terça-feira, 19 de novembro de 2013

Davidson Davis - Encontro com o Vampiro

Encontro com o Vampiro
Davidson Davis - in "Homo Literatus'

Curitiba. Calor incomum para a cidade. Mas não tão quente para fazer um carioca da gema ver miragens. 
Era ele. Eu tinha certeza. Não poderia ser outro. O Vampiro, ali na minha frente, sob o sol a pino do meio-dia. 
O autor de pérolas como “Novelas nada Exemplares” e “Macho não ganha flor”. Eu, vinha pela Mariano Torres; ele, lá das bandas do Passeio Público.

Magro, tinha a face bem delineada. A tez era alva, mas não como a dos vampiros das séries juvenis – tinha vida!  
Vestia camisa de manga, na cor cáqui; calça, cinza; e tênis, branco. Usava um boné afundado na cabeça, mas ainda assim os cabelos grisalhos podiam ser vistos; e óculos de grau de aro grosso, que hoje foram redescobertos pela moda fashion. 
Caminhava em linha reta, como se estivesse alheio às coisas ao redor. Os passos eram lentos – diferente dos transeuntes afoitos, de expressões nervosas. Ombros arqueados. Carregava um livro numa sacola.

Senti um troço estranho quando nos cruzamos. Um arrepio na espinha. Paralisei. 
Como um militar de baixa patente, dei meia volta volver e me pus no encalço do Vampiro. 
Mantive uma distância estratégica, apenas observava aquele senhorzinho com mais de 40 livros publicados, que não se deixava fotografar nem dava entrevistas – fugia dos holofotes como quem foge da cruz.  E me veio uma dúvida: e se não fosse ele? Afinal, vampiros têm ojeriza à luz solar. Qualquer um sabe disso. 
Eu tinha que tirar a Prova dos noves.

Alto da Rua XV. Apertei o passo. 
Vi num filme: a pessoa nunca vai achar que está sendo seguida se você estiver na frente dela. Foi o que eu fiz. 
Quando passei por ele, lancei um olhar de soslaio. Ele acabara de parar em frente a uma grande casa de esquina, de aspecto mal assombrado. Tomei coragem. Eu não tinha medo do Vampiro. 
“O senhor é o Dalton?! Dalton Trevisan?!”, indaguei, num tom de acusação. 
Ele sorriu, mostrou os afiados dentes de vampiro, e fechou o portão, devagarzinho, mas não me virou as costas até o último momento.

Pois é. Literatura é isso: a volúpia de mentir por escrito. Alguém disse.

*            *            *

Nenhum comentário:

Postar um comentário