaladoras  necessidades? A grande conquista é ter. Tenho, logo sou. Possuo, logo existo — ecoa a máxima nas luxuosas sociedades.

Uma dúvida: felicidade será irmã gêmea da alegria. Cordão umbilical da satisfação plena. Coro residual de gargalhada altissonante? Vai ver que não. 
Ela pode ser bem quieta. Discreta, mesmo.  Deslocar-se pé ante pé no cotidiano. Deslumbrar-se em silêncio com o húmus das plantas amanhecidas. Os ovos do bem te vi, guardados com cautela, à espera de eclodir.

Felicidade pode ser assim também: uma felicidaaade larga toda a vida, que não cabe na boca, nas mãos. Não se acomoda nos seios, circunda as manhas do ventre, envolve as promessas delirantes das inquietas coxas. Sempre inquietas, essas coxas. Ahhh. Quem aguenta?
*            *            *

André J.Gomes - A vida e sua sequência...

A vida e sua sequência lógica e louca de um dia depois do outro
André J. Gomes - "Revista Bula", 18 de novembro de 2013

Noite dessas, uma passeata de pensamentos, aflições, pesares e culpas congestionou o fluxo tranquilo de seus sonhos. 
Inquietos e cheios de porquês, os manifestantes invadiram a avenida tranquila por onde caminha o homem sozinho quando dorme, olhando a nostalgia breve das vitrines que permanecem acesas em lojas fechadas, e fizeram barulho. Empunhando cartazes e entoando refrãos, clichês, gritos de guerra, espantaram-lhe o sono.

Ele abriu seus olhos de pessoa só e ficou ali, insone, ouvindo as reivindicações de suas buzinas internas. 
Lá pelas tantas, virou-se na cama e pela janela aberta de seu quarto viu um céu claro de lua cheia. 
Lá fora, lá em cima, um vento apressado arrastava as nuvens para só Deus sabe onde. 
Ficou ali, mirando o movimento das nuvens no céu, uma depois da outra, passando por sua vista como os cavalinhos de um carrossel imenso. 
E assim, olhando para elas, teve a clara impressão de que não eram as nuvens que se moviam lá no alto, mas o seu quarto, a sua casa, seu bairro, a sua cidade é que se movimentavam aqui em baixo, lentamente, como um grande barco que acabara de partir.

De pé no convés da enorme embarcação, ele deu adeus aos pensamentos e às aflições e aos pesares e às culpas que ficaram no cais, como parentes se despedindo de alguém que ruma para uma viagem longa e sem data de volta. 
A brisa da noite lambia a superfície e as reentrâncias do barco, como a língua de um gato caprichoso quando banha a si mesmo, e todas as inquietações do homem sozinho iam aos poucos se tornando pequenas, e menores, até desaparecer completamente. 
Agora, eram apenas ele e o céu e as nuvens e seu mundo deslizando sobre águas calmas para algum lugar distante, sob a lua cheia clareando sua casa entupida de utensílios inúteis, roupas sem uso, pacotes de bolacha abertos, leituras abandonadas, comida vencida e as tantas e tantas aporrinhações de um dia depois do outro.

Então, ele foi tomado pelo desejo infantil de ouvir o som de um objeto sólido caindo na água, e jogou no mar um vidro vazio de perfume. Gostou tanto do que sentiu que respirou fundo e foi escolhendo outras coisas para atirar longe. Uma caneca cheia de canetas, um grampeador, caixas de sapato, uma cômoda velha, papéis, envelopes, recibos, os quadros, as plantas, o varal e as roupas, a máquina de lavar, o armário e suas gavetas entupidas, a mesa e as cadeiras, a tv ligada, o sofá e suas cicatrizes, as chaves e as portas, o assento da privada, tudo.

Nós e nossa grandiosa capacidade de supervalorizar ninharias.

E quando nada mais havia à sua volta para lançar ao oceano senão suas próprias questões internas, suas dores, seus medos, suas alegrias fabricadas, seu ódio gratuito, sua insegurança doentia, seu orgulho ferido, suas culpas e sua saudade crônica, então ele próprio se deixou cair sobre as águas. 
Ali, boiando nas ondas calmas e quentes, ele olhou as nuvens e a lua e as estrelas e pensou em sua bisavó, Benedita Rosa, nascida em 1905, filha de uma escrava alforriada, Valquíria, que decerto morrera sem nunca ter visto o mar. 
Pensou em seus pais e em todos os que vieram antes dele. E naqueles que virão depois de seu filho. 
Pensou na vida e em toda a sua potência. E reencontrou a companhia do sono.
Dormiu sem pesos e sem roupas, profundamente, na superfície quente das águas calmas. 
Quando acordou, na areia branca de uma praia de água azul-piscina, já era dia e a brisa morna enchia o mundo com um cheiro de pão feito em casa. 
Ali, naquela praia de modos simples, os que vieram antes dele e os que virão depois de seu filho viviam juntos, faziam pão e macarronada, brincavam na areia, trabalhavam na lavoura. Cuidavam uns dos outros e se ajudavam e se gostavam e se tratavam como milagres suficientes para não terem de se comparar a ninguém, a não ser consigo mesmos.

Todas as tardes, reuniam suas inteligências fora do padrão não para deliberar sobre os temas burocráticos da vida ordinária, mas para delirar sobre as questões acima de seu alcance. 
As crateras da lua, as galáxias para além do sistema solar, a beleza das moças e dos moços. 
A vida que passa aqui em baixo como as nuvens que deslizam lá em cima.

Ele ficou ali, olhando os jeitos de sua gente. 
A bisavó, sorrindo o amor puro e simples, cuidava das crianças que um dia seu filho e os filhos dos filhos de seu filho trarão ao mundo. 
Uma delas, menininha de cabelos armados e negros, areia entre os dedos dos pés e molho de macarrão endurecendo na boca, ofereceu a ele um pouco de Coca-Cola. Ele tomou, devolveu-lhe a caneca, agradeceu, ela sorriu um riso tão familiar que encheu de lágrimas os olhos do homem seco e só. E fez um “tchau” com a mãozinha de quem aprende os primeiros gestos.

Ele fechou os olhos, comovido, e acordou em seu quarto de homem sozinho.
Já era dia e não havia praia, mas os móveis, as roupas e as angústias estavam todos ali. 
A passeata de pensamentos, aflições, pesares e culpas se dispersara. 
Cada pensamento, cada aflição, pesar e culpa retomara seu lugar no mundo. 
O despertador tocou. E a vida recomeçava, em sua sequência lógica e louca de um dia depois do outro.


*            *            *

quarta-feira, 20 de novembro de 2013

GUIMARÃES ROSA, sempre...

Página "Homo Literatus"


"Tintins, tilintos, laldas e loas" ao encantado Guimarães Rosa
Silvia Andrade - 19 de novembro de 2013


 “Falava-se de uma ternura perfeita, ainda nem existente; o bem querer sem descrença. Enquanto isso, o tempo, como sempre, fingia que passava. As velhinhas pactuavam a alegria de penar e mesmo abreviadas irem-se- a fito de que neste sertão vingassem ao menos uma vez a graça e o encanto.” Arroio das Antas, Tutaméia.

Hoje, faz 46 anos que Guimarães Rosa ficou “encantado” e não há como não lembrá-lo, seja em data de partida ou, aos moldes rosianos, de renascimento.  
Muito já se escreveu sobre o autor e sua obra. Nós, os leitores, sabemos, porém, que graças à sua grandiosidade e riqueza narrativa, todas as críticas, todas as interpretações já feitas e as por vir não esgotam as incessantes possibilidades de apreciações  de (re)descobrimentos deste “Ser Tão feiticeiro” das palavras.

Romance de primeira ordem, “Grande Sertão: Veredas” causou espanto no meio literário brasileiro. 
A obra é inovadora sobre vários aspectos: prosa altamente poética, linguagem que nos remete à oralidade, ao regionalismo (Sertão Mineiro) e, mesmo assim, um romance indiscutivelmente Universal, tamanha sua genialidade linguística e metafísica. Sobre o processo de criação de Grande Sertão:Veredas, em carta enviada a Edoardo Bizzani,  Guimarães Rosa diz:

Você já notou, decerto, que, como eu, os meus livros, em essência são anti-intelectuais- defendem o altíssimo primado da intuição, da revelação, da inspiração, sobre o bruxolear presunçoso da inteligência reflexiva, da razão, a megera cartesiana. 
Quero ficar com o Tao, com os Vedas e Upanixades, com os Evangelistas e São Paulo, com Platão, com Plotino, com Bergson, com Berdiaeff- com Cristo, principalmente. [...] quando escrevi GSV, não foi partindo de pressupostos intelectualizantes, nem cumprindo nenhum planejamento cerebrino cerebral deliberado. 
Ao contrário, tudo, ou quase tudo, foi efervescência de caos, trabalho quase mediúnico e elaboração subconsciente.
Eu, quando escrevo um livro, vou fazendo como se o estivesse traduzindo de algum alto original, existente alhures, no mundo astral ou no plano das ideias, dos arquétipos, por exemplo. 
(páginas 58- 63)

No ensaio “JGR- O Mestre do Amálgama Lírico Narrativo”, Kathrin Rosenfield chama a atenção às “ciladas” que Guimarães prega nos críticos ao definir sua verve criativa. 
Segundo a autora, quando Guimarães Rosa define sua produção literária como algo, digamos, “psicografado”, acaba favorecendo, aos críticos mais desavisados, que se faça uma análise esotérica de sua obra, guiando-os a um caminho  anti-intelectual. 
Kathrin ressalta que além das fontes arquetípicas, tais quais os livros sagrados mencionados pelo escritor, há fortes indícios em sua narrativa de outras heranças de leitura de Rosa:

No sertão rosiano, não são raros os timbres da exaltação de Novalis e Rilke, mas eles são maravilhosamente entrelaçados ao ritmo e às cadências da fala oral e do imaginário popular que aparecem normais e naturais esses prodigiosos amálgamas. 
O mesmo acontece com os motivos e temas consagrados pelo ensaísmo brasileiro – a preguiça, a luxúria, a saudade, a miscigenação brasileiras, que aparecem surgir da própria ruminação dos personagens e das coisas do Sertão. 
(página 13)
guimaraes-rosa-grandes-sertoes-veredas
Guimarães Rosa
fotografado por Eugenio Silva para a revista “O Cruzeiro”, durante a viagem de dez dias pelo sertão, em 1952.

Decisivamente, em nada tais constatações anulam o talento do autor, ao contrário, sua força inventiva ganha destaque. Rosa consegue transformar sua tradição de leitura, através de Grande Sertão: Veredas, em algo totalmente vanguardista e espantoso. 
Em História Concisa da Literatura Brasileira, Alfredo Bosi escreve:

 [...]começou-se a ver que a grande novidade do romance vinha de uma alteração profunda no modo de enfrentar a palavra. Para G.R., como para os mestres da prosa moderna, a palavra é sempre um feixe de significações: mas ela o é em um grau eminente de intensidade se comparada aos códigos convencionais de prosa. Além de referente semântico, o signo estético é portador de sons e formas e desvendam, fenomênicamente, as relações íntimas entre o significante e o significado.
Toda voltada para as forças virtuais da linguagem, a escritura de Guimarães Rosa procede abolindo intencionalmente as fronteiras entre narrativa e lírica, distinção batida e didática, que se tornou, porém, de uso embaraçante para a abordagem do romance moderno. 
Grande Sertão: Veredas e as novelas de Corpo de Baile incluem e revitalizam recursos da expressão poética: células rítmicas, aliterações, onomatopeias, rimas internas, ousadias mórficas, elipses, cortes e deslocamento de sintaxe, vocabulário insólito, arcaico e de todo neológico, associações raras, metáforas, anáforas, metonímias, fusão de estilos, oralidade.” (páginas 482-483)

É necessário comentar que essa expressão poética, sobre a qual Bosi se refere, não está presente apenas em Grande Sertão:Veredas ou em Corpo de Baile. 
Quase toda narrativa rosiana é esquadrinhada por elementos poéticos. 
Lembremos que Guimarães Rosa é autor de apenas um romance, as demais narrativas são novelas e contos. 
Livros como Sagarana (1946), Primeiras Estórias (1962) e Tutaméia (1967) estão repletos de lirismo. 
Ouso dizer que seu único livro de poemas, “Magma”, publicado em 1936, é o menos poético de seus livros, embora tenha lhe rendido, no mesmo ano, um prêmio da Academia Brasileira de Letras. 
O próprio autor não o aprovava, tanto que foi republicado somente em 1997. 
Sobre Magma, o autor relata:

Escrevi um livro não muito pequeno de poemas, que até foi elogiado. Passaram-se quase dez anos, até eu poder me dedicar novamente à literatura. E revisando meus exercícios líricos, não os achei totalmente maus, mas tampouco muito convincentes. (ENRICO LIPPOLIS)

Se, nas palavras do autor, seus poemas eram pouco convincentes, Rosa foi e é, além de excepcional romancista, um contista nato. 
Já em Sagarana, verificam-se apontamentos do que seria Grande Sertão: Veredas e, posteriormente, em Primeiras Estórias e Tutaméia há uma vasta elaboração de linguagem, neologismos; a temática de memórias, pactos, reflexões existenciais, a travessia do homem telúrico pelo sertão de Minas, limiar narrativo entre real e surreal, só para citar alguns aspectos.
poema_guimaraes
Originais com anotações do escritor

Incontestável dizer que Guimarães Rosa é um dos maiores representantes em língua portuguesa de histórias curtas, isto é, do conto. 
Para o leitor, apaixonado pela narrativa do escritor, todos os livros de contos de João Guimarães são merecedores de considerações, sendo que escolher apenas um é tarefa difícil.

Talvez, por ser sua última publicação em vida e, também, por ser uma obra ainda pouco lida, se comparada a outras de Guimarães, Tutaméia seja uma boa escolha. 
Regina da Costa da Silveira, em seu ensaio “A Propósito dos Trinta Anos de Tutaméia”, comenta que o livro é pouco estudado devido a alguns motivos. Ela diz:

Dentre as causas de o livro ser pouco estudado, estaria a presença incomum de quatro prefácios, de dois índices e de um glossário que contém inclusive palavras não utilizadas no texto. No referido glossário, encontramos a palavra Tutaméia e seus significados: nonada, baga, ninha, inânias, ossos-de-borboleta, quiquiriqui, tuta-e-meia, mexinflório, chorumela, nica, quase-nada; meã omnia.(páginas 4-5)

Tutaméia é um desafio ao leitor, a começar pelos quatro prefácios mencionados por Regina. São eles: “Aletria e hermenêutica”, “Hipotrélico”, “Nós, os temulentos” e “Sobre as escova e a dúvida”. 
É preciso destacar que esses prefácios não são sequenciais. Na segunda edição, de 1968, pela José Olympio, temos a seguinte disposição: o primeiro prefácio aparece de forma tradicional, antes dos contos, na página 3; o segundo aparece quase na metade do livro, na página 64; o terceiro surge na página 101 e o quarto, quase ao fim do livro, na página 146.

Só a leitura e análise desses prefácios já renderia uma tese, tamanha acrescente de informações que o leitor obtém deles. 
Em Aletria e hermenêutica, o autor diz: A estória não quer ser história. A estória, em rigor, deve ser contra a História.” 
No Hipotrélico, lemos: O termo é novo, de impesquisada origem e ainda sem definição que lhe apanhe em todas as pétalas o significado
Já em Nós, os Temulentos, lemos como frase inicial: Entendem os filósofos que nosso conflito essencial e drama talvez único seja mesmo o estar-no-mundo. 
Por último, em Sobre a Escova e a Dúvida, há: Tudo tinha de destruir-se, para dar espaço ao mundo novo aclássico, por perfeito.”

joao-guimaraes-rosa

O contato com os costumes do sertão foi essencial para a criação literária de Guimarães Rosa.
Ainda sobre os prefácios de Tutaméia, livro que o crítico considera como a radicalização do desejo de transcendência de tempo e espaço, que está presente em Grande Sertão Veredas, Bosi declara:

 Nos últimos livros o processo radicaliza-se e pede uma interpretação, que os prefácios amaneirados de Tutaméia entendem dar uma linha irracionalista: Guimarães Rosa aí escolhe abertamente a leitura que Dante chamava anagógica ou supra-sensível. 
Dê-se ou não importância às explicações do autor, o fato é que toda a sua obra nos põe em face do mito como forma de pensar e de dizer atemporal e, na medida em que leva a transformações bruscas, alógica. 
Volta-se ao ponto de partida. A obra de Guimarães Rosa é um desafio à narração convencional porque os seus processos mais constantes pertencem às esferas do poético e do mítico. Para entendê-la em toda a sua riqueza é preciso repensar essas dimensões da cultura, não in abstracto, mas tal como se articulam no mundo da linguagem. (página 487)

O leitor, ao tocar em Tutaméia, precisa estar preparado, pois se deparará com 40  pequenos e intensos contos. Sem contar toda a fortuna narrativa que nos faz “transcender”; a linguagem utilizada nas histórias apresenta incontáveis chistes, que são quase sempre neologismos do autor; e os provérbios invertidos. Estes recursos inovam a tradição e se abrem para novas apreciações. Eis alguns exemplos:

“O pior cego é aquele que quer ver” (Antiperipléia);
“Mas ninguém espera a esperança” (Antiperipléia);
“Amava-a com toda a fraqueza de seu coração” (A vela do diabo);
“O gênio é punhal que não se vê o cabo” (Azo de Almirante);
“De faca em popa” (Azo de Almirante);
“Não esperar incluiu misteriosas certezas” (Arroio das Antas);
“O trágico não vem a conta- gotas” (Desenredo);
“Fora tão claro como água suja” (Desenredo);
“A bonança nada tem a ver com a tempestade” (Desenredo);
“O pão é o que faz o cada dia” (João -Porém…);
“O mundo perdeu seu tique-taque” (Presepe).

Nessas maravilhosas estórias, à maneira de Guimarães, há mais, muito mais. 
Impossível escrever todas as citações neste breve texto. 
Essas transformações que ocorrem na linguagem rosiana, da obra em questão, levam o leitor a repensar os provérbios já conhecidos por ele e “cristalizados pela tradição”.

As pessoas não morrem, ficam encantadas, tal qual o conto natalino Presepe, desejo ao Encantado Rosa Tintins,  tilintos, laldas e loas e ponho, em Desenredo, esta pequena fábula em ata”.



*            *            *

terça-feira, 19 de novembro de 2013

Davidson Davis - Encontro com o Vampiro

Encontro com o Vampiro
Davidson Davis - in "Homo Literatus'

Curitiba. Calor incomum para a cidade. Mas não tão quente para fazer um carioca da gema ver miragens. 
Era ele. Eu tinha certeza. Não poderia ser outro. O Vampiro, ali na minha frente, sob o sol a pino do meio-dia. 
O autor de pérolas como “Novelas nada Exemplares” e “Macho não ganha flor”. Eu, vinha pela Mariano Torres; ele, lá das bandas do Passeio Público.

Magro, tinha a face bem delineada. A tez era alva, mas não como a dos vampiros das séries juvenis – tinha vida!  
Vestia camisa de manga, na cor cáqui; calça, cinza; e tênis, branco. Usava um boné afundado na cabeça, mas ainda assim os cabelos grisalhos podiam ser vistos; e óculos de grau de aro grosso, que hoje foram redescobertos pela moda fashion. 
Caminhava em linha reta, como se estivesse alheio às coisas ao redor. Os passos eram lentos – diferente dos transeuntes afoitos, de expressões nervosas. Ombros arqueados. Carregava um livro numa sacola.

Senti um troço estranho quando nos cruzamos. Um arrepio na espinha. Paralisei. 
Como um militar de baixa patente, dei meia volta volver e me pus no encalço do Vampiro. 
Mantive uma distância estratégica, apenas observava aquele senhorzinho com mais de 40 livros publicados, que não se deixava fotografar nem dava entrevistas – fugia dos holofotes como quem foge da cruz.  E me veio uma dúvida: e se não fosse ele? Afinal, vampiros têm ojeriza à luz solar. Qualquer um sabe disso. 
Eu tinha que tirar a Prova dos noves.

Alto da Rua XV. Apertei o passo. 
Vi num filme: a pessoa nunca vai achar que está sendo seguida se você estiver na frente dela. Foi o que eu fiz. 
Quando passei por ele, lancei um olhar de soslaio. Ele acabara de parar em frente a uma grande casa de esquina, de aspecto mal assombrado. Tomei coragem. Eu não tinha medo do Vampiro. 
“O senhor é o Dalton?! Dalton Trevisan?!”, indaguei, num tom de acusação. 
Ele sorriu, mostrou os afiados dentes de vampiro, e fechou o portão, devagarzinho, mas não me virou as costas até o último momento.

Pois é. Literatura é isso: a volúpia de mentir por escrito. Alguém disse.

*            *            *

segunda-feira, 18 de novembro de 2013

LOUIE SCHARWTZBERG - Gratidão (legendado)


"Ao invés de estar sempre reclamando das coisas más da vida, que tal pensar em agradecer tudo o que de bom esse mundo tem pra nos dar? 
Quantas vezes já mostramos nossa gratidão por ter uns olhos que nos permitem ver, uma natureza maravilhosa com a qual podemos compartilhar nosso lugar na Terra, quantas vezes já mostramos gratidão por existir?"

Louie Schwartzberg, cineasta e fotógrafo.





*            *            *

sábado, 16 de novembro de 2013

PEDRO HOMEM DE MELLO - Simplicidade

Página OBVIOUS

Simplicidade 

Queria, queria
Ter a singeleza
Das vidas sem alma
E a lúcida calma
Da matéria presa.

Queria, queria
Ser igual ao peixe
Que livre nas águas
Se mexe;

Ser igual em som,
Ser igual em graça
Ao pássaro leve,
Que esvoaça...

Tudo isso eu queria!
(Ser fraco é ser forte).
Queria viver
E depois morrer
Sem nunca aprender
A gostar da morte.   

Pedro Homem de Mello, in "Estrela Morta"
Foto: Can Duc Ngo
Foto de Can Duc Ngo

Simplicidade
Pedro Homem de Mello
Porto (Portugal), 6 de Setembro de 1904 — Porto, 5 de Março de 1984

Queria, queria
Ter a singeleza
Das vidas sem alma
E a lúcida calma
Da matéria presa.
Queria, queria
Ser igual ao peixe
Que livre nas águas
Se mexe;
Ser igual em som,
Ser igual em graça
Ao pássaro leve,
Que esvoaça...
Tudo isso eu queria!
(Ser fraco é ser forte).
Queria viver
E depois morrer
Sem nunca aprender
A gostar da morte.

*        *        *
 In "Estrela Morta"


quarta-feira, 13 de novembro de 2013

IL VOLO - El reloj

Encantada com as vozes desses jovens - muito jovens - tenores que se apresentaram no "American Idol". Mais encantada ainda com a escolha da música.  
O mundo é mesmo surpreendente...



terça-feira, 12 de novembro de 2013

DRUMMOND - Contos plausíveis

Sobre a publicação, em livro, de seus contos no Jornal do Brasil

Esses contos (serão contos?) não são plausíveis na acepção latina de merecerem aplausos. São plausíveis no sentido de que tudo neste mundo, e talvez em outros, é crível, provável, verossímil. 

Todos os dias a imaginação  humana confere seus limites, e conclui que a realidade ainda é maior do que ela. 
Não posso dizer, verdadeiramente, que os escrevi. Escreveram-se no dia a dia do Jornal do Brasil , sem a intermediação de forças misteriosas. Queriam existir como estórias, ocuparam papel e hoje formam livro. 
Carlos Drummond de Andrade

**



A incapacidade de ser verdadeiro 
Carlos Drummond de Andrade

Paulo tinha fama de mentiroso.
Um dia chegou em casa dizendo que vira no campo dois dragões da independência cuspindo fogo e lendo fotonovelas.
A mãe botou-o de castigo, mas na semana seguinte ele veio contando que caíra no pátio da escola um pedaço de lua. Desta vez Paulo não só ficou sem sobremesa, como foi proibido de jogar futebol durante quinze dias.
Quando o menino voltou falando que todas as borboletas da Terra passaram pela chácara de Siá Elpídia e queriam formar um tapete voador para transportá-lo ao sétimo céu, a mãe decidiu levá-lo ao médico.
Após o exame, o Dr. Epaminondas abanou a cabeça:
- Não há nada a fazer, Dona Colô. Este menino é mesmo um caso de poesia.

*            *            *

domingo, 10 de novembro de 2013

CLAUDIO OLIVER - publicação facebook


Pensamento da Manhã: faz uns 6 meses que vejo um bando de gente discutindo sobre os black blocks, os manifestantes, o cansaço com governos do PT, do PSDB, do PMDB, da velha política. E, na minha humilde opinião, no fundo faz-se tudo isso pedindo mais do mesmo: crédito, crescimento, emprego, escola, sistema, voto e tudo o mais que representa o que ai está. E aqui faço um humilde convite: Tá realmente com vontade de quebrar o sistema? Quem estiver a fim de quebrar o sistema, de verdade, que tal se:
Em meio à competitividade, você ousasse tomar uma atitude solidária e altruísta por dia até que isso seja parte de sua rotina (só comportamento muda comportamento).
Que tal dar a vez para o outro, ser educado, sorrir, dar dinheiro, ajudar um colega... sei lá.
Mas de modo prático, quem ai topa mexer nos pilares do sistema e quebrá-lo?

Vamos a alguns deles:

Mentira 1
Temos de crescer. Esse é o mantra desde 1948, MENTIRA.
Precisamos urgentemente de um PIB negativo, de parar de crescer.
Em trinta anos não haverá energia para manter o estilo de vida de hoje, as colheitas dos cinco produtos que perfazem 80% do consumo estarão ameaçadas de colapso.
O grau de doenças causadas pelo que comemos se acelera. Então que tal parar de comprar? Isso vai desacelerar a economia, causar desemprego e mudar o rumo.
Plantar? Criar algum bicho que não seja um pet? Topa? Ou foi muito radical?

Mentira 2  
Precisamos mais educação. Esse é O mantra do sistema, que todo mundo repete apaticamente. Precisamos é de formação humana como sempre o fizemos desde que existimos, de presença de pais em casa (somos uma espécie cujos filhotes demandam 12 anos de presença paterna e materna há pelo menos 200.000 anos), de contato, de tela desligada, de conversa e passagem de sabedoria.
Criamos uma geração de técnicos adequados ao mercado e incapazes de manter um casamento, se relacionar com sorrisos, ou minimamente estacionar o carro na vaga ao invés de no meio da rua, ou de respeitar a vez do outro, de ser amável, de rir sem ser do outro.
Mais escola não socializa: escola ensina a criança a conviver entre iguais, da mesma classe social, cor e região, ensina a dissimular, competir, revidar e mantém juntos os de mesmo desempenho (ou você acha que raramente tem alguém da turma D ou E na medicina à toa? E que os estudantes de engenharia e medicina vêm da turma A e B por coincidência?
Precisamos de mais ambientes formativos locais.
Escolas (essas coisas que inventaram há uns 300 anos para ser manufatura de gente) geram seres educados e condicionados ao mercado. O ambiente formativo familiar e comunitário gera gente culta. Ou você acha que falta de cultura, cultura de massas e pasteurização cultural é coincidência também? Então, quer quebrar o sistema? Reassuma a formação de seu filho(a), volte para casa, e crie, fora da escola ou apesar da escola (fui radical demais????)
Assuma sua cultura local, sua herança cultural, suas canções e tradições. Celebre a continuidade.

Mentira 3
A tecnologia vai dar um jeito. NÃO, NÃO VAI DAR.
A Tecnologia é que fez o mundo ficar do jeito que está, e não me consta que aumentar a dose do remédio que mata o doente vá curá-lo.
Tecnologia controlada e nas mãos da tradição foi a marca de nossa história de espécie.
Não é negá-la mas é colocá-la no trilho e sob o controle do usuário, fora das mãos dos especialistas e da academia, que com ela simplesmente aumentam o controle social.
Reassuma velhas tecnologias, de baixa energia, que seus bisavós dominavam. Seus filhos vão precisar delas e ninguém mais sabe usar.
E desconfie de todo PhD que resume uma conversa com o simples "pesquisas científicas comprovam"... isso sem contexto é mera religião. (radicalizei de novo?).
O fato de um título acadêmico não livra ninguém da burrice, pelo contrário, pode até facilitar sua hipertrofia. Conheço mais exemplos de PhDs burros do que gostaria de conhecer.

Vou parar por aqui, até por que acho que ninguém vai ler um troço longo desse.... mas tem mais umas 10 mentiras para conversar como: Mercado, governo, competitividade, eficiência, planejamento estratégico, economia, a monitorização de tudo e muito mais.... mas vou ficar por aqui, para o caso de algum insano que teve paciência de ler até aqui, não ser abusado pela minha verborragia.
Bom dia.

Claudio Oliver

*          *          *