quinta-feira, 30 de agosto de 2012

MILLÔR FERNANDES - A evidência (Emmanuel Vão Gôgo)


Ilustração: Custódio
A Evidência
Millôr Fernandes


Ainda que pasmem os leitores, ainda que não acreditem e passem, doravante, a chamar este escritor de mentiroso e fátuo, a verdade é que, certo dia que não adianta precisar, entraram num restaurante de luxo, que não me interessa dizer qual seja, um ratinho gordo e catita e um enorme tigre de olhar estriado e grandes bigodes ferozes. Entraram e, como sucede nas histórias deste tipo, ninguém se espantou, muito menos o garçon do restaurante. Era apenas mais um par de fregueses. Entrados os dois, ratinho e tigre, escolheram uma mesa e se sentaram. O garçon andou de lá prá cá e de cá prá lá, como fazem todos os garçons durante meia hora, na preliminar de atender fregueses mas, afinal, atendeu-os, já que não lhe restava outra possibilidade, pois, por mais que faça um garçon, acaba mesmo tendo que atender seus fregueses. Chegou pois o garçon e perguntou ao ratinho o que desejava comer. Disse o ratinho, numa segurança de conhecedor - "Primeiro você me traga Roquefort au Blinnis. Depois Couer de Baratta filet roti à la broche pommes dauphine. Em seguida Medaillon Lagartiche Foie Gras de Strasbourg. E, como sobremesa, me traga um Parfait de biscuit Estraguèe avec Cerises Jubilée. Café. Beberei, durante o jantar, um Laffite Porcherrie Rotschild 1934.

— Muito bem - disse o garçon. E, dirigindo-se ao tigre — E o senhor, que vai querer?
— Ele não quer nada — disse o ratinho.
— Nada? — tornou o garçon — Não tem apetite?
— Apetite? Que apetite? — rosnou o ratinho enraivecido — Deixa de ser idiota, seu idiota! Então você acha que se ele estivesse com fome eu ia andar ao lado dele?

MORAL: É NECESSÁRIO MANTER A LÓGICA MESMO NA FANTASIA.

*            *            *

Millôr Fernandes, ou Emmanuel Vão Gôgo, nosso grande humorista, pensador, chargista, tradutor, escritor, teatrólogo, jornalista, pintor, é figura indispensável quando se fala de inteligência nacional.

Texto extraído do livro “Fábulas fabulosas”, José Álvaro, Editor — Rio de Janeiro, 1964, pág. 89.



Fonte: © Projeto Releituras

GRACILIANO RAMOS - ' Vidas Secas ' , cap. 9

Baleia
Graciliano Ramos

A cachorra Baleia estava para morrer. Tinha emagrecido, o pêlo caíra-lhe em vários pontos, as costelas avultavam num fundo róseo, onde manchas escuras supuravam e sangravam, cobertas de moscas. As chagas da boca e a inchação dos beiços dificultavam-lhe a comida e a bebida.

Por isso Fabiano imaginara que ela estivesse com um princípio de hidrofobia e amarrara-lhe no pescoço um rosário de sabugos de milho queimados. Mas Baleia, sempre de mal a pior, roçava-se nas estacas do curral ou metia-se no mato, impaciente, enxotava os mosquitos sacudindo as orelhas murchas, agitando a cauda pelada e curta, grossa na base, cheia de moscas, semelhante a uma cauda de cascavel.

Então Fabiano resolveu matá-la. Foi buscar a espingarda de pederneira, lixou-a, limpou-a com o saca-trapo e fez tenção de carregá-la bem para a cachorra não sofrer muito.

Sinhá Vitória fechou-se na camarinha, rebocando os meninos assustados, que adivinhavam desgraça e não se cansavam de repetir a mesma pergunta:

- Vão bulir com a Baleia?

Tinham visto o chumbeiro e o polvarinho, os modos de Fabiano afligiam-nos, davam-lhes a suspeita de que Baleia corria perigo.

Ela era como uma pessoa da família: brincavam juntos os três, para bem dizer não se difereciavam, rebolavam na areia do rio e no estrume fofo que ia subindo, ameaçava cobrir o chiqueiro das cabras.

(...)

A cachorra espiou o dono desconfiada, enroscou-se no tronco e foi-se desviando, até ficar no outro lado da árvore, agachada e arisca, mostrando apenas as pupilas negras. Aborrecido com esta manobra, Fabiano saltou a janela, esgueirou-se ao longo da cerca do curral, deteve-se no mourão do canto e levou de novo a arma ao rosto. Como o animal estivesse de frente e não apresentasse bom alvo, adiantou-se mais alguns passos. Ao chegar às catingueiras, modificou a pontaria e puxou o gatilho. A carga alcançou os quartos de Baleia, que se pôs a latir desesperadamente.

Ouvindo o tiro e os latidos, sinhá Vitória pegou-se à Virgem Maria e os meninos rolaram na casa chorando alto. Fabiano recolheu-se.

E Baleia fugiu precipitada, rodeou o barreiro, entrou no quintalzinho da esquerda, passou rente aos craveiros e às panelas de losna, meteu-se por um buraco da cerca e ganhou o pátio, correndo em três pés. Dirigiu-se ao copiar, mas temeu encontrar Fabiano e afastou-se para o chiqueiro das cabras. Demorou-se aí por um instante, meio desorientada, saiu depois sem destino, aos pulos.

(...)

Baleia respirava depressa, a boca aberta, os queixos desgovernados, a língua pendente e insensível. Não sabia o que tinha sucedido. O estrondo, a pancada que recebera no quarto e a viagem difícil no barreiro ao fim do pátio desvaneciam-se no seu espírito.

Provavelmente estava na cozinha, entre as pedras que serviam de trempe. Antes de se deitar, sinhá Vitória retirava dali os carvões e a cinza, varria com um molho de vassourinha o chão queimado, e aquilo ficava um bom lugar para cachorro descansar. O calor afugentava as pulgas, a terra se amaciava. E, findos os cochilos, numerosos preás corriam e saltavam, um formigueiro de preás invadia a cozinha.

A tremura subia, deixava a barriga e chegava ao peito de Baleia. Do outro peito para trás era tudo insensibilidade e esquecimento. Mas o resto do corpo se arrepiava, espinhos de mandacaru penetravam na carne meio comida pela doença.

Baleia encostava a cabecinha fatigada na pedra. A pedra estava fria, certamente sinhá Vitória tinha deixado o fogo apagar-se muito cedo.

Baleia queria dormir. Acordaria feliz, num mundo cheio de preás. E lamberia as mãos de Fabiano, um Fabiano enorme. As crianças se espojariam com ela, rolariam com ela num pátio enorme, num chiqueiro enorme. O mundo ficaria todo cheio de preás, gordos, enormes.


*            *            *

In: 'Vidas secas', cap. 9,  82ªed. Rio de Janeiro: Record. 2001. p. 85-91.

terça-feira, 28 de agosto de 2012

SIMONE - Quem é você?



Quem é você
Letra: Isolda ; Música: Eduardo Dusek
Interpretação: Simone (1995)

Quem será que me chega
na toca da noite?
Vem nos braços de um sonho
que eu não desvendei...
Eu conheço o teu beijo,
Mas não vejo o teu rosto.
Quem será que eu amo
E ainda não encontrei?

Que sorriso aberto...
ou olhar tão profundo...
Que disfarce será que usa
pro resto do mundo?

Onde será que você mora?
Em que língua me chama?
Em que cena da vida
Haverá de comigo cruzar?

Que saudade é essa
do amor que eu não tive?
Por que é que te sinto se nunca te vi?
Será que são lembranças
de um tempo esquecido?
Ou serão previsões
de te ver por aqui...?

Então vem!

Me desvenda esse amor
que me faz renascer.
Faz do sonho algo lindo
que me faça viver.

Diz se fiz com os céus algum trato,
esclarece esse fato
e me faz compreender
esse beijo, esse abraço na imaginação;
e descobre o que guardo pra ti
no meu coração.

Mas deixa eu sonhar, deixa eu te ver,
vem e me diz: quem é você?



*        *        *

segunda-feira, 27 de agosto de 2012

ALMA - Sueli Costa

Acredito ser importante a preservação do cancioneiro popular.
Muitas letras de músicas são verdadeiros poemas. Às vezes são escritas para aquela música, outras vezes são musicadas depois de escritas.
Assim, um novo marcador: LÍNGUA AFINADA


Alma
Letra: Sueli Costa ; Música: Abel Silva
Interpretação: Simone (1982)


Há almas que têm
As dores secretas
As portas  abertas
Sempre pra dor
Há almas que têm
Juízo e vontade
Alguma bondade
E algum amor

Há almas que têm
Espaços vazios
Amores vadios
Restos de emoção
Há almas que têm
A mais louca alegria
Que é quase agonia
Quase profissão

A minha alma tem
Um corpo moreno
Nem sempre sereno
Nem sempre explosão
Feliz esta alma
Que vive comigo
Que vai onde eu sigo
O meu coração.

*        *        *

CERCA - Alexandre Souza

Cerca
Alexandre Sousa
 

E num rompante,
o que era arame
bateu asas e voou.
Cercou-me a liberdade
...em abraços ventilados
e desfarpado fiquei.


*          *          *


In: comunidade facebook 'Escrevendo e semeando'

CAMÕES - eterno


Busque Amor novas artes, novo engenho,
para matar-me, e novas esquivanças;
que não pode tirar-me as esperanças,
que mal me tirará o que eu não tenho.

...Olhai de que esperanças me mantenho!
Vede que perigosas seguranças!
Que não temo contrastes nem mudanças,
andando em bravo mar, perdido o lenho.

Mas, conquanto não pode haver desgosto
onde esperança falta, lá me esconde
Amor um mal, que mata e não se vê.

Que dias há que n'alma me tem posto
um não sei quê, que nasce não sei onde,
vem não sei como, e dói não sei por quê.
 
Luís de Camões


In: Lírica, seleção, prefácio e notas de Massaud Moisés, S.Paulo, Cultrix, 1981
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quinta-feira, 23 de agosto de 2012

OLAVO BILAC - Remorso

Tela - Salvador Dalí
Remorso ou Esfinge incorporados na Areia

Remorso
Olavo Bilac

 
Às vezes, uma dor me desespera...
Nestas ânsias e dúvidas em que ando.
Cismo e padeço, neste outono, quando
Calculo o que perdi na primavera.

Versos e amores sufoquei calando,
Sem os gozar numa explosão sincera...
Ah! Mais cem vidas! com que ardor quisera
Mais viver, mais penar e amar cantando!

Sinto o que desperdicei na juventude;
Choro, neste começo de velhice,
Mártir da hipocrisia ou da virtude,

Os beijos que não tive por tolice,
Por timidez o que sofrer não pude,
E por pudor os versos que não disse!

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Fonte: comunidade facebook 'Lua de provérbia'

SOPHIA DE MELLO BREYNER ANDRESEN

Porque os outros se mascaram mas tu não
Sophia de Mello Breyner Andresen


Porque os outros se mascaram mas tu não
Porque os outros usam a virtude
Para comprar o que não tem perdão.

...Porque os outros têm medo mas tu não
Porque os outros são os túmulos caiados
Onde germina calada a podridão.

Porque os outros se calam mas tu não

Porque os outros se compram e se vendem
E os seus gestos dão sempre dividendo.
Porque os outros são hábeis mas tu não.

Porque os outros vão à sombra dos abrigos
E tu vais de mãos dadas com os perigos.
Porque os outros calculam mas tu não.

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terça-feira, 21 de agosto de 2012

CLARICE LISPECTOR - Dois textos instigantes...

Se eu fosse eu
Clarice Lispector


Quando eu não sei onde guardei um papel importante e a procura revela-se inútil, pergunto-me: se eu fosse eu e tivesse um papel importante para guardar, que lugar escolheria? Às vezes dá certo. Mas muitas vezes fico tão pressionada pela frase "se eu fosse eu", que a procura do papel se torna secundária, e começo a pensar, diria melhor, sentir.

E não me sinto bem. Experimente: se você fosse você, como seria e o que faria? Logo de início se sente um constrangimento: a mentira em que nos acomodamos acabou de ser locomovida do lugar onde se acomodara. No entanto já li biografias de pessoas que de repente passavam a ser elas mesmas e mudavam inteiramente de vida.

Acho que se eu fosse realmente eu, os amigos não me cumprimentariam na rua, porque até minha fisionomia teria mudado. Como? Não sei.

Metade das coisas que eu faria se eu fosse eu, não posso contar. Acho por exemplo, que por um certo motivo eu terminaria presa na cadeia. E se eu fosse eu daria tudo que é meu e confiaria o futuro ao futuro.

"Se eu fosse eu" parece representar o nosso maior perigo de viver, parece a entrada nova no desconhecido.

No entanto tenho a intuição de que, passadas as primeiras chamadas loucuras da festa que seria, teriamos enfim a experiência do mundo. Bem sei, experimentaríamos emfim em pleno a dor do mundo. E a nossa dor aquela que aprendemos a não sentir. Mas também seríamos por vezes tomados de um êxtase de alegria pura e legítima que mal posso adivinhar. Não, acho que já estou de algum modo adivinhando, porque me senti sorrindo e também senti uma espécie de pudor que se tem diante do que é grande demais.

**


Tempestade de almas
Clarice Lispector

Ah, se eu sei, não nascia, ah, se eu sei, não nascia.
A loucura é vizinha da mais cruel sensatez.
Engulo a loucura porque ela me alucina calmamente.
O anel que tu me deste era de vidro e se quebrou e o amor não acabou, mas em lugar de, o ódio dos que amam.
A cadeira me é um objeto. Inútil enquanto a olho.

Diga-me por favor que horas são para eu saber que estou vivendo nesta hora.
A criatividade é desencadeada por um germe e eu não tenho hoje esse germe mas tenho incipiente a loucura que em si mesma é criação válida. Nada mais tenho a ver com a validez das coisas. Estou liberta ou perdida.

Vou-lhes contar um segredo: a vida é mortal. Nós mantemos esse segredo em mutismo cada um diante de si mesmo porque convém, senão seria tornar cada instante mortal.

O objeto cadeira sempre me interessou. Olho esta que é antiga, comprada num antiquário, e estilo império; não se poderia imaginar maior simplicidade de linhas, contrastando com o assento de feltro vermelho.
Amo os objetos à medida que eles não me amam.

Mas se não compreendo o que escrevo a culpa não é minha.
Tenho que falar pois falar salva. Mas não tenho uma só palavra a dizer. As palavras já ditas me amordaçaram a boca. O que é que uma pessoa diz à outra? Fora "como vai?"
Se desse a loucura da franqueza, que diriam as pessoas às outras? E o pior é o que se diria uma pessoa a si mesma, mas seria a salvação, embora a franqueza seja determinada no nível consciente e o terror da franqueza vem da parte que tem no vastíssimo inconsciente que me liga ao mundo e à criadora inconsciência do mundo.

Hoje é dia de muita estrela no céu, pelo menos assim promete esta tarde triste que uma palavra humana salvaria.

Abro bem os olhos, e não adianta: apenas vejo. Mas o segredo, este não vejo nem sinto.

A eletrola está quebrada e não viver com música é trair a condição humana que é cercada de música.
Aliás, música é uma abstração do pensamento, falo de Bach, de Vivaldi, de Haendel.

Só posso escrever se estiver livre, e livre de censura, senão sucumbo.

Olho a cadeira estilo império e dessa vez foi como se ela também me tivesse olhado e visto.

O futuro é meu enquanto eu viver.
No futuro vai ter mais tempo de viver, e, de cambulhada escrever.
No futuro, se diz: se eu sei, eu não nascia.

Marli de Oliveira, eu não escrevo cartas pra você porque só sei ser íntima. Aliás eu só sei em todas as circunstâncias ser íntima: por isso sou mais uma calada.

Tudo o que nunca se fez, far-se-á um dia?
O futuro da tecnologia ameaça destruir tudo o que é humano no homem, mas a tecnologia não atinge a loucura; e nela então o humano do homem se refugia.

Vejo as flores na jarra: são flores do campo, nascidas sem se plantar, são lindas e amarelas.
Mas minha cozinheira disse: mas que flores feias.
Só porque é difícil compreender e amar o que é espontâneo e franciscano.
Entender o difícil não é vantagem, mas amar o que é fácil de se amar é uma grande subida na escala humana.

Quantas mentiras sou obrigada a dar. Mas comigo mesma é que eu queria não ser obrigada a mentir. Senão, o que me resta? A verdade é o resíduo final de todas as coisas, e no meu inconsciente está a verdade que é a mesma do mundo.

A Lua é, como diria Paul Éluard, éclatante de silence.
Hoje não sei se vamos ter Lua visível pois já se torna tarde e não a vejo no céu.
Uma vez eu olhei de noite para o céu circunscrevendo-o com a cabeça deitada para trás, e fiquei tonta de tantas estrelas que se vêem no campo, pois, o céu do campo é limpo.

Não há lógica, se se for pensar um pouco, na ilogicidade perfeitamente equilibrada da natureza. Da natureza humana também.
O que seria do mundo, do cosmos, se o homem não existisse.

Se eu pudesse escrever sempre assim como estou escrevendo agora eu estaria em plena tempestade de cérebro que significa brainstorm.

Quem terá inventado a cadeira? Alguém com amor por si mesmo. Inventou então um maior conforto para o seu corpo.
Depois os séculos se seguiram e nunca mais ninguém prestou realmente atenção a uma cadeira, pois usá-la é apenas automático.

É preciso ter coragem para fazer um brainstorm: nunca se sabe o que pode vir a nos assustar.

O monstro sagrado morreu: em seu lugar nasceu uma menina que era sozinha.

Bem sei que terei de parar, não por causa de falta de palavras, mas porque essas coisas, e sobretudo as que eu só pensei e não escrevi, não se usam publicar em jornais.


In "Onde estivestes de noite" - 7ª Ed. - Ed. Francisco Alves - Rio de Janeiro - 1994
*            *            *

domingo, 19 de agosto de 2012

25 ANOS SEM DRUMMOND

(...)


"Amor é bicho instruído
Olha: o amor pulou o muro
o amor subiu na árvore
em tempo de se estrepar.
Pronto, o amor se estrepou.
Daqui estou vendo o sangue
que escorre do corpo andrógino.


Essa ferida, meu bem
às vezes não sara nunca
às vezes sara amanhã."
 
Carlos Drummond de Andrade

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Fonte:  comunidade facebook "Viciados em livros"

sábado, 18 de agosto de 2012

OLINDA RIBEIRO - Dois poemas

Dissonância

Toda a poesia que se perde
Por preguiça, incomodo, ou desleixo,
São poemas da alma onde fecho
O “sentir” embrionário e verde.

Tantas coisas tenho para dizer
Porquês de vida querendo resposta
Calamidades internas onde a aposta
É o ego soltar a opressão que me faz sofrer.

Não deixar os tumultos internos prevalecer
É controlar a revolta interna do meu existir.
Mas tudo é errado e incongruente.

E sem que a vontade mande, todo o meu ser
Explodiu em obesidade física e mental, fazendo colidir
A liberdade e o direito ao que a alma sente.

2012 Olinda Ribeiro

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Que rico dia

Hoje vivi intensamente!
Apanhei uma forte chuvada
Senti o vento no rosto
E por intrépidos momentos
Não pensei em nada

Isto sim é que é Vida!


2012 Olinda Ribeiro



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quarta-feira, 15 de agosto de 2012

PERGUNTINHA


"Se há tanta paz no azul que o céu abriga,
e há tanto azul que tanto bem nos faz;
se há tanto azul e há tanto céu, me diga:
Por que é que o homem não encontra a paz?"

*        *        *

(Desconheço a autoria. Se alguém souber, por favor...)



Em 18 de agosto de 2012, sábado

Agradeço a boa vontade de Brendo que me informou a autoria.  Abaixo, o texto completo do lindo poema de Luna Fernandes:


Se há tanta paz...
Luna Fernandes


Se há tanta paz no azul que o céu abriga,
E há tanto azul que tanto bem nos faz,
Se há tanto azul e há tanto céu, me diga
Por que é que o homem não encontra a paz?

Se há tanta paz no verde-mar da onda
Que faz-se verde e em branco se desfaz,
Se há tanta onda pelo mar, responda:
Por que é que o homem não encontra a paz?

Se há tanta paz no olor das multicores
Flores: orquídeas, rosas, manacás...
Se há tanta paz em cada flor e há tantas flores
Por que é que o homem não encontra a paz?

Se há tanta paz nos cânticos suaves
Que entoam na alvorada os sabiás,
Se há paz num canto de ave e há tantas aves,
Por que é que o homem não encontra a paz?

Se há tanta paz na brisa que desliza
Sobre as folhagens, tímida e fugaz;
Se há tanta paz na brisa e há tanta brisa,
Por que é que o homem não encontra a paz?

Se há tanta paz nas expressões tão mansas
Que ao vir ao mundo uma criança traz,
E cada dia existem mais crianças,
Por que é que o homem não encontra a paz?

Se há tanta paz nos corações com fé
Que atrai o bem e afasta as coisas más,
Então oremos juntos, todos de pé,
Para que o homem encontre um dia a paz!

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terça-feira, 14 de agosto de 2012

"RAZÃO E SENSIBILIDADE"


By Carl Vilhelm Holsøe, from Denmark (1863 - 1935)
- Oil on canvas -

[Danish School of Interior Painting. Beginning, founded in 1888]

 Às vezes, precisamos parar um pouco, pensar no que já dissemos sobre os nossos gostos e preferências e talvez reformular alguns conceitos.  É mais ou menos o que está acontecendo sobre o que sinto quanto às redes sociais.
Não se trata de esnobismo, mas mantenho perfil em uma rede social pela facilidade de comunicação com minha família e alguns amigos. Recentemente, entretanto, tenho recebido inúmeras manifestações de carinho e atenção de muita gente e fico muito comovida.

Este quadro, por exemplo, foi postado em meu mural por alguém que conheço apenas virtualmente, de longe - Belém do Pará - e que, no entanto, prestou atenção no meu modo de ser e de apreciar a vida. Não é pouco, nesse mundo de tanto individualismo.
Evidentemente, trata-se de pessoa de extrema sensibilidade e a quem eu havia contado uma historinha curta da minha longínqua infância. Aqui, pretendo me estender um pouquinho. Afinal, tenho esse direito.
 
Vejam só: episódio que ficou numa época raramente lembrada porque a vida transcorre em meio a turbulências e calmarias, eliminando ou 'arquivando'  o já vivido.

Quando meus pais foram alertados sobre a possível tendência que eu teria para a música, resolveram me matricular no Conservatório de Música da cidade onde morávamos. E lá fomos nós - eu, bem preocupadinha com a novidade (devia ter uns sete ou oito anos de idade).  As várias salas e saletas do casarão antigo abrigavam instrumentos diversos, estrategicamente ali colocados para despertar o interesse de pais e alunos.  Durante a visita de reconhecimento passamos por várias destas salas - algumas estavam em plena atividade de aula, e os sons eram realmente diferentes e maravilhosos.

Pois bem, enquanto os adultos conversavam acertando detalhes práticos, eu fui bisbilhotando sala por sala. Uma em particular me chamou a atenção pelo som do instrumento diferente que eu ouvia pela primeira vez assim, sem acompanhamento, num solo que, hoje, costumo dizer que foi o 'canto de sereia', arrebatador aos meus ouvidos infantis porém espertos.

Fiquei realmente fascinada e olhava fixamente para as mãos de dois dos alunos que ali estavam - dois meninos. Ouvi o professor interrompendo algumas vezes a execução para corrigir alguma coisa. Suas palavras eram enérgicas mas ao mesmo tempo incentivadoras.

Meu pai, então, chamou-me para comunicar que me matriculara no curso de Piano, o instrumento mais apropriado para as meninas, segundo explicou a diretora da escola. (Estou entregando um pouquinho a época e a minha idade, rsrsrsrs).  Naquele tempo, raros eram os casos de enfrentamento ou desobediência às decisões paternas. E, afinal, eu gostava de Música, não me importando de que modo e em qual instrumento seria executada. Fiquei feliz e disciplinadamente iniciei meu curso de Piano.

Para mim, o som mais atraente era a da sala de aula de Violoncelo, instrumento pouco 'adequado' - na época - aos 'modos' femininos de se sentar.  Coisa mais doida, não?

Pensando bem: não conheço violoncelistas mulheres mais maduras. São sempre jovens. Bom que os tempos tenham mudado!

Resumo: não cheguei a ser uma pianista, mas gosto de tocar até para mim mesma. Minhas filhas também gostam e tocam um pouco. Em nossa casa os  'saraus' particulares eram frequentes e divertidos. Elas criavam historinhas musicadas, enfim, bem diferente da fixação na TV. Isso passou, mas ficou na memória afetiva.

Simples, agora, entender a gratidão e emoção de receber um agrado assim numa rede social.

Obrigada, Telma, de Belém do Pará. Você me trouxe uma linda recordação da minha infância.

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sábado, 11 de agosto de 2012

ADÉLIA PRADO - Na terra como no céu

Na terra como no céu
Adélia Prado

Nesta hora da tarde
quando a casa repousa
a obra de minhas mãos
é esta cozinha limpa.

...Tão fácil
um dia depois do outro
e logo estaremos juntos
nas "colinas eternas".

Recupera meu corpo
um modo de bondade
a que me torna capaz
de produzir um verso.

Compreendes-me, Altíssimo?
Ele não responde.
dorme também a sesta.



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quarta-feira, 8 de agosto de 2012

GUIMARÃES ROSA - Primeiras estórias


"Primeiras estórias" 
12ª ed. Rio de Janeiro, J.Olympio, 1981
Guimarães Rosa

Livro publicado em 1962, traz vinte e uma narrativas preocupadas em tematizar, simbolicamente, os segredos da existência humana. Pertence ao terceiro movimento do Modernismo Brasileiro.
Neste post, selecionei trechos dos cinco primeiros contos.


(...) "Mal podia com o que agora lhe mostravam, na circuntristeza: o um horizonte, homens no trabalho de terraplenagem, os caminhões de cascalho, as vagas árvores, um ribeirão de águas cinzentas, o velame-do-campo apenas uma planta desbotada, o encantamento morto e sem pássaros, o ar cheio de poeira.  
Sua fadiga, de impedida emoção, formava um medo secreto: descobria o possível de outras adversidades, no mundo maquinal, no hostil espaço; e que entre o contentamento e a desilusão, na balança infidelíssima, quase nada medeia."  
"As margens da alegria", p.6

**

(...) "Só aí se chegou, beirando-me a janela, aceitava um copo d'água. Disse-me : - "Não há como que as grandezas machas duma pessoa instruída!" 
Seja que de novo, por um mero se torvava? Disse: - "Sei lá, às vezes o melhor mesmo pra esse moço do Governo, era ir-se embora, sei não..."  Mas mais sorriu, apagara-se-lhe a inquietação. Disse : - "A gente tem cada cisma de dúvida boba, dessas desconfianças... Só pra azedar a mandioca..."  
Agradeceu, quis me apertar a mão. Outra vez, aceitaria de entrar em minha casa. Oh, pois.
Esporou, foi-se, o alazão, não pensava no que o trouxera, tese para alto rir, e mais, o famoso assunto."
"Famigerado", p. 12

**

(...) " Ele se sacudiu, de um jeito arrebentado, desacontecido, e virou, pra ir-s'embora.  Estava voltando para casa, com se estivesse indo para longe, fora de conta.
Mas, parou.  Em tanto que se esquisitou, parecia que ia perder o de si, parar de ser.  Assim num excesso de espírito, fora de sentido.  
E foi o que não  se podia prevenir: quem ia fazer siso naquilo?  Num rompido - ele começou a cantar, alteado, forte, mas sozinho para si - e era a cantiga mesma, de desatino, que as duas tanto tinham cantado. Cantava continuando."
"Sorôco, sua mãe, sua filha" , p.16

**
(...) "Conversávamos, agora. Ela apreciava o casacão da noite, - "Cheiinhas!" - olhava as estrelas, deléveis, sobre-humanas.  Chamava-as de "estrelinhas pia-pia".  Repetia: - "Tudo nascendo!" - essa sua exclamação dileta, em muitas ocasiões, com o deferir de um sorriso. 
E o ar.  Dizia que o ar estava com cheiro de lembrança. - "A gente não vê quando o vento acaba..."   Estava no quintal, vestidinha de amarelo. O que falava, às vezes era comum, a gente é que ouvia exagerado: - "Alturas de urubuir..."  Não dissera só: - " ...altura de urubu não ir..."   
O dedinho chegava quase no céu.  Lembrou-se de: - "Jabuticaba de vem-me-ver..."  Suspirava, depois: - "Eu quero ir para lá."  - Aonde?  - "Não sei." 
Aí, observou: - "O passarinho desapareceu de cantar..."   De fato, o passarinho tinha estado cantando, e, no escorregar do tempo, eu pensava que não estivesse ouvindo;  agora, ele se interrompera. "
"A menina de lá", p. 18

**

(...) "Demos, os Dagobés, gente que não prestava. Viviam em estreita desunião, sem mulher em lar, sem mais parentes, sob a chefia despótica do recém-finado.  Este fora o grande pior, o cabeça , ferrabrás e mestre, que botara na obrigação da ruim fama os mais moços - 'os meninos', segundo seu rude dizer."
"Os irmãos dagobé", p. 22

*            *            *

SEMPRE BRILHARÁ - Celso Blues Boy

Publicado no Facebook por minha filha Letícia, em 07/08/2012, em bonita homenagem a um dos maiores guitarristas brasileiros de blues.  
A notícia é triste, mas, certamente ele SEMPRE BRILHARÁ.




O cantor Celso Blues Boy morreu na manhã desta segunda-feira (6) em Joinville, no Norte de Santa Catarina. 
O músico tinha 56 anos e sofria câncer de garganta. 

Cantor, compositor e guitarrista, Celso Ricardo Furtado de Carvalho nasceu no Rio de Janeiro, em janeiro de 1956.
Na década de 1970, com apenas 17 anos, começou a tocar profissionalmente com Raul Seixas, além de acompanhar nomes da MPB como Sá & Guarabyra e Luiz Melodia.
Seu nome artístico é uma homenagem ao seu ídolo B.B. King, com quem chegou a tocar na década de 1980.
Vascaíno, foi guitarrista das bandas Legião Estrangeira e Aero Blues, considerado o primeiro grupo de blues do Brasil.
Em 1980 passou a ser mais conhecido, quando mandou uma fita para a Rádio Fluminense, no Rio, voltada para o repertório roqueiro. Quatro anos depois gravou seu primeiro disco, 'Som na Guitarra', que inclui seu maior sucesso: 'Aumenta que Isso Aí É Rock'n Roll'.

Entre 1986 e 2011, Celso lançou mais nove álbuns, como 'Marginal blues' (1986), 'Quando a noite cai' (1989), 'Indiana Blues' (1996) e 'Vagabundo errante' (1999). Em 2008, foi lançado seu primeiro e único DVD ao vivo. 'Quem foi que falou que acabou o rock 'n roll?', gravado no Circo Voador, no Rio de Janeiro, também saiu em CD.

Seu último CD foi lançado ano passado. Intitulado 'Por um monte de Cerveja', o álbum possui 13 canções, como 'Beth Carvalho Quer Comprar o Meu Fuscão' e 'Odeio Rock'n'Roll', com participação dos Detonautas.
Celso Blues Boy morava há 15 anos em Joinville.

Cantor, guitarrista e compositor, Blues Boy começou a tocar com Raul Seixas na década de 70 (Foto: Arquivo Pessoal)
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quinta-feira, 2 de agosto de 2012

BRANCA DE NEVE E O CAÇADOR - filme

A rainha má e o terror de envelhecer
Neste conto de fadas para mulheres adultas, uma ruga vale uma alma


Eliane Brum, Revista “Época” 16/06/2012

"Branca de Neve e o Caçador"(Rupert Sanders, 2012), em cartaz nos cinemas, deveria se chamar “Ravenna, a rainha má”. Interpretada pela maravilhosa Charlize Theron, a mãe-madrasta-bruxa da princesa é o mais interessante do filme, assim como as questões tão atuais que ela nos traz.
E a bela Charlize faz uma rainha inesquecível. Para não envelhecer, essa vilã dos contos de fadas ultrapassa todos os limites e quebra todos os interditos.
Uma mulher da era a.CP (antes da cirurgia plástica), Ravenna suga a alma, a juventude e a beleza das adolescentes e devora corações puros, que arranca com suas unhas, enquanto chafurda na amargura.
 (...)

No filme, a rainha má assim é por ter sofrido no passado o abuso de homens que, nas suas palavras, sugaram tudo dela e, quando ela começou a envelhecer e a perder a beleza, a trocaram por uma mais jovem.
Roteiro prosaico de nossos dias, mas tanto na vida real como na ficção soa inconsistente.
Uma desculpa meio esfarrapada para justificar tanta destruição – e autodestruição.
Nestes momentos, em que evoca a suposta sina das mulheres e a suposta voracidade dos homens, a rainha nos constrange com sua superficialidade de almanaque.
Mas não deixa de ser interessante observar que supostamente também seria para o desejo dos homens que as mulheres do nosso tempo se submetem ao inimaginável na tentativa de permanecerem jovens e belas. Será?

Um dos momentos mais interessantes do filme se dá no encontro de Branca de Neve com uma comunidade de mulheres que, para se manterem a salvo da sanha da rainha, fazem marcas no próprio rosto.
Até as crianças têm a face assinalada por cicatrizes sem história.
Numa concepção de beleza em que as marcas da vida estragam o rosto, essas mulheres só podiam sobreviver se arruinassem a beleza – e, com ela, o interesse da rainha.
É, portanto, no olhar da rainha que está o desprezo pelo corpo assinalado pela passagem do tempo – e não (apenas) no olhar dos homens.
É só ao incorporar a recusa em envelhecer que a rainha se torna de fato um objeto.

Alguma semelhança com nossa época? Me parece que toda.
O terror só é terror se houver estranhamento. Estranha-se aquilo que, no fundo, é familiar.
O terror é o conhecido que fingimos desconhecido, é nosso estranho íntimo. Se fosse totalmente estranho, não captaria nossa atenção.
É preciso ser um estranho que ecoa no que estranhamos em nós. Ou um estranho que reconhecemos em nós, mesmo sem jamais admitirmos conscientemente.
Para isso serviram desde sempre os contos de fadas, ao nos dar a possibilidade de lidar com nossos fantasmas e medos através dos personagens, nossos outros arquetípicos.
Nesse sentido, a rainha má é um conto de fadas para mulheres adultas.

É fácil escandalizar-se com a louca obcecada pela juventude que persegue as mais jovens, prontas a desbancá-la em beleza, como uma serial killer gótica.
Mas é menos fácil escandalizar-se com o número cada vez maior de mulheres sem nenhum problema de saúde ou deformação que se submetem a uma cirurgia na tentativa, ao final sempre ilusória, de eliminar as marcas da passagem do tempo.

Para nós tornou-se corriqueiro, mas para alguém de outra cultura ou de outro tempo, soaria como um filme de terror ser apagada por uma anestesia e ser cortada por um bisturi.
Sangue, gordura, fluidos. Tira um naco de um lugar para botar em outro, implanta um corpo estranho em formato de bola no peito, estica a pele do rosto com fio de ouro.
Arrisca-se a morrer, apenas para submeter-se ao padrão estético do momento ou apagar rugas que voltarão mais cedo do que tarde.
Conforme o lugar de onde se olha para essas cenas, hoje banalizadas, é um filme dos mais aterrorizantes.

A diferença, com a rainha má, é que ela deu um jeito de que as outras paguem o preço de sua incapacidade de suportar o envelhecer. Mas só até certo ponto.
Porque nem mesmo a sua mágica é suficiente para eliminar as marcas dentro dela, não há feitiço capaz de apagar o vivido.
E, povoada por memórias que sangram sem a chance de virar cicatrizes, ela naufraga em desgosto, a tal ponto que se torna difícil compreender por que, afinal, ela quer tanto ser jovem e ser bela, se continua tão desgraçadamente infeliz com sua existência.

Como o belo corpo e o belo rosto da rainha má, parece-me que os corpos e os rostos flagelados de hoje são mais para serem olhados do que tocados.
Cortados, manipulados e emendados pelo bisturi do cirurgião, em geral um homem, este corpo não é feito para se fundir com nenhum outro.
É mais um objeto que se oferece como imagem, apenas. Porque o toque sempre deixará uma marca. O toque é sempre um risco.
E, como para a rainha má, para muitas mulheres é melhor não se arriscar a ser alcançada por um outro que verá além do que é dado para ver, verá também as marcas que não podem ser apagadas. E fará outras marcas, que também não poderão ser eliminadas.
Viver, afinal, é ser marcado e marcar.

O corpo e o rosto da rainha má não são para ninguém – nem para si mesma, como ela parece se iludir.
O espelho mágico, aquele que olha e olha para além do que está na sua frente, é um dos grandes achados dessa versão.
Ao ser invocado, ele desprega-se da parede e materializa-se como uma entidade masculina.
Em vez de refletir a imagem externa da rainha, porém, ou lhe mostrar o mundo além do castelo, o espelho dá voz à sua imagem interior, ao avesso da rainha, ao lado de dentro. Vocaliza seus medos mais profundos e, de certo modo, a autoriza a praticar seus crimes, mas é apenas um eco.

É um diálogo consigo mesma – e não com um outro o que acontece nesse momento.
A rainha má, desesperada por beleza e juventude, movida por um desejo que ela diz ser do mundo masculino e não dela, não é refletida nem mesmo pelo espelho. E, sem o olhar de um outro que nos reconheça, não há como se saber.
É assim que ela se perde, porque não há quem a encontre.

É no medo de se perder no outro que a rainha se perde de fato. E, ao tentar matar Branca de Neve, na cena clássica da maçã envenenada, a mãe-madrasta vai desferindo conselhos à filha-enteada. “Você sempre se perde quando se deixa levar pelo amor”.
E então, totalmente perdida, grita como uma louca que não se escuta: “Você tem sorte de morrer antes de envelhecer”.

E fracassa. É claro que fracassa. Nós todos conhecemos o final.


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GUIMARÃES ROSA (sempre)





ALBERT EINSTEIN

Albert Einstein
Ulm, Alemanha, 14 de março de 1879 - Princeton , Estados Unidos,  18 de abril de 1955

“Não sou ateísta e não acho que posso me chamar de panteísta.
Estamos na situação de uma criança que entra em uma enorme biblioteca cheia de livros escritos em muitas línguas.
A criança sabe que alguém escrevera aqueles livros, mas não sabe como.
Não entende os idiomas nos quais eles foram escritos.
Suspeita vagamente que os livros estão arranjados em uma ordem misteriosa, que ela não compreende.
Isso, me parece, é a atitude dos seres humanos, até dos mais inteligentes, em relação a Deus. Vemos o universo maravilhosamente arranjado e obedecendo a certas leis, mas compreendemos essas leis apenas vagamente.
Nossa mente limitada capta a força misteriosa que move as constelações.”

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“Uma outra questão é a contestação da crença em um Deus personificado.
Freud endossou essa ideia em sua última publicação.
Eu próprio nunca assumiria tal tarefa, porque tal crença me parece preferível à falta de qualquer visão transcendental da vida, e imagino se seria possível dar-se, à maioria da humanidade, um meio mais sublime de satisfazer suas necessidades metafísicas.
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“Quem quer que tenha passado pela intensa experiência de conhecer bem-sucedidos avanços nesta área (ciência) é movido por profunda reverência pela racionalidade que se manifesta em existência… a grandeza da razão encarnada em existência.”
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“Todos os que seriamente se empenham na busca da ciência convencem-se de que as leis da natureza manifestam a existência de um espírito imensamente superior ao do homem, diante do qual nós, com nossos modestos poderes, devemos nos sentir humildes.”
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“Minha religiosidade consiste de uma humilde admiração pelo espírito infinitamente superior que se revela nos pequenos detalhes que podemos perceber com nossa mente frágil.
Essa convicção profundamente emocional da presença de um poder racional superior, que é revelado no incompreensível universo, forma minha ideia de Deus.”


Albert Einstein

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quarta-feira, 1 de agosto de 2012

CASIMIRO DE ABREU - O que é simpatia


O que é simpatia
Casimiro de Abreu

Simpatia - é o sentimento
que nasce num só momento,
sincero, no coração;
são dois olhares acesos
bem juntos, unidos, presos
numa mágica atração.

Simpatia - são dois galhos
banhados de bons orvalhos
nas mangueiras do jardim;
bem longe às vezes nascidos,
mas que se juntam crescidos
e que se abraçam por fim.

São duas almas bem gêmeas
que riem no mesmo riso,
que choram nos mesmos ais;
são vozes de dois amantes,
duas liras semelhantes,
ou dois poemas iguais.

Simpatia - meu anjinho,
é o canto de passarinho,
é o doce aroma da flor;
são nuvens dum céu d'agosto
é o que m'inspira teu rosto...
- Simpatia - é quase amor!

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Casimiro José Marques de Abreu 
Barra de São João, Rio de Janeiro 4 de janeiro de 1839 - Nova Friburgo, Rio de Janeiro 18 de outubro de 1860 
Um dos poetas mais populares do Romantismo Brasileiro.
Colaborou com as revistas O Espelho, Revista Popular, A Marmota e com o Jornal do Correio Mercantil.
Foi escolhido por Teixeira de Melo para patrono da cadeira nº 6 da Academia Brasileira de Letras no momento de sua fundação.

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