quarta-feira, 29 de fevereiro de 2012

DRUMMOND - tradutor

Tela de Van Gogh

“Louvor aos jovens: declaram guerra
a mitos, ídolos, documentos.
Mas, derrubado o vaso de flores,
Louvor aos velhos – catam os fragmentos.”


(“Praise Youth”, de Phyllis McGinley - tradução de Carlos Drummond de Andrade)

terça-feira, 28 de fevereiro de 2012

POIS É...

RELEMBRANDO ETIMOLOGIA

Escultura em mármore, Morfeu (1777); Jean-Antoine Houdon; Salão do Louvre (Paris)

A origem da palavra “Morfina”

Na medicina, nem mesmo as drogas escaparam à influência da mitologia grega. O mais conhecido narcótico do grupo dos opióides, a morfina, obteve seu nome de Morfeu, deus grego dos sonhos.

O nome Morfeu foi criado pelo poeta romano Ovídio na sua grande obra Metamorphoses e vem do grego “morphe”, que significa “forma”. O nome seria uma alusão às formas que enxergamos nos sonhos.

Morfeu foi enviado por seu pai, Hipnos (deus do sono) para junto dos adormecidos, a fim de assumir qualquer forma ou aspecto de figura humana e aparecer nos sonhos das pessoas. Ele adormecia aqueles que tocava com uma papoula.

Houdon o representa sonolento, mas com as asas alertas, pronto para voar e mudar de fisionomias. Foi com essa obra-prima que o escultor foi admitido, em 1777, na Academia Real de Pintura e Escultura.

Em 1804, o boticário alemão Friedrich Serturner, em honra de Morfeu, deu o nome de morfina à droga que havia isolado a partir do látex da papoula, visto que ela propicia ao usuário sonolência e efeitos análogos aos sonhos.
*        *        *

quarta-feira, 22 de fevereiro de 2012

CAETANO VELOSO - Queixa

Queixa
Caetano Veloso

Um amor assim delicado
Você pega e despreza
Não devia ter despertado
Ajoelha e não reza

... Dessa coisa que mete medo
Pela sua grandeza
Não sou o único culpado
Disso eu tenho a certeza

Princesa, surpresa, você me arrasou
Serpente, nem sente que me envenenou
Senhora, e agora, me diga onde eu vou
Senhora, serpente, princesa

Um amor assim violento
Quando torna-se mágoa
É o avesso de um sentimento
Oceano sem água

Ondas, desejos de vingança
Nessa desnatureza
Batem forte sem esperança
Contra a tua dureza

Princesa, surpresa, você me arrasou
Serpente, nem sente que me envenenou
Senhora, e agora, me diga onde eu vou
Senhora, serpente, princesa

Um amor assim delicado
Nenhum homem daria
Talvez tenha sido pecado
Apostar na alegria

Você pensa que eu tenho tudo
E vazio me deixa
Mas Deus não quer que eu fique mudo
E eu te grito esta queixa

Princesa, surpresa, você me arrasou
Serpente, nem sente que me envenenou
Senhora, e agora, me diga onde eu vou
Amiga, me diga...

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segunda-feira, 20 de fevereiro de 2012

PIERROT APAIXONADO

CARNAVAL - Sátira e Romantismo

"Quando tenho Arlequim, quero Pierrot tristonho pois um dá-me prazer, outro dá-me o sonho!"

Quem são, afinal, Pierrot, Arlequim e Colombina?

São personagens de um estilo teatral conhecido como Commedia dell’Arte, nascido na Itália do século XVI.
Integrantes de uma trama cheia de sátira social, os três papéis representam serviçais envolvidos em um triângulo amoroso: Pierrot ama Colombina, que ama Arlequim, que, por sua vez, também deseja Colombina.

O estilo surgiu como alternativa à chamada Commedia Erudita, de inspiração literária, que apresentava atores falando em latim, naquela época uma língua já inacessível à maioria das pessoas. Assim, a história do trio enamorado sempre foi um autêntico entretenimento popular, de origem influenciada pelas brincadeiras de Carnaval.
Apresentadas nas ruas e praças das cidades italianas, as histórias encenadas ironizavam a vida e os costumes dos poderosos de então. Para isso, entravam em cena muitos outros personagens, além dos três mais famosos.

Do lado dos patrões, por exemplo, havia um comerciante extremamente avarento (chamado Pantaleão), um intelectual pomposo (o Doutor) e um oficial covarde, mas metido a valentão (o Capitão).
Outros personagens típicos eram o casal Isabella e Orácio (em geral, filhos de patrões) e outros serviçais.

Apesar de obedecerem a um enredo predefinido, as peças tinham a improvisação como ingrediente principal, exigindo grande disciplina e talento cômico dos atores, que precisavam responder rapidamente às novas piadas e situações criadas pelo colegas.






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SEMANA DE 22 - 90 ANOS



A Semana de Arte Moderna de 22, realizada entre 11 e 18 de fevereiro de 1922 no Teatro Municipal de São Paulo, contou com a participação de escritores, artistas plásticos, arquitetos e músicos.

Seu objetivo era renovar o ambiente artístico e cultural da cidade com "a perfeita demonstração do que há em nosso meio em escultura, arquitetura, música e literatura sob o ponto de vista rigorosamente atual", como informava o Correio Paulistano a 29 de janeiro de 1922.

A produção de uma arte brasileira, afinada com as tendências vanguardistas da Europa, sem contudo perder o caráter nacional, era uma das grandes aspirações que a Semana tinha em divulgar.
Capa do Catálogo - Arte de  DI CAVALCANTI

De acordo com o catálogo da mostra, participavam da Semana os seguintes artistas: Anita Malfatti, Di Cavalcanti, Zina Aita, Vicente do Rego Monteiro, Ferrignac (Inácio da Costa Ferreira), Yan de Almeida Prado, John Graz, Alberto Martins Ribeiro e Oswaldo Goeldi, com pinturas e desenhos.

Marcavam presença, ainda, Victor Brecheret, Hildegardo Leão Velloso e Wilhelm Haarberg, com esculturas; Antonio Garcia Moya e Georg Przyrembel, com projetos de arquitetura.

Além disso, havia escritores como Mário de Andrade, Oswald de Andrade, Menotti del Picchia, Sérgio Milliet, Plínio Salgado, Ronald de Carvalho, Álvaro Moreira, Renato de Almeida, Ribeiro Couto e Guilherme de Almeida.

Na música, estiveram presentes nomes consagrados: Villa-Lobos, Guiomar Novais, Ernâni Braga e Frutuoso Viana.

A tentativa de estabelecer uma arte brasileira, livre da mera repetição de fórmulas européias foi de extrema importância para a cultura nacional e a iniciativa da Semana, uma das pioneiras nesse sentido.

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Fonte: Enciclopédia Digital Master.

quinta-feira, 16 de fevereiro de 2012

Da série 'ENTREOUVIDO POR AÍ'

“Quer romance? Compra um livro!”
Marido para a mulher num bar do Flamengo (Rio)
Enviada por Monique Limão
**

“- Vai de vassoura, madame?”
“- Não, obrigada, estou de carro”.
Diálogo entre um vendedor ambulante de vassouras e uma freguesa distraída que saía do Hortifruti do Leblon (Rio)
Enviada por Viviane de Amorim
**
“- Quem é essa chata dessa Solange que vive te alugando no MSN o dia todo?”
“- Minha mãe!”
Conversa de dois colegas de trabalho
Enviada por Vitório Paulo
**

“Isto aqui é o palácio das mágicas!”
Marido para a esposa numa loja de cintas e outros produtos femininos.
Enviada por Verônica Maria
**

"Você não acha que essa bolsa tá me engordando?"
Cliente a uma vendedora de uma loja na Barra (Rio) enquanto se olha no espelho com a dita bolsa no ombro.
Enviada por Cristina Azevedo
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"Eu hein, amiga! A minha vista está cansada, mas a sua está exausta!"
Duas garotas no hall do Hotel Ouro Verde em Copacabana, falando de um rapaz que (só) de longe parecia bonito.
Enviada por Laura Moreira
**

quarta-feira, 15 de fevereiro de 2012

SÍLVIA SCHMIDT - Você não percebeu?

Você não percebeu?
Silvia Schmidt

Você, que sempre esteve tão por perto
buscando decifrar meus sentimentos,
tentando adivinhar meus pensamentos,
sondando sutilmente o meu deserto...

Você, parto de dores, de tormentos,
que tanto assediou do jeito incerto
um mundo que julgou estar aberto
aos seus ruidosos e invasores ventos...

Não percebeu que eu vinha de outra terra,
sem espaço nenhum para quem berra
palavras adoçadas com veneno?

Siga o seu rumo... o meu é diferente...
Vá sob o sol, caminha com sua gente.
Pertenço à noite, deixe-me ao sereno.

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In: “Toques e choques”

sexta-feira, 10 de fevereiro de 2012

GIBRAN KHALIL GIBRAN - Amai-vos

Amai-vos
Gibran Khalil Gibran
Bsharri, Líbano, 6 de janeiro de 1883 - Nova Iorque, 10 de abril de 1931 


Amai-vos um ao outro,
mas não façais do amor um grilhão.

Que haja, antes, um mar ondulante
entre as praias de vossa alma.

Enchei a taça um do outro,
mas não bebais da mesma taça.

Dai do vosso pão um ao outro,
mas não comais do mesmo pedaço.

Cantai e dançai juntos,
e sede alegres,
mas deixai
cada um de vós estar sozinho.
Assim como as cordas da lira
são separadas e,
no entanto,
vibram na mesma harmonia.

Dai vosso coração,
mas não o confieis à guarda um do outro.
Pois somente a mão da Vida
pode conter vosso coração.

E vivei juntos,
mas não vos aconchegueis demasiadamente.
Pois as colunas do templo
erguem-se separadamente.
E o carvalho e o cipreste
não crescem à sombra um do outro.

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quinta-feira, 9 de fevereiro de 2012

JAMES DEAN - Pequena homenagem

James Byron Dean
EUA, 8 de fevereiro de 1931, Marion, Indiana - 30 de setembro de 1955, Salinas, Califórnia
Ator, fotógrafo e piloto de corridas.


"Vidas Amargas"


"Juventude transviada"
 
"Giant" (Assim caminha a humanidade), com Elizabeth Taylor e Rock Hudson

Considerado um ícone cultural, como a melhor personificação da rebeldia e angústias próprias da juventude da década de 1950.

Encenou a Peça "O Imoralista", baseada na obra de André Gide, interpretando um homossexual. Com a peça ganhou o Tony Award de melhor ator do ano.

No dia em que morreu, James Dean ainda esgotava ingressos com o filme 'Juventude transviada'.


Recebeu duas indicações ao Oscar, postumamente. Em 1956, por Vidas Amargas (a primeira indicação póstuma na história da premiação), e em 1957, por 'Assim caminha a humanidade', ambas por melhor ator.

Ganhou dois prêmios do Globo de Ouro, em 1956 como melhor ator e, no ano seguinte, um prêmio especial que o consagrou como ator favorito do público.

Quando se dirigia para uma corrida, em 30 de Setembro de 1955, envolveu-se num acidente fatal, partindo imediatamente a coluna vertebral e sofrendo hemorragias internas.
Colocado na ambulância, o passageiro que estava a seu lado, o mecânico Rolf Wütherich, ouviu "um grito suave emitido por Jimmy - a lamúria de um menino chamando sua mãe ou de um homem encarando Deus."

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'SEM OLHOS EM GAZA', de Aldous Huxley (1937-38)

Encontro no meu "arquivo"  a resenha de Marcus Penchel, no jornal O Globo, de 05/01/2002 !
Em minha opinião, continua valendo;  então aí vai:


"Sem olhos em Gaza" - Aldous Huxley (1937-38)
Marcus Penchel


" (...) Esta é a realidade intelectual do Oriente cristão: quem tem bens não os saboreia nem saboreia o fato de tê-los, mas apenas o fato de que outros não os têm.

Isso não apenas explica, como justifica a desigualdade de distribuição, tornando o capitalismo essencial não só ao Ocidente como ao cristão.  É a falta que não ama, não flagrada por Drummond.

Escrito há mais de seis décadas (agora sete) , o livro de Huxley parece ter muito a ver com o momento global, isto é, local.
Será que o admirável mundo novo, afinal, entrou na sua cabeça? (...)

O mundo caminha a passos de canguru rumo à primavera da dor e se sente leviano, exuberantemente pós moderno.  Triste sociedade de avidez, sovinice, mesquinharia, vaidade e imensa pobreza.  Os egos se fartam de poder, como abelhas sangrentas.  (...)

Huxley indaga-se da possibilidde da paz, da bondade, do amor. Em suma, da solidariedade humana.
A mais básica constatação é que isso tem que começar de dentro em cada individuo.  'Estados e nações não existem como tais. O que há são apenas pessoas'.
Se pessoas mudam, Estados podem mudar, como resultado cumulativo de mudanças individuais.  É a única possibilidade.
Mas não basta saber isso - segundo o romancista, 'saber, todos nós sabemos';  o negócio é fazer. 'a propaganda da paz deve consistir numa série de instruções para a arte de modificar o caráter'.

O inferno, diz ele, ' é a incapacidade de sermos diferentes da criatura segundo a qual ordinariamente nos comportamos.'

A mudança essencial, aquela que importaria globalmente, seria o fim da indiferença, que é 'uma forma de preguiça; e a preguiça é, por sua vez, um dos sintomas da falta de amor. (...) Aquilo que amamos, que nos interessa, não dá preguiça.'

Bem, amor é a chave.  Mas 'como ser simultaneamente desapaixonado e não indiferente, sereno como um velho e ativo como um jovem?' 

Cientes de que o mundo está 'cheio de ambiciosos e avaros semeadores de discórdia', a única atitude construtiva é a da unidade: amar o potencial de beleza mesmo e sobretudo onde só há degradação.

'Unidade da espécie humana, unidade de toda a vida, de tudo o que vive.  E uma afeição corajosa, que restitui o louco à sanidade mental, transforma o selvagem hostil em um amigo, domestica o animal feroz.'

Para Huxley, isso não é apenas desejável e alcançável no plano do indivíduo - é um programa de transformação social, política, civilizatória."

*            *            *

Notas:
(Deonisio da Silva em 29/12/2008 Observatório da Imprensa, na edição 518)

- Sem Olhos em Gaza trata da cegueira geral da Humanidade. Seus personagens são aristocratas decadentes, novos-ricos pretensiosos, intelectuais arrogantes e arrivistas diversos. É esse pequeno mundo que cerca o protagonista, Anthony Beavis, misto de filósofo e santo, que emite juízos devastadores sobre os contemporâneos.

- No dia 22 de novembro de 1963, só nos foi informado o assassinato de John F. Kennedy.

Contudo, naquele mesmo dia, acompanhado apenas de Mateus (filho de sua primeira mulher, Maria) e de Laura, sua segunda mulher, era sepultado Aldous Huxley, autor de 47 livros, muitos dos quais nos ajudaram a compreender o mundo e a exorcizar alguns dos mais terríveis fantasmas, entre os quais ' os ovos das serpentes'  que a Itália de Mussolini e a Alemanha de Hitler chocavam, e que desembocariam na Segunda Guerra Mundial.
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quarta-feira, 8 de fevereiro de 2012

ADÉLIA PRADO - fragmentos de 'Filandras'

Filandras *
Adélia Prado

  • Menopausa - doença de mil sintomas de total gravidade e gravidade nenhuma.
          Mulher na menopausa é doente sem doença.

  • Envelhecer -  a gente vai se mineralizando.
          Caminhamos no inverso sentido de uma fênix.

  • Tenho a sensação de usar sempre um volume abaixo da potência da minha caixa de som.

  • Corpo, este hóspede estranho da alma.
*        *        *

* Segundo os dicionários, filandras são fios brancos que flutuam no ar e cobrem as plantas.

CECÍLIA MEIRELES - Atitude

Atitude
Cecília Meireles

 
Minha esperança perdeu seu nome...

Fechei meu sonho, para chamá-la.
A tristeza transfigurou-me
como o luar que entra numa sala.

O último passo do destino
parará sem forma funesta,
e a noite oscilará como um dourado sino
derramando flores de festa.

Meus olhos estarão sobre espelhos, pensando
nos caminhos que existem dentro das coisas transparentes.

E um campo de estrelas irá brotando
atrás das lembranças ardentes.

*        *        *

terça-feira, 7 de fevereiro de 2012

CHARLES DICKENS



Charles John Huffam Dickens
Londres, 7 de Fevereiro de 1812 — 9 de Junho de 1870)

Novamente o Google me traz a memória da minha infância.
Hoje é aniversário de nascimento de Charles Dickens (200 anos!), que povoou minha imaginação com 'David Copperfield', história maravilhosa sobre um garotinho cuja vida é uma sucessão de sofrimentos e infelicidades.  Dizem os críticos que é, sim, uma obra autobiográfica. Além disso, há um painel crítico da sociedade inglesa no século XIX.
Não posso dizer que me lembre da narrativa toda, porque faz muito, muito tempo que o li. Eu era criança, mesmo; não adolescente ou jovenzinha, mas criança, aí pelos oito ou nove anos. Era um livro lindamente ilustrado, disso eu me lembro bem, e agradeço ao meu pai que sempre se preocupava em trazer cultura para nossas cabecinhas.
Adoro quando o Google me faz recordar as passagens boas da minha vida.
Hoje, vivemos tempos tão incríveis que podemos, através do Google, mostrar algumas ilustrações do livro.

domingo, 5 de fevereiro de 2012

Sobre Facebook

Ri muito com esta crônica; isto é senso de humor, aquele humor que desnuda, mostra a face (sem trocadilhos, por favor) mas não humilha, não ofende, não pretende ser  voz de consciência nenhuma.
E ainda 'curti' o seguinte comentário de um dos leitores:
"o Facebook se tornou (também) um lugar para protestos e pseudos-ativismos. No Facebook muitos palpitam, se manifestam e se engajam. Mas onde estão a carne, a presença, a voz e não mais somente a imagem, a face, o perfil virtual?"

A culpa é do Facebook!

Viviane C. Moreira (03/02/2012) no blog Amálgama


Embora a culpa esteja em baixa, se é que ela sobrevive ainda ao jogo do empurra-empurra, melhor réu não há pra ser julgado culpado do que o Facebook. Ele é o culpado por nos distrair nas migalhas de tempo livre que nos sobra. Nos minutos em que não temos nada pra fazer, ou nos intervalos do corre-corre pra lá, pra cá, entre responsabilidades, prazos e afazeres domésticos, ou no estresse dos engarrafamentos, do liga-e-liga-de-novo-e-mais-uma-vez para celulares fora de área, ou desligados, ah! entre sessões de fisioterapia, acupuntura, massagem, pilates… e na tortura da fila de espera para marcação de consultas médicas – “Horário com o doutor, só pra daqui a três meses e olhe lá! Nem encaixe mais dá pra fazer!” E, no meio de tudo isso, ou antes disso tudo, ou no final, o que há?

Teclas sob o comando de nossas mãos. Cliques ou toques aqui, ali, e janelas são abertas. Abra-te Sésamo e… aparece o Facebook, com imagens e mais imagens e frases e mais frases. Algumas mirabolantes, atribuídas a autores que não disseram o que dizem que eles disseram. Risos de nervoso, diante da impossibilidade de tal autor ter expressado aquele pensamento, com aquela linguagem, porque aquele autor viveu em outra época, bem diferente desta da internet. Sorte a dele? Nem sei. Mas, no Facebook, grandes escritores estão bem vivos e vivendo uma vida extra – muito além da que eles viveram. Drummond, Clarice, Fernando Pessoa – imaginem! – dão conselhos no Facebook. Logo eles que jamais deram dicas sobre como viver bem. Eles apenas fizeram literatura. E da boa.

O velho hábito de procurar o culpado… E vamos tocando o barco. Ou melhor, ajustando a cadeira à tecnologia, o corpo à tecnologia, a visão à tecnologia, o tato à tecnologia, a concentração à tecnologia, a curiosidade à tecnologia e, assim, nos encontramos no Facebook.

Como é gostoso ver os amigos, sobretudo os mais durões, se renderem ao Facebook. A cada dia, um se rende, e o mais divertido é ler depois no status: “Atendendo a pedidos, tou no Facebook!” Ou: “Tive que entrar no Facebook. Paciência!” E: “Já que todos os meus amigos estão no Facebook, eu não serei o único a ficar de fora!” Como se fosse uma fuga em comboio, da noite pro dia, para um lugar diferente. Sem falar nos rendidos contrariadíssimos: “Olá! Add o mais novo babaca, por favor!” E há muitos como eu que decidem entrar no Facebook por causa de um amigo que, afetuosamente, nos convence sobre as suas vantagens como mídia social – seria esta a minha justificativa, a propósito?

Entre frases e frases, uma eu curti muito: “A inveja tem Facebook!” Achei esta genial – como está na moda dizer. Depois, pensei: como você é marinheira de primeira viagem. Ora, claro que a inveja tem Facebook! Imagina se a inveja não teria Facebook. Como não? Ela não só teria como não seria a última a ter, sua boba. Talvez ela tenha sido a primeira a tê-lo. E muito empolgada, acabou se tornando sua parceira.

Seria a tal “inveja boa”? Confesso que eu não faço a mínima ideia do que seja, ou possa ser, inveja boa, mas também me pego dizendo, vez por outra: é inveja boa! Pois é ela, a inveja boa, que faz a gente olhar, sem querer, o que fulano, beltrano, sicrano fizeram ou andam fazendo no Facebook. Vemos o que todo mundo faz porque se está lá é pra gente ver quem curtiu o quê, quem comentou o quê – é pra ver, entendeu? Sim, Sra. inveja boa, eu entendi, perfeitamente.

E a famosa curiosidade feminina, a vilã dos conflitos entre mulheres e homens? A eterna culpa de Eva? É muito interessante ver que os homens são, no Facebook, tão curiosos como as mulheres. E igualmente curiosos. Curtem coisas que, antes, só as mulheres curtiam, ou diziam que curtiam. No Facebook, homens e mulheres se parecem bastante e curtem muito as mesmas coisas. Os mesmos lugares. Os mesmos livros. Os mesmos times. Os mesmos músicos. As mesmas divas. Os mesmos poetas. Os mesmos estilistas. As mesmas grifes. As mesmas baladas. As mesmas cenas de cinema. As mesmas pizzarias. E o melhor, nem sei, os mesmos sabores de pizza! Quem sabe? Coisas do mundo mágico do Facebook. Dá pra entender por que o Facebook tem sido apontado como o pivô de separações e divórcios?

Lembrou-me a personagem Anna, do filme A culpa é do Fidel, uma francesinha bem adaptada ao seu mundo burguês, que não queria saber dos ideais dos pais. E quando sua babá cubana lhe diz que todas as mudanças que estavam acontecendo eram por causa do Fidel, a garotinha de nove anos de idade conclui que o culpado pelo seu mal-estar era o Fidel. Ela, que temia conhecer a causa pela qual os pais lutavam, interpreta a fala da empregada como verdade, e vendo, a certa distância, o que se passava ao seu redor, sem, no entanto, se envolver, defende-se do engajamento dos pais. Assim, ela não compreende a luta deles, sobretudo os princípios e os direitos por que lutavam.

Momentos. Revelações. Surpresas. Fotos de velhos amigos que não vimos mais, nunca mais, mas nunca mais mesmo e, de repente, nos achamos no facebook! É. O facebook também tem disso. E, curiosamente, há o #prontofaleifaleifaleimesmoedaí? Quando alguém manda um recadinho para outro alguém, que não conhecemos, mas supomos que, para aquela frase, há um destinatário de carne e osso, embora anônimo – assim, a carapuça pode servir para uma montanha de gente? Nunca se sabe.

*           *           *

sábado, 4 de fevereiro de 2012

ANTERO DE QUENTAL - Oceano

Oceano
Antero de Quental
Portugal - Ponta Delgada, 18 de abril de 1842 — 11 de setembro de 1891

 

Junto do mar, que erguia gravemente
a trágica voz rouca, enquanto o vento
passava como o vôo do pensamento
que busca e hesita, inquieto e intermitente,

junto do mar sentei-me tristemente,
olhando o céu pesado e nevoento,
e interroguei, cismando, esse lamento
que saía das coisas, vagamente...

Que inquieto desejo vos tortura,
seres elementares, força obscura?
Em volta de que idéia gravitais?

Mas na imensa extensão, onde se esconde
o Inconsciente Imortal, só me responde
um bramido, um queixume, e nada mais...

*        *        *

sexta-feira, 3 de fevereiro de 2012

ROSEANA MURRAY - Poema oração


Poema oração

Roseana Murray

A todos os ventos
eu peço coragem.
A cada estrela e estrada
Ao mar que não morre nunca
eu peço coragem.

E ao sol e à lua
E a todo o firmamento.
A cada pássaro
A cada pedra
A cada bicho da terra e do ar.

Peço coragem a tudo o que vive agora
E ainda viverá
Coragem para cavalgar os dias
Navegar nas horas
E a cada minuto e segundo, sonhar.

*        *        *

quarta-feira, 1 de fevereiro de 2012

CECÍLIA COSTA - sobre a leitura

Esse texto surge a partir da constatação de que as jovens sobrinhas da autora jamais haviam lido Machado de Assis.
Jornal 'O Globo' - seção Prosa & Verso - 17-07-2004


"Corações em fogo e pássaros feridos que sempre renascerão"
Cecília Costa

(...)
É claro que podemos viver sem jamais virar o rosto para o sol, molhar os pés no mar, deixar a chuva escorrer por nossos cabelos, fingir que somos Gene Kelly e chapinhar nas poças, ouvir rouxinóis ou borboletear de asas de beija flores, brincar de carniça ou de roda com as crianças, saber o que é a rouquidão de um Tom Waits, a voz sofrida de Lady Blue, um poema de W.B.Yeats sobre os mortos na Páscoa, os óculos de John Lennon, os olhos hipnóticos de Blavatsky, Diadorim, Riobaldo.

Sim, podemos.  Com também podemos morar num buraco e esperar que nossos corpos virem pasto para vermes, deixar de ver as estrelas, os eclipses;  as marés a beijarem  a areia, as gaivotas a cruzarem o azul, assim como o pássaro de aço criado pelos homens com seu nariz enterrado nas nuvens.

Mas que a vida é muito mais completa e profunda se acompanharmos as descrições feitas pelos grandes escritores das almas em choque, dos amores não correspondidos, das dores de cotovelo, de batalhas incompreensíveis em sua violência e outros acontecimentos bizarros que escapam ao controle da razão, ah, é claro que é.
Muito mais maravilhosa, incomum. 

É preciso ler 'Crime e Castigo', 'Os possessos', 'Os irmãos Karamazov', 'O idiota', 'Memória da casa dos mortos', 'Guerra e Paz', e 'Anna Karenina'  para entender a condição humana.

E como são complementares as obras do surreal Dostoiewski e do racional Tolstoi.  O embate entre o fogo de Dostoiewski e a técnica de Tolstoi é mera aparência.  É impossível ler 'Karenina' sem chorar ao final do livro, quando a mãe de Sergio e amante de Vronski se joga nos trilhos de um trem.  A fonte de lágrimas que jorra de nosso coração estupidificado pela perda da forte, apaixonada e frágil Anna desce pelo rosto em líquida compaixão.  Chorar por Anna lava a alma.  É chorar por todas as mulheres torturadas por seus burgueses maridos preocupados apenas com "o que os outros vão falar de nós".
E 'Guerra e paz'... que riqueza de personagens!  Que painel da Rússia invadida por Napoleão!  Que quadro do orgulhoso corso em sua derrota, causada pela imprevidência diante dos 50 graus abaixo de zero que costumam devastar as estepes russas em todos os invernos.

Existe alguém, por outro lado, maior do que Dostoiewski?  Até Thomas Mann tinha medo do epilético vidente.  Sua grandeza, numa medida não literária, talvez só se emparelhasse com a de sua mulher, que o ajudou com sua praticidade.  Para pagar as dívidas do marido, Anna Grigorievna se fez editora, o que levaria a condessa Tolstoi  a pedir sua ajuda.  Também Tolstoi era explorado pelos editores.

Dostoiewski, o homem que via o que ninguém via e que carregava o coração nas mãos, tinha a alma viva, queimando em desejos.  Mas Tolstoi não foi menor. 

Almas mortas na Rússia só as do clássico Gogol.  O russo é um pássaro de fogo que ainda voltará a queimar o céu do planeta.

Compre os livros.  Leia-os. Empreste-os. Torne a ler...

Só não faça pacto com o diabo.

Nosso gênios russos tinham fé no sangue de Cristo.

*            *            *

Foi muito prazeroso trazer para cá esse texto - guardado há tanto tempo em folha de papel mesmo -  depois da releitura de algumas das obras citadas.

MARINA COLASANTI - De cabeça pensada

De Cabeça Pensada
Marina Colasanti


Tinha 30 anos quando decidiu: a partir de hoje, nunca mais lavarei a cabeça. Passou o pente devagar nos cabelos, pela última vez molhados. E começou a construir sua maturidade.

Tinha 50, e o marido já não pedia, os filhos haviam deixado de suplicar. Asseada, limpa, perfumada, só a cabeça preservada, intacta com seus humores, seus humanos óleos. Nem jamais se deixou tentar por penteados novos ou anúncios de xampu. Preso na nuca, o cabelo crescia quase intocado, sem que nada além do volume do coque acusasse o constante brotar.

Aos 80, a velhice a deixou entregue a uma enfermeira. A qual, a bem da higiene, levou-a um dia para debaixo do chuveiro, abrindo o jato sobre a cabeça branca.

E tudo o que ela mais havia temido aconteceu.

Levadas pela água, escorrendo liquefeitas ao longo dos fios para perderem-se no ralo sem que nada pudesse retê-las, lá se foram, uma a uma, as suas lembranças.

*            *            *
In: 'Contos de amor rasgados'. Rio de Janeiro, Rocco, 1987