quinta-feira, 9 de fevereiro de 2012

'SEM OLHOS EM GAZA', de Aldous Huxley (1937-38)

Encontro no meu "arquivo"  a resenha de Marcus Penchel, no jornal O Globo, de 05/01/2002 !
Em minha opinião, continua valendo;  então aí vai:


"Sem olhos em Gaza" - Aldous Huxley (1937-38)
Marcus Penchel


" (...) Esta é a realidade intelectual do Oriente cristão: quem tem bens não os saboreia nem saboreia o fato de tê-los, mas apenas o fato de que outros não os têm.

Isso não apenas explica, como justifica a desigualdade de distribuição, tornando o capitalismo essencial não só ao Ocidente como ao cristão.  É a falta que não ama, não flagrada por Drummond.

Escrito há mais de seis décadas (agora sete) , o livro de Huxley parece ter muito a ver com o momento global, isto é, local.
Será que o admirável mundo novo, afinal, entrou na sua cabeça? (...)

O mundo caminha a passos de canguru rumo à primavera da dor e se sente leviano, exuberantemente pós moderno.  Triste sociedade de avidez, sovinice, mesquinharia, vaidade e imensa pobreza.  Os egos se fartam de poder, como abelhas sangrentas.  (...)

Huxley indaga-se da possibilidde da paz, da bondade, do amor. Em suma, da solidariedade humana.
A mais básica constatação é que isso tem que começar de dentro em cada individuo.  'Estados e nações não existem como tais. O que há são apenas pessoas'.
Se pessoas mudam, Estados podem mudar, como resultado cumulativo de mudanças individuais.  É a única possibilidade.
Mas não basta saber isso - segundo o romancista, 'saber, todos nós sabemos';  o negócio é fazer. 'a propaganda da paz deve consistir numa série de instruções para a arte de modificar o caráter'.

O inferno, diz ele, ' é a incapacidade de sermos diferentes da criatura segundo a qual ordinariamente nos comportamos.'

A mudança essencial, aquela que importaria globalmente, seria o fim da indiferença, que é 'uma forma de preguiça; e a preguiça é, por sua vez, um dos sintomas da falta de amor. (...) Aquilo que amamos, que nos interessa, não dá preguiça.'

Bem, amor é a chave.  Mas 'como ser simultaneamente desapaixonado e não indiferente, sereno como um velho e ativo como um jovem?' 

Cientes de que o mundo está 'cheio de ambiciosos e avaros semeadores de discórdia', a única atitude construtiva é a da unidade: amar o potencial de beleza mesmo e sobretudo onde só há degradação.

'Unidade da espécie humana, unidade de toda a vida, de tudo o que vive.  E uma afeição corajosa, que restitui o louco à sanidade mental, transforma o selvagem hostil em um amigo, domestica o animal feroz.'

Para Huxley, isso não é apenas desejável e alcançável no plano do indivíduo - é um programa de transformação social, política, civilizatória."

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Notas:
(Deonisio da Silva em 29/12/2008 Observatório da Imprensa, na edição 518)

- Sem Olhos em Gaza trata da cegueira geral da Humanidade. Seus personagens são aristocratas decadentes, novos-ricos pretensiosos, intelectuais arrogantes e arrivistas diversos. É esse pequeno mundo que cerca o protagonista, Anthony Beavis, misto de filósofo e santo, que emite juízos devastadores sobre os contemporâneos.

- No dia 22 de novembro de 1963, só nos foi informado o assassinato de John F. Kennedy.

Contudo, naquele mesmo dia, acompanhado apenas de Mateus (filho de sua primeira mulher, Maria) e de Laura, sua segunda mulher, era sepultado Aldous Huxley, autor de 47 livros, muitos dos quais nos ajudaram a compreender o mundo e a exorcizar alguns dos mais terríveis fantasmas, entre os quais ' os ovos das serpentes'  que a Itália de Mussolini e a Alemanha de Hitler chocavam, e que desembocariam na Segunda Guerra Mundial.
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