segunda-feira, 11 de maio de 2015

ADRIANO DIAS - No Dia das mães - 10/5/2015

Arte: Rahaf Dk Albab

Alguns dias atrás
abri o baú das eternas relíquias do que vivi,
agora como pai,
e encontrei recordações maternas que antes não estavam ali:
Carinhos que não senti
quando dormindo,
Broncas que não ouvi
quando saí de fininho, escondido,
Conselhos que perdi,
tapando meus ouvidos
e lágrimas que não vi,
quando seguia "meu caminho",
seguro dos bons modos que achava terem nascido comigo.
Ainda os milagres acumulados ao longo dos anos,
os pequenos, cotidianos:
de repente a roupa limpa,
a comida quente,
eu na cama, de repente,
coberto contra o frio
e nem desconfio ela ali, presente, 
sabendo-me de cor,
o tempo todo, toda hora.
Aí flagrei seu cheiro ao meu redor, 
ainda hoje, ainda agora
e soube, enfim, que não basta gratidão,
não há suficiente no mundo
que dê conta desse mar de amor tão fundo,
tão quente, tão sempre, tão tudo.
Ainda assim, embargado,
o termo escapa de meu choro mudo:
...obrigado...

*        *        *
Adriano Dias - página 'Semema'


sábado, 9 de maio de 2015

ADRIANO DIAS - "Escrevo aqui meus últimos..."

Arte: Erik Jones

Escrevo aqui meus últimos versos,
meio vagos, ansiosos, dispersos,
estou sendo seguido...
antes que me despedacem, despeço-me aqui,
preciso fugir,
estão atrás de mim, 
sequiosos de vasculhar a fonte de meus poemas,
roubar à carne de minhas entranhas o que sai da pena.
E arrombarão cada compartimento,
meu baú de metáforas,
as sacas de sinestesias orientais,
compotas de aliterações,
talvez que nem minha memória sobre.
Ainda planejam carregar a reboque,
puxado por um cabresto,
o complexo maquinário 
que agora uso para fazer este último texto.
Esses bárbaros analfabetos
rasgarão meu couro 
e, diferente da galinha dos ovos de ouro,
de mim verterão épicos completos,
dramas, rimas raras, heróis cristãos e mouros,
e se formará ao chão
uma poça de eus-líricos com seus rostos
boiando entre os mais complexos paradoxos.
Aí acometerão, esfomeados,
por todos os lados,
todo tipo de gente pilhar meus escombros literários,
a turba faminta de palavras, 
de um sentido para suas vidas,
sorvendo-me as letras como fossem comida,
incapazes de saber que as verdades poéticas têm seu tempo,
têm sua hora,
e que as guardava em mim até agora
não por usura,
os poemas nunca foram meus,
mas para uma plenitude gradativamente futura...
Portanto, 
Adeus...

*        *        *
Adriano Dias - página 'Semema'

segunda-feira, 4 de maio de 2015

Fuja das almas mesquinhas - André J.Gomes


Fuja das almas mesquinhas.
Viver é um exercício de grandeza. 
André J. Gomes - in 'Revista Bula'

Está faltando grandeza na gente. Falta, sim. Em todo canto, falta. 
Vivemos à míngua de gestos generosos, intenções grandiosas, ações maiores. 
Como bichos tímidos, acanhados em nossos projetos, reduzimos nossas vidas aos cargos e postos e títulos e relações oficiosas e protocolares que aos poucos nos transformam em meros colecionadores de miniaturas, acumulando milhas de mesquinharias. 
Nós e nossas vidinhas habitadas por pessoinhas deslumbradas, sorrindo sem graça em jantarezinhos sem afeto, cozinhando pratinhos sem gosto, a partir das receitinhas de homenzinhos dos programinhas de tevê.

Falta grandeza na gente, sim.
Insistimos em ser rasos, superficiais, rasteiros, trancafiados em nossas verdades minguadas, metralhando com o dedo quem passar perto. 
Rareiam amigos de coração aberto e mãos postas, estendidas. 
Falta quem se disponha a escutar mais e mostrar menos, perguntar mais do que responder, questionar mais que pontificar. 
Falta gente disposta a pagar a conta por pura e simples gentileza. 
Ah… como são raras as visitas que surpreendem quando chegam para o churrasco em casa alheia trazendo nos braços algo além do fardo de doze cervejas previamente combinadas. 
Um bolinho para a dona da casa, um presentinho para as crianças. 
Qualquer coisa para além de uma presença fria, mirrada, previsível, burocrática.

Pior. Nossa escassez de elevação vem sob a escolta das matilhas de gênios e suas teorias em defesa da mesquinhez. “É a crise!”; “não sobra dinheiro para isso”; “também, com o preço das coisas…”; “no mundo moderno cada um paga a sua, tá reclamando do quê?”; “É cada um por si” e outras desculpas esfarrapadas. 
Como se a falta de dinheiro fosse o único problema.

Será mesmo? Ou tanta evasiva não passa de nossa obtusa mania de pequeneza crescendo como verruga, aumentando como um buraco? 
Certo é que nos tornamos sovinas, ridículos, avarentos de emoção e entrega e disposição para nós e para os outros. 
Isso, minha gente, tem pouquíssimo a ver com dinheiro. 
Estar “no bico do urubu”, sem um tostão para nada, não faz de alguém um “mão de vaca”. 
Há muito mendigo por aí dividindo seu pedaço de cobertor, sua porção de comida fria e seu meio cigarro com quem necessita. Porque generosidade é coisa das almas elevadas, com ou sem fundos patrimoniais. E ela está em falta como a água que baixa nas represas e o dinheiro que some dos cofres.

Nosso tempo na vida é tão pequeno e a grandeza anda tão pouca! 
Quanto será que nos resta? Por quanto mais você e eu estaremos aqui? Quanta vida nos cabe ainda? Trinta anos? Quarenta? Duas horas, um minuto? 
Pergunto, pergunto e com franqueza me dou conta de que, no fundo, não importa. 
Não interessa porque no fim do caminho qualquer tempo terá sido pouco. Muito pouco tempo para o perdermos com pequenezas.

Sejamos francos. A vida anda mirrada demais. Reduzida contra vontade, coitada, à pequena experiência pessoal de cada um. 
Obrigada por nós mesmos a dar as costas à sua vocação essencial. 
Porque, você sabe, diferente do que querem os mesquinhos, viver é nada senão um tremendo e escandaloso exercício de grandeza. 
Sejamos francos. Está faltando grandeza na gente.


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