domingo, 21 de novembro de 2010

TRÊS POEMAS DE MÁRIO QUINTANA

Jardim Interior
Mário Quintana

Todos os jardins
deviam ser fechados,
com altos muros de um cinza muito pálido,
onde uma fonte
pudesse cantar
sozinha
entre o vermelho dos cravos.

O que mata um jardim não é mesmo
alguma ausência
nem o abandono...
O que mata um jardim
é esse olhar vazio
de quem por eles passa
indiferente.
**


Indivisíveis
Mário Quintana

O meu primeiro amor
sentávamos numa pedra
que havia num terreno baldio
entre as nossas casas.
Falávamos de coisas bobas
como qualquer troca de confidências
entre crianças de cinco anos.

Crianças...
Parecia que entre um e outro
nem havia ainda
a separação de sexos
a não ser o azul imenso
dos olhos dela
olhos que eu não encontrava
em ninguém mais,
nem no cachorro e no gato da casa,
apenas tinham
a mesma fidelidade
sem compromisso
e a mesma animal - ou celestial
inocência,
porque porque o azul dos olhos dela
tornava mais azul o céu:
não, não importava as coisas bobas que disséssemos.

Éramos um desejo de estar perto
tão perto
que não havia ali apenas
duas encantadas criaturas
mas um único amor
sentado sobre uma tosca pedra
enquanto a gente grande passava,
caçoava, ria-se, não sabia
que eles levariam procurando
uma coisa assim
por toda a sua vida.
**

A carta
Mário Quintana

Hoje encontrei dentro de um livro
uma velha carta amarelecida.
Rasguei-a sem procurar
ao menos saber de quem seria.

Eu tenho um medo horrível
a essas marés montantes do passado,
com suas quilhas afundadas,
com meus sucessivos cadáveres
amarrados aos mastros e gáveas...
Ai de mim,
Ai de ti, ó velho mar profundo
Eu venho sempre à tona
de todos os naufrágios.

*        *        *

Nenhum comentário:

Postar um comentário