terça-feira, 30 de novembro de 2010

A,RUBINSTEIN- F.CHOPIN -NOTTURNO op 72 N.1 IN MI MINORE_0001.wmv



Noite...
desaconselháveis os adjetivos 
implícitos em toda noite
em qualquer noite
Não ouso contrariar nenhum dos mestres
Chopin e seus Noturnos
Drummond e sua poesia substantiva 
noite
é apenas noite
claridade de lua
leveza de brisa
Noite. 

Sueli
Resende, 30/11/10
*    *    *

"À medida que envelheço, vou me desfazendo dos adjetivos.
Chego a crer que tudo se pode dizer sem eles, melhor talvez do que com eles.
Por que "noite gélida", "noite solitária", "profunda noite"? Basta "a noite".
O frio, a solidão, a profundidade da noite estão latentes no leitor, prestes a envolvê-lo, à simples provocação dessa palavra noite."

CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE

*    *    *

JOSÉ PAULO PAES - Convite

Convite 
José Paulo Paes

Poesia
é brincar com palavras
como se brinca
com bola, papagaio, pião.

Só que
bola, papagaio,pião
de tanto brincar
se gastam.

As palavras não:
quanto mais se brinca
com elas
mais novas ficam.

Como a água do rio
que é água sempre nova.

Como cada dia
que é sempre um novo dia.

Vamos brincar de poesia?

*            *            *




AS SEM-RAZÕES DO AMOR - DRUMMOND

As sem-razões do amor
Carlos Drummond de Andrade
Eu te amo porque te amo,
Não precisas ser amante,
e nem sempre sabes sê-lo.
Eu te amo porque te amo.

Amor é estado de graça
e com amor não se paga.
Amor é dado de graça,
é semeado no vento,
na cachoeira, no eclipse.
Amor foge a dicionários
e a regulamentos vários.

Eu te amo porque não amo
bastante ou demais a mim.
Porque amor não se troca,
não se conjuga nem se ama.
Porque amor é amor a nada,
feliz e forte em si mesmo.

Amor é primo da morte,
e da morte vencedor,
por mais que o matem (e matam)
a cada instante de amor.
*        *       *

VOU ME EMBORA PRA PASÁRGADA- M.BANDEIRA

Vou-me embora pra Pasárgada
Manuel Bandeira

Vou-me embora pra Pasárgada
Lá sou amigo do rei
Lá tenho a mulher que eu quero
Na cama que escolherei

Vou-me embora pra Pasárgada

Vou-me embora pra Pasárgada
Aqui eu não sou feliz
Lá a existência é uma aventura
De tal modo inconsequente
Que Joana a Louca de Espanha
Rainha e falsa demente
Vem a ser contraparente
Da nora que eu nunca tive



E como farei ginástica
Andarei de bicicleta
Montarei em burro brabo
Subirei no pau-de-sebo
Tomarei banhos de mar!

E quando estiver cansado
Deito na beira do rio
Mando chamar a mãe-d'água
Pra me contar as histórias
Que no tempo de eu menino
Rosa vinha me contar

Vou-me embora pra Pasárgada

Em Pasárgada tem tudo
É outra civilização
Tem um processo seguro
De impedir a concepção
Tem telefone automático
Tem alcalóide à vontade
Tem prostitutas bonitas
Para a gente namorar

E quando eu estiver mais triste
Mas triste de não ter jeito
Quando de noite me der
Vontade de me matar
— Lá sou amigo do rei —
Terei a mulher que eu quero
Na cama que escolherei

Vou-me embora pra Pasárgada


Cheguei !

*           *            *

TAPIOCA

CUMÉ QUI É??!

Ainda bem... seria um problema ter que levar a casa à oficina....tstststtsts...





Brigadim, viu? Agora já posso seguir...

CECÍLIA MEIRELES - Canção


Canção
Cecília Meireles

Pus o meu sonho num navio
e o navio em cima do mar;
- depois, abri o mar com as mãos,
para o meu sonho naufragar

Minhas mãos ainda estão molhadas
do azul das ondas entreabertas,
e a cor que escorre de meus dedos
colore as areias desertas.

O vento vem vindo de longe,
a noite se curva de frio;
debaixo da água vai morrendo
meu sonho, dentro de um navio...

Chorarei quanto for preciso,
para fazer com que o mar cresça,
e o meu navio chegue ao fundo
e o meu sonho desapareça.

Depois, tudo estará perfeito;
praia lisa, águas ordenadas,
meus olhos secos como pedras
e as minhas duas mãos quebradas.

*       *       *

ARTE DE AMAR - MANUEL BANDEIRA


Arte de amar
Manuel Bandeira

Se queres sentir a felicidade de amar, esquece a tua alma.
A alma é que estraga o amor.
Só em Deus ela pode encontrar satisfação.
Não noutra alma.
Só em Deus — ou fora do mundo.

As almas são incomunicáveis.
Deixa o teu corpo entender-se com outro corpo.
Porque os corpos se entendem, mas as almas não.

*            *            *

domingo, 28 de novembro de 2010

O TAMANHO DA GENTE - MÁRIO QUINTANA

O tamanho da gente
Mário Quintana

O homem acha o Cosmos infinitamente grande
E o micróbio infinitamente pequeno.
E ele, naturalmente,
Julga-se do tamanho natural...
Mas, para Deus, é diferente:
Cada ser, para Ele, é um universo próprio.
E, a Seus olhos, o bacilo de Koch,
A estrela Sírius e o Prefeito de Três Vassouras
São todos infinitamente do mesmo tamanho...

*        *        *

ADÉLIA PRADO - Explicação da poesia sem ninguém pedir

EXPLICAÇÃO DA POESIA SEM NINGUÉM PEDIR
Adélia Prado


Um trem-de-ferro é uma coisa mecânica,
mas atravessa a noite, a madrugada, o dia,
atravessou minha vida,
virou só sentimento.

*        *        *

POÉTICA - MANUEL BANDEIRA

Poética
Manuel Bandeira

Estou farto do lirismo comedido
Do lirismo bem comportado
Do lirismo funcionário público com livro de ponto expediente
protocolo e manifestações de apreço ao Sr. diretor.
Estou farto do lirismo que pára e vai averiguar no dicionário
o cunho vernáculo de um vocábulo.
Abaixo os puristas
Todas as palavras sobretudo os barbarismos universais
Todas as construções sobretudo as sintaxes de exceção
Todos os ritmos sobretudo os inumeráveis
Estou farto do lirismo namorador
Político
Raquítico
Sifilítico
De todo lirismo que capitula ao que quer que seja
fora de si mesmo
De resto não é lirismo
Será contabilidade tabela de co-senos secretário do amante
exemplar com cem modelos de cartas e as diferentes
maneiras de agradar às mulheres, etc

Quero antes o lirismo dos loucos
O lirismo dos bêbedos
O lirismo difícil e pungente dos bêbedos
O lirismo dos clowns de Shakespeare

— Não quero mais saber do lirismo que não é libertação.
*            *            *




BIOLÓGICAS, EXATAS E...

BIOLÓGICAS, EXATAS E DESUMANAS - Rosana Hermann


Não terei tempo de procurar na rede o nome do culpado pela divisão das disciplinas de educação em três vertentes, mas de alguma forma o conhecimento formal ficou dividido em ciências biológicas, ciências exatas e ciências humanas. Acho lindo que tudo seja tratado de forma cientifica e organizada mas temo que esta tripartição não tenha sido um bom negócio, especialmente hoje, vendo que duas pernas se desenvolveram e uma ficou atrofiada. O homem passeia em Marte com seu robô e envia imagens ao vivo, com exatidão tecnológica surpreendente. Aqui na Terra, clona-se seres vivos e as esperanças de cura se renovam com o desenvolvimento de pesquisas com células-tronco. O tripé do conhecimento desenvolveu pernas longas e bem torneadas para as exatas e biológicas. Infelizmente, com o crescimento das outras duas, a terceira perninha, as ciências humanas, que incluem coisas como a filosofia e a ética, ficou ali, atrofiada e penduradinha como um bilauzinho no inverno polar. E isso, tem tudo a ver com a crise humana do mundo atual. 

Estamos todos mais grotescos, mais rudes, mais estúpidos. Somos bem informados mas nos tornamos ignorantes. Temos automóveis com GPS mas dirigimos como trogloditas neuróticos. Viajamos pelo mundo inteiro mas temos preguiça de procurar o baldinho de lixo para jogar o papelzinho da bala. A falta de finesse é geral. Isso tudo, se não for coisa do demo, se não for a prova definitiva de que o projeto ‘ser humano’ não deu certo, só pode ser atribuído à falta de atenção que demos às ciências humanas, justamente aquelas mais sutis, que não dependem de equações, que não se baseiam nas medições matemáticas e não podem ser testadas em laboratório.

O vórtice vicioso que nos suga ralo abaixo passa por todas as estatísticas de descaso com as disciplinas que podem desenvolver o refinamento das pessoas. Não existem empregos para filósofos, sociólogos, pedagogos, historiadores, cientistas sociais. E, por não ter mercado, os estudantes não optam por estas matérias na hora de fazer o vestibular. Como a procura é pouca, há poucos cursos e etc. e tal.

O que fazer? Bem, esta é uma resposta para as ciências humanas também. Quem tiver sobrevivido na área terá que formular as soluções para esta crise de humanidade que vivemos hoje. Não sei onde o flower power murchou, onde o amor livre foi preso ou como a vida em fazendas cooperativas se transformou nesse mar de prédios de escritórios neuróticos baseados na competição. Só sei que temos que voltar até a bifurcação onde tomamos a trilha errada. Nesta trilha, ansiedade e depressão nos matam, o estresse e a má alimentação engordam, a ira destrói toda nossa capacidade de sentir e amar.

Eu, lentamente, comecei a voltar. E adoraria contar com todas as pessoas de bem, os irmãos de fé, os companheiros de jornada, os camaradas de ideologia, os humanos de coração, para um grande encontro de volta naquele velho ponto da bifurcação. Onde um dia, alguém colocou uma flor no cano de uma carabina.

Humanos, uni-vos.
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sexta-feira, 26 de novembro de 2010

MANIFESTO DA TERRA - Iveraldo Guimarães

O MANIFESTO DA TERRA
Iveraldo Guimarães

A Terra fez-me portador desta declaração que passo a vocês, e que tem o objetivo de conscientizá-los sobre a necessidade de preservar o nosso habitat.

Senhores Seres Humanos,
Hoje acordei aborrecida, com os olhos lacrimejantes de tanta fumaça, a pele irritada, certamente porque minha capa de ozônio está furada e meu ar tem mais ácido. Percorri com estes olhos ardidos os lagos, rios e mares; e os vi mais sujos. Depois chorei, devo confessar, chorei uma lágrima incontida para aliviar meu desgosto e desespero, quando notei que meu vestido, aquele verde, estava rasgado. Eu os culpo por boa parte desses transtornos e, para alertá-los, vou até contar algumas passagens da minha vida, alguns fatos que presenciei para que vocês entendam como reajo às agressões ou circunstâncias perigosas quando delas sou vítima.

Nasci num turbilhão cósmico há quatro e meio bilhões de anos, e já um bilhão de anos depois vi surgir sobre minha pele, ainda de constituição aquosa, uma multidão de células microscópicas as quais deram origem a outras vidas que explodiram numa profusão de vida. Há uns setecentos milhões de anos surgiu o sexo que acelerou a evolução biológica. Apareceram os vermes, as águas-vivas, os crustáceos e os vertebrados. Todos aquáticos. Algumas partes de minha epiderme secaram e se povoaram de insetos. Mais vertebrados. Começaram a chegar os mamíferos.

No torvelinho de minhas recordações, lembro os continentes separando-se, o nascimento do Atlântico, o frio arrepiante provocando a gênese da Antártica. Ao longo dessas modificações estruturais, que eu sofria, e da lenta passagem das eras geológicas, ocorreram momentos de necessários ajustamentos nas engrenagens vitais, o que me levou a exterminar muitos tipos de vida e criar outros tantos. Há quatro milhões e meio de anos, por exemplo, presenciei o momento em que vocês foram criados. Levantaram-se do pó, desceram das árvores e ficaram de pé. Acompanhei, então, sua evolução até os dias de hoje. Controlaram o fogo, complicaram a linguagem (até hoje falam demais), inventaram a agricultura e o anzol, disseminaram-se pelos continentes, trabalharam a cerâmica, fundiram o cobre, e começaram a escrever. Extasiei-me com seus estudos de Astronomia, deleitei-me ouvindo Homero declamando a Odisséia, e gostei das pregações de Lao- Tsu, Confúcio, Buda e Zoroastro. Nesse mesmo tempo, acompanhei a escrituração do Velho Testamento, em hebraico; ouvi Pitágoras dizer que tudo é número e que a natureza é harmoniosa (achei lindo!); testemunhei as idéias geniais e loucas de Platão, Aristóteles, Eudóxio; vibrei com a geometria de Euclides; me extasiei com Aristarco de Samos, quando afirmou que eu girava em torno do Sol.

Depois da Idade Média e das viagens de Marco Pólo, Colombo, Cabral, Cortez, Magalhães e outro sonhadores sobre meu corpo_ houve o início de uma seqüência de singulares descobertas científicas: Copérnico assombrou o mundo quando publicou Das revoluções; Galileu, a bordo de sua boemia, aproximou o céu de mim; Kepler demonstrou a elipse dos meus irmãos planetas; Isaac Newton compreendeu a força da gravidade e viu a luz dividir-se. Fiquei impressionada quando Charles Darwin disse quase tudo certinho sobre sua própria evolução, a qual eu já assistira. Mendel encontrou as chaves da genética e hoje vocês a manipulam brincando de Deus; os Curie, Planck, Becquerel abriram o túnel ao coração do átomo, permitindo a Bohr e Wheller fissioná-lo teoricamente. Enquanto isso, Einstein deformava o espaço-tempo e fundia numa união xifópaga a energia e a massa. E dessa maneira vocês fertilizaram o chão onde floresceria a rosa de Hiroxima.

Confesso que não pude deixar de rir quando fizeram um piquenique bobo na Lua e começaram a jogar no espaço geringonças eletrônicas, talvez pensando em deixar-me. Não farão falta, podem crer. Como me fariam falta se apesar de todos os conhecimentos que vocês vêm acumulando, enfeiam-me e me adoecem com suas atitudes devastadoras? Aceito as suas réplicas quando acusam que também poluo e degrado meu corpo com meus vulcões, terremotos, tempestades. É verdade, mas o faço dentro de limites estabelecidos para a continuidade da vida, de suas próprias vidas inclusive, coisa que vocês não sabem e não respeitam sequer.

Sei que sua Ciência é suficiente para diminuir tanta ignorância, pobreza e miséria, que contribuem de forma maciça para a minha deterioração; e é suficiente para usar-me criteriosamente rumo a um desenvolvimento sustentável. Mas, se continuarem o seu uso para prejudicar-me, ela não será suficiente para evitar que eu os destrua numa simples faxina doméstica. E se por acaso seu extermínio acontecer por suas próprias loucuras, como numa global poluição radioativa, química ou biológica, eu me recomporei um dia sobre seus fósseis, dando vida a outras vidas mais virtuosas. Estejam certos, ninguém deste mundo do futuro sentirá saudade de vocês, os piores inquilinos que já tive. Portanto, eduquem-se! Sinceramente, preocupadamente,

Terra.

Do livro: Os Veleiros do Infinito – Crônicas do Planeta Azul. 1999

quinta-feira, 25 de novembro de 2010

DESENCANTO - MANUEL BANDEIRA



Desencanto
Manuel Bandeira

Eu faço versos como quem chora
De desalento... de desencanto...
Fecha o meu livro, se por agora
Não tens motivo nenhum de pranto.

Meu verso é sangue. Volúpia ardente...
Tristeza esparsa... remorso vão...
Dói-me nas veias. Amargo e quente,
Cai, gota a gota, do coração.

E nestes versos de angústia rouca,
Assim dos lábios a vida corre,
Deixando um acre sabor na boca.

Eu faço versos como quem morre.
*        *        *

CANÇÃO DO MAR

DULCE PONTES - cantora portuguesa da atualidade.


quarta-feira, 24 de novembro de 2010

MARINA COLASANTI - Preciso para



PRECISO PARA
Marina Colasanti
Preciso que um barco atravesse o mar
lá longe
para sair dessa cadeira
para esquecer esse computador
e ter olhos de sal
boca de peixe
e o vento frio batendo nas escamas.
Preciso que uma proa atravesse a carne
cá dentro
para andar sobre as águas
deitar nas ilhas e
olhar de longe esse prédio
essa sala
essa mulher sentada diante do computador
que bebe a branca luz eletrônica
e pensa no mar.

*        *        *

terça-feira, 23 de novembro de 2010

MUDAMOS NÓS OU MUDARAM AS CRIANÇAS?


MUDAMOS NÓS OU MUDARAM AS CRIANÇAS?

(Nairzinha/ pesquisadora da Cultura da Brincadeira Brasileira)


Ser criança no terceiro milênio é fácil e prazeroso, ou um desafio aos nossos pequeninos?
O que acontece com eles quando a sociedade investe num amadurecimento precoce e exigente, impondo um modelo de pequeno adulto a ser seguido?
O que tem de diferente a criança do terceiro milênio? O acesso à internet, a velocidade das comunicações, o conhecimento precoce sobre temas como clonagem, violência, transplantes e seqüestros, balas perdidas, terrorismo, está mudando a natureza infantil?
Até que ponto o amigo virtual, a forma de brincar interagindo com a máquina, o vídeo game e sua ética de adquirir novas vidas todas as vezes que vence ou mata o adversário, o hábito de comprar brinquedos e não construí-los e usar muito mais os dedos que as pernas, a brincadeira sedentária e solitária, a presença da realidade substituindo a fantasia, roupas de adulto, salto alto, batom e o namoro precoce, sobretudo a sobrecarga de responsabilidade, horários e compromissos está mudando a identidade infantil?

Mudaram as crianças ou mudamos nós?
No contato com milhares de crianças, que a minha experiência profissional me permite, percebo que elas não mudaram. Têm um olhar encantador de manhãs douradas, têm mãos inquietas como as do criador, têm sorrisos abertos e doces como a brisa da tarde. Ganham tempo olhando formigas, sentindo a terra e provando o orvalho sempre que incentivadas.

Mudamos nós, que deixamos de falar de estrelas, sacis e cucas. Que esquecemos de olhar o céu, de ver o manto estrelado da noite, de pensar nas cores dos peixinhos do mar, nos brilhos dos raios do sol, nas cores do arco íris. De cantar e contar histórias.
Ficamos estáticos, deixamos de voar nas asas das borboletas e dos pirilampos. Trocamos a leveza dos sonhos e da fantasia pelo peso de uma realidade que cai sobre nossos ombros e nos paralisa de tanto cansaço. A nossa verdade ficou dura e a nossa realidade cinzenta.

Mudamos nós que apressamos a vida, que contabilizamos sorrisos, olhares, palavras e dinheiro, que fazemos das crianças seres como nós, que impomos etapas queimadas, que lhes impingimos agendas cheias de horários estressados, roubando deles o tempo e o espaço de ser criança, a ternura e a descomplicação de um ser que tem que ter seu tempo de crescer normal, para existir completo.

Mudamos nós, quando nos conformamos com o que foi feito das nossas crianças. Pequenos adultos com gastrite e colesterol, presos em apartamentos, longe do sol, expostos à solidão do brinquedo eletrônico. Aprendendo a vencer para não ser vencido, a matar para não ser morto, a confundir a vida real com a realidade virtual.

Mudamos nós quando esquecemos a simplicidade de uma brincadeira que favorece a intimidade e o toque, que aproxima mãos, olhares e corações, trocamos o pirulito-que-bate-bate, a lagarta pintada a pintalaínha, a brincadeira que investe na descoberta do outro na parceria na troca de informação e cooperação, pela passividade de telespectadores e cinéfilos.

Brinco com crianças toda a minha vida, aprendi com elas que benéfico é sempre o equilíbrio. Que elas tenham acesso a toda modernidade, mas também sejam garantidas horas livres, companheiros, espaços de vida ao ar livre, a oportunidade de inventar e criar seus próprios brinquedos, de conviverem entre si e interclasses, para aprenderem a respeitar o conhecimento alheio, valorizar a troca de saberes e desenvolverem uma convivência democrática e participativa na sociedade que tem na sua cultura da brincadeira, a identidade da infância brasileira.

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RUI BARBOSA ATUALÍSSIMO


SINTO VERGONHA DE MIM
Rui Barbosa - (1849-1923)

Sinto vergonha de mim por ter sido educador de parte desse povo,
por ter batalhado sempre pela justiça, por compactuar com a
honestidade, por primar pela verdade e por ver este povo já chamado
varonil enveredar pelo caminho da desonra.

Sinto vergonha de mim por ter feito parte de uma era
que lutou pela democracia, pela liberdade de ser e ter que entregar
aos meus filhos, simples e abominavelmente, a derrota das virtudes
pelos vícios, a ausência da sensatez no julgamento da verdade,
a negligência com a família, célula-mater da sociedade, a demasiada
preocupação com o "eu" feliz a qualquer custo, buscando a tal
"felicidade" em caminhos eivados de desrespeito para com o seu próximo.

Tenho vergonha de mim pela passividade em ouvir, sem despejar
meu verbo, a tantas desculpas ditadas pelo orgulho e vaidade,
a tanta falta de humildade para reconhecer um erro cometido,
a tantos "floreios" para justificar atos criminosos, a tanta relutância
em esquecer a antiga posição de sempre "contestar", voltar atrás e
mudar o futuro.

Tenho vergonha de mim pois faço parte de um povo
que não reconheço, enveredando por caminhos que não quero percorrer...

Tenho vergonha da minha impotência, da minha falta de garra,
das minhas desilusões e do meu cansaço.

Não tenho para onde ir pois amo este meu chão, vibro ao ouvir
meu Hino e jamais usei a minha Bandeira para enxugar o meu suor
ou enrolar meu corpo na pecaminosa manifestação de nacionalidade.
Ao lado da vergonha de mim, tenho tanta pena de ti, povo brasileiro!

De tanto ver triunfar as nulidades, de tanto ver prosperar a desonra,
de tanto ver crescer a injustiça, de tanto ver agigantarem-se os poderes
nas mãos dos maus, o homem chega a desanimar da virtude, a rir-se da
honra, a ter vergonha de ser honesto.

*           *           *
                                                     

HOMENAGEM A ANITA C.GLEE

GLEE - Season Finale Performance - "Over the Rainbow"

domingo, 21 de novembro de 2010

TRÊS POEMAS DE MÁRIO QUINTANA

Jardim Interior
Mário Quintana

Todos os jardins
deviam ser fechados,
com altos muros de um cinza muito pálido,
onde uma fonte
pudesse cantar
sozinha
entre o vermelho dos cravos.

O que mata um jardim não é mesmo
alguma ausência
nem o abandono...
O que mata um jardim
é esse olhar vazio
de quem por eles passa
indiferente.
**


Indivisíveis
Mário Quintana

O meu primeiro amor
sentávamos numa pedra
que havia num terreno baldio
entre as nossas casas.
Falávamos de coisas bobas
como qualquer troca de confidências
entre crianças de cinco anos.

Crianças...
Parecia que entre um e outro
nem havia ainda
a separação de sexos
a não ser o azul imenso
dos olhos dela
olhos que eu não encontrava
em ninguém mais,
nem no cachorro e no gato da casa,
apenas tinham
a mesma fidelidade
sem compromisso
e a mesma animal - ou celestial
inocência,
porque porque o azul dos olhos dela
tornava mais azul o céu:
não, não importava as coisas bobas que disséssemos.

Éramos um desejo de estar perto
tão perto
que não havia ali apenas
duas encantadas criaturas
mas um único amor
sentado sobre uma tosca pedra
enquanto a gente grande passava,
caçoava, ria-se, não sabia
que eles levariam procurando
uma coisa assim
por toda a sua vida.
**

A carta
Mário Quintana

Hoje encontrei dentro de um livro
uma velha carta amarelecida.
Rasguei-a sem procurar
ao menos saber de quem seria.

Eu tenho um medo horrível
a essas marés montantes do passado,
com suas quilhas afundadas,
com meus sucessivos cadáveres
amarrados aos mastros e gáveas...
Ai de mim,
Ai de ti, ó velho mar profundo
Eu venho sempre à tona
de todos os naufrágios.

*        *        *

BEETHOVEN SYMPHONY No. 6

UM FILME...

"GABY - UMA HISTÓRIA VERDADEIRA" - estréia do diretor Luiz Mandocki, em 1987.
(Gaby é portadora de grave deficiência física: não anda, não fala e movimenta apenas o pé esquerdo. Com enorme esforço e o incondicional amor de uma babá, consegue ir para a escola até o Ensino Médio. Está para entrar na Universidade, quando é acometida de desânimo e pensa em desistir.
Os trechos transcritos abaixo me impressionaram profundamente na época - há tantos anos...-  e marcaram, dali pra frente, um jeito de lidar comigo mesma.)

Um poema de Gaby:

"Como posso gritar
se não consigo falar?
Como posso deixar de amar,
com a semente
de uma mulher
dentro de mim?
Deus,
Se a vida é tantas coisas
que não sou e nunca serei,
dê-me forças
para ser o que sou."


O pai de Gaby conversa com ela...:

" (...) As coisas não são simples. Para ninguém. Nossas limitações podem ser menos aparentes, mas são reais como as suas. Talvez mais perigosas, por serem menos visíveis.
Você sabia que Beethoven era surdo quando compôs essa melodia? (o pai coloca no toca-discos um trecho de uma sinfonia do compositor alemão).
Como pôde compor uma música tão magnífica?  Ele ouviu de dentro, "aqui" dentro... (O pai aponta para a própria cabeça).  Um milagre. Mas um milagre que todos os homens compartilham. Fisicamente não somos diferentes dos macacos.  A verdadeira diferença está "aqui dentro" (aponta novamente para a própria cabeça) na música de Beethoven, nos textos de Kafka, nas cores de Van Gogh. Tudo é possível "aqui dentro" (mesmo gesto anterior).
Você não é incapaz. Você tem tudo o que é necessário para criar. Seu pé pode escrever as mesmas palavras que qualquer filósofo.
Nego-me a ter pena de você. Nós inventamos limitações que não existem.
A dificuldade é distinguir as limitações reais dos nossos próprios medos. "
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sábado, 20 de novembro de 2010

POIS É, PRA QUÊ?

MPB4 

DRUMMOND para CHARLES CHAPLIN

Canto ao homem do povo
Carlos Drummond de Andrade


Uma cega te ama. Os olhos abrem-se.
Não, não te ama.

Um rico, em álcool,
é teu amigo e lúcido repele
tua riqueza. A confusão é nossa, que esquecemos
o que há de água, de sopro e de inocência
no fundo de cada um de nós, terrestres. Mas, ó mitos
que cultuamos, falsos: flores pardas,
anjos desleais, cofres redondos, arquejos
políticos acadêmicos; convenções
do branco, azul e roxo; maquinismos,
telegramas em série, e fábricas e fábricas
e fábricas de lâmpadas, proibições, auroras.
Ficaste apenas um operário
comandado pela voz colérica do megafone.
És parafuso, gesto, esgar.
Recolho teus pedaços: ainda vibram,
lagarto mutilado.
Colo teus pedaços. Unidade
estranha é a tua, em mundo assim pulverizado.
E nós, que a cada passo nos cobrimos
e nos despimos e nos mascaramos,
mal retemos em ti o mesmo homem,
aprendiz
bombeiro
caixeiro
doceiro
emigrante
força
do
maquinista
noivo
patinador
soldado
músico
peregrino
artista de circo
marquês
marinheiro
carregador de piano
apenas sempre entretanto tu mesmo,
o que não está de acordo e é meigo,
o incapaz de propriedade, o pé
errante, a estrada
fugindo, o amigo
que desejaríamos reter
na chuva, no espelho, na memória
e todavia perdemos.
*        *        *

O ÚLTIMO DISCURSO - CHARLES CHAPLIN

CHARLES CHAPLIN - no filme "O Grande Ditador"



Chaplin em "O Grande Ditador"

Sinto muito, mas não pretendo ser um imperador. Não é esse o meu ofício. Não pretendo governar ou conquistar quem quer que seja. Gostaria de ajudar – se possível – judeus, o gentio... negros... brancos.

Todos nós desejamos ajudar uns aos outros. Os seres humanos são assim. Desejamos viver para a felicidade do próximo – não para o seu infortúnio. Por que havemos de odiar e desprezar uns aos outros? Neste mundo há espaço para todos. A terra, que é boa e rica, pode prover a todas as nossas necessidades.

O caminho da vida pode ser o da liberdade e da beleza, porém nos extraviamos. A cobiça envenenou a alma dos homens... levantou no mundo as muralhas do ódio... e tem-nos feito marchar a passo de ganso para a miséria e os morticínios. Criamos a época da velocidade, mas nos sentimos enclausurados dentro dela. A máquina, que produz abundância, tem-nos deixado em penúria. Nossos conhecimentos fizeram-nos céticos; nossa inteligência, empedernidos e cruéis. Pensamos em demasia e sentimos bem pouco. Mais do que de máquinas, precisamos de humanidade. Mais do que de inteligência, precisamos de afeição e doçura. Sem essas virtudes, a vida será de violência e tudo será perdido.

A aviação e o rádio aproximaram-nos muito mais. A própria natureza dessas coisas é um apelo eloqüente à bondade do homem... um apelo à fraternidade universal... à união de todos nós. Neste mesmo instante a minha voz chega a milhares de pessoas pelo mundo afora... milhões de desesperados, homens, mulheres, criancinhas... vítimas de um sistema que tortura seres humanos e encarcera inocentes. Aos que me podem ouvir eu digo: “Não desespereis! A desgraça que tem caído sobre nós não é mais do que o produto da cobiça em agonia... da amargura de homens que temem o avanço do progresso humano. Os homens que odeiam desaparecerão, os ditadores sucumbem e o poder que do povo arrebataram há de retornar ao povo. E assim, enquanto morrem homens, a liberdade nunca perecerá.

Soldados! Não vos entregueis a esses brutais... que vos desprezam... que vos escravizam... que arregimentam as vossas vidas... que ditam os vossos atos, as vossas idéias e os vossos sentimentos! Que vos fazem marchar no mesmo passo, que vos submetem a uma alimentação regrada, que vos tratam como gado humano e que vos utilizam como bucha de canhão! Não sois máquina! Homens é que sois! E com o amor da humanidade em vossas almas! Não odieis! Só odeiam os que não se fazem amar... os que não se fazem amar e os inumanos!

Soldados! Não batalheis pela escravidão! Lutai pela liberdade! No décimo sétimo capítulo de São Lucas está escrito que o Reino de Deus está dentro do homem – não de um só homem ou grupo de homens, ms dos homens todos! Está em vós! Vós, o povo, tendes o poder – o poder de criar máquinas. O poder de criar felicidade! Vós, o povo, tendes o poder de tornar esta vida livre e bela... de faze-la uma aventura maravilhosa. Portanto – em nome da democracia – usemos desse poder, unamo-nos todos nós. Lutemos por um mundo novo... um mundo bom que a todos assegure o ensejo de trabalho, que dê futuro à mocidade e segurança à velhice.

É pela promessa de tais coisas que desalmados têm subido ao poder. Mas, só mistificam! Não cumprem o que prometem. Jamais o cumprirão! Os ditadores liberam-se, porém escravizam o povo. Lutemos agora para libertar o mundo, abater as fronteiras nacionais, dar fim à ganância, ao ódio e à prepotência. Lutemos por um mundo de razão, um mundo em que a ciência e o progresso conduzam à ventura de todos nós. Soldados, em nome da democracia, unamo-nos!

Hannah, estás me ouvindo? Onde te encontrares, levanta os olhos! Vês, Hannah? O sol vai rompendo as nuvens que se dispersam! Estamos saindo da treva para a luz! Vamos entrando num mundo novo – um mundo melhor, em que os homens estarão acima da cobiça, do ódio e da brutalidade. Ergue os olhos, Hannah! A alma do homem ganhou asas e afinal começa a voar. Voa para o arco-íris, para a luz da esperança. Ergue os olhos, Hannah! Ergue os olhos!

TERNURINHA

BILHETINHOS PARA DEUS, escritos por crianças    (traduzidas do original, em inglês).






Alguns são absolutamente inocentes; outros, já demonstram um pensamento filosófico.
São anjinhos pensantes, rsrsrs


Querido Deus,
Eu não pensava que laranja combinava com roxo até que eu vi o pôr-do-sol que Você fez terça-feira. Foi demais!  (Eugene)


Querido Deus,
Você queria mesmo que a girafa se parecesse assim ou foi um acidente? (Norma)


Querido Deus,
Em vez de deixar as pessoas morrerem e ter que fazer outras novas, porque você não mantém aquelas que você tem agora? (Jane)


Querido Deus,
Quem desenha as linhas em volta dos países?  (Nancy)


Querido Deus,
Eu fui a um casamento e eles se beijaram dentro da igreja. Tem algum problema com isso? (Neil)


Querido Deus,
Obrigado pelo meu irmãozinho, mas eu rezei por um cachorrinho. (Joyce)


Querido Deus,
Choveu o tempo todo durante as nossas férias e como meu pai ficou zangado! Ele disse algumas coisas sobre você que as pessoas não deveriam dizer, mas eu espero que você não vá machucá-lo. Seu amigo (mas eu não vou dizer quem eu sou)


Querido Deus,
Por favor, me mande um pônei. Eu nunca te pedi nada antes, você pode checar. (Bruce)


Querido Deus,
Eu quero ser igualzinho ao meu pai quando eu crescer, mas não com tanto cabelo no meu corpo. (Sam)


Querido Deus,
Eu aposto que é muito difícil para você amar a todas as pessoas no mundo. Na nossa família tem só quatro pessoas e eu nunca consigo... (Nan)


Querido Deus,
Meus irmãos me falaram sobre nascer de novo, mas parece muito estranho. Eles estão só brincando, não é?
(Marsha)


Querido Deus,
Se você olhar para mim na igreja domingo, eu vou te mostrar meus sapatos novos. (Mickey)


Querido Deus,
Nós lemos que Thomas Edison fez a luz. Mas na igreja  nós aprendemos que foi você. Eu acho mesmo que ele roubou sua idéia. Sinceramente, (Donna)


Querido Deus,
Eu não acho que alguém poderia ser um Deus melhor que você. (Charles)


TIMONEIRO

sexta-feira, 19 de novembro de 2010

PROJETO DE PREFÁCIO - MÁRIO QUINTANA


Projeto de Prefácio
Mário Quintana

Sábias agudezas... refinamentos...
- não!
Nada disso encontrarás aqui.
Um poema não é para te distraíres
como essas imagens mutantes de caleidoscópios.
Um poema não é quando te deténs para apreciar um detalhe
Um poema não é também quando paras no fim,
porque um verdadeiro poema continua sempre...
Um poema que não te ajude a viver e não saiba preparar-te para a morte
não tem sentido: é um pobre chocalho de palavras.

*            *            *

FERNANDO PESSOA - Poema em Linha Reta (Álvaro de Campos)


Poema em linha reta
Álvaro de Campos

Nunca conheci quem tivesse levado porrada.
Todos os meus conhecidos têm sido campeões em tudo.
E eu, tantas vezes reles, tantas vezes porco, tantas vezes vil,
Eu tantas vezes irrespondivelmente parasita,
Indesculpavelmente sujo,
Eu, que tantas vezes não tenho tido paciência para tomar banho,
Eu, que tantas vezes tenho sido ridículo, absurdo,
Que tenho enrolado os pés publicamente nos tapetes das etiquetas,
Que tenho sido grotesco, mesquinho, submisso e arrogante,
Que tenho sofrido enxovalhos e calado,
Que quando não tenho calado, tenho sido mais ridículo ainda;
Eu, que tenho sido cômico às criadas de hotel,
Eu, que tenho sentido o piscar de olhos dos moços de fretes,
Eu, que tenho feito vergonhas financeiras, pedido emprestado sem pagar,
Eu, que, quando a hora do soco surgiu, me tenho agachado
Para fora da possibilidade do soco;
Eu, que tenho sofrido a angústia das pequenas coisas ridículas,
Eu verifico que não tenho par nisto tudo neste mundo.

Toda a gente que eu conheço e que fala comigo
Nunca teve um ato ridículo, nunca sofreu enxovalho,
Nunca foi senão príncipe - todos eles príncipes - na vida...
Quem me dera ouvir de alguém a voz humana
Que confessasse não um pecado, mas uma infâmia;
Que contasse, não uma violência, mas uma cobardia!
Não, são todos o Ideal, se os oiço e me falam.
Quem há neste largo mundo que me confesse que uma vez foi vil?

Ó príncipes, meus irmãos,
Arre, estou farto de semideuses!
Onde é que há gente no mundo?
Então sou só eu que é vil e errôneo nesta terra?

Poderão as mulheres não os terem amado,
Podem ter sido traídos - mas ridículos nunca!
E eu, que tenho sido ridículo sem ter sido traído,
Como posso eu falar com os meus superiores sem titubear?

Eu, que venho sido vil, literalmente vil,
Vil no sentido mesquinho e infame da vileza.

*        *        *

quinta-feira, 18 de novembro de 2010

DOIS DE ADÉLIA - A invenção... / Neurolinguística

A Invenção de um modo
Adélia Prado

Entre paciência e fama quero as duas,
pra envelhecer vergada de motivos.
Imito o andar das velhas de cadeiras duras
e se me surpreendem, explico cheia de verdade:
tô ensaiando. Ninguém acredita
e eu ganho uma hora de juventude.
Quis fazer uma saia longa pra ficar em casa,
a menina disse: "Ora, isso é pras mulheres de São Paulo"
Fico entre montanhas,
entre guarda e vã,
entre branco e branco,
lentes pra proteger de reverberações.
Explicação é para o corpo do morto,
de sua alma eu sei.
Estátua na Igreja e Praça
quero extremada as duas.
Por isso é que eu prevarico e me apanham chorando,
vendo televisão,
ou tirando sorte com quem vou casar.
Porque que tudo que invento já foi dito
nos dois livros que eu li:
as escrituras de Deus,
as escrituras de João.
Tudo é Bíblias. Tudo é Grande Sertão.
**


Neurolinguística
Quando ele me disse
ô linda,
pareces uma rainha,
fui ao cúmice do ápice
mas segurei meu desmaio.
Aos sessenta anos de idade,
vinte de casta viuvez,
quero estar bem acordada,
caso ele fale outra vez.

*        *        *
(in "Oráculos de Maio", Editora Siciliano)