quinta-feira, 28 de julho de 2011

CARTAS DE AMOR

Uma crônica muito simpática de Xico Sá - UOL, 24/7/2011

Campanha permanente pela carta de amor


Amy morreu e nós, os muito românticos, não estamos passando muito bem.
A próxima vítima é a letra de mão. A caligrafia. Nos EUA, caminha para o fim. Pelo menos nas escolas já é quase uma defunta. A charge do Jean, hoje na pág. 2 da Folha, diz tudo sobre o assunto.

Não, não me venha com essa de velho nostálgico. A parada é outra. Não confunda nostalgia com romantismo.

A defesa, nesta taverna virtual, é a do discurso amoroso. Seja escrito no tablet ou no papiro.
Mas... como o carteiro acaba de me entregar uma missiva escrita à mão de moça, com direito a beijo de batom junto da assinatura –que boca grande e linda, meu Deus!- não posso deixar de repetir, ad infinitum, uma das minhas campanhas permanentes.

Ô, mr. Postman, pela volta da carta de amor. Urgentemente. A carta escrita à mão, com local de origem, data, saudações, motivos, papel fininho e pautado.

Debruce a munheca sobre o papiro e faça da tinta da caneta o seu próprio sangue. Agora.
Não temas a breguice, o romantismo, como já disse o velho Pessoa, travestido de Álvaro de Campos, todas cartas de amor são ridículas, e não seriam de amor se ridículas não fossem.

A carta, mesmo com todas as modernidades e invencionices, ainda é o melhor veículo para declarar-se, comunicar afinidades e iniciar um feitio de orações. O meio é a mensagem.

O que você está esperando, vá ali na esquina, compre um belo papel e envelopes, e se devote.
Se tiver alguma rusga, peça perdão por escrito, pois perdão por escrito vale como documento de cartório.

Se o namoro ainda não tiver começado, largue a mão dessas cantadas baratas e curtições facebookianas e atire a garrafa aos mares.

Uma boa carta de amor é irresistível. Vale até copiar aqueles modelos que vêm nos livros. Sele o envelope com a língua, como nas antigas, lamba os selos com devoção, esse pré-beijo de todos os lábios da futura amada.

Às moças é consentido, além dos floreios e da caligrafia mais arrumadinha, a reprodução de um beijo, com batom bem vermelho, ao final, perto da assinatura, como a que recebi agora.

Uma carta, até mesmo de amizade, deixa a gente comovido, como a que me mandou o Fábio Victor, escriba e amigo do Recife, quando habitava a velha e fria Londres.

Que os amigos, e não apenas os amantes, se correspondam, fazendo dos envelopes no fundo do baú as suas histórias de vida.

Pela volta da carta, que já é por si só uma maneira devota, um tempo que se tira, sem pressa, para dedicar-se a quem se gosta.
Pela volta da carta, pois o que se diz numa carta é de outra natureza, é o bem-querer em tom solene.

O que você está esperando, meu amigo, minha amiga, largue esse cronista de lado e debruce-se sobre a escrivaninha. Uma mesa de bar ou de um café também são bons lugares para assentar as suas mal-traçadas linhas.
Corra, Lola, corra. Escreva, meu rapaz, escreva!

Escrito por Xico Sá às 11h20

*              *                *

quarta-feira, 27 de julho de 2011

CACASO - Ah! / Happy end


Ah!

Ah se pelo menos o pensamento não sangrasse!

Ah se pelo menos o coração não tivesse memória!

Como seria menos linda e mais suave

minha história!

*        *        *


Happy end

O meu amor e eu

nascemos um para o outro

agora só falta quem nos apresente

    *            *            *

CACASO -  Antonio Carlos Ferreira de Brito, 1944-1987. Professor, poeta e letrista

HISTÓRIA DE AMOR - INTERTEXTO


Soneto 88 
Luís Vaz de CAMÕES

Sete anos de pastor Jacó servia
Labão, pai de Raquel, serrana bela;
mas não servia ao pai, servia a ela,
que a ela só por prêmio pretendia.

Os dias, na esperança de um só dia,
passava, contentando-se com vê-la
porém o pai, usando de cautela,
em lugar de Raquel lhe dava Lia.

Vendo o triste pastor que com enganos
lhe fora assim negada a sua pastora,
como se a não tivera merecida,

começa de servir outros sete anos,
dizendo: - Mais servira, se não fora
para tão longo amor tão curta a vida!

*            *            *
Jacó encontra-se com Raquel
Bíblia Sagrada, Gênesis, 29, 15-30)

Depois disse Labão a Jacó: 
- Acaso, por seres meu parente, irás servir-me de graça? Dize-me, qual será o teu salário?
Ora, Labão tinha duas filhas: Lia, a mais velha, e Raquel, a mais moça. Lia tinha olhos baços, porém Raquel era formosa de porte e de semblante. 
Jacó amava a Raquel, e disse:
- Sete anos te servirei por tua filha mais moça, Raquel. 
Respondeu Labão:
- Melhor é que eu ta dê, em vez de dá-la a outro homem, fica, pois, comigo.
Assim, por amor a Raquel, serviu Jacó sete anos; e estes lhe pareceram como poucos dias, pelo muito que a amava.
Disse Jacó a Labão:
- Dá-me minha mulher, pois já venceu o prazo, para que me case com ela.
Reuniu, pois, Labão todos os homens do lugar, e deu um banquete.  À noite, cnduziu Lia, sua filha, e a entregou a Jacó. E coabitaram. (...)
Ao amanhecer, viu que era Lia, por isso disse Jacó a Labão:
- Que é isso que me fizeste? Não te servi por amor a Raquel? Por que, pois, me enganaste?
Respondeu Labão:
- Não se faz assim em nossa terra, dar-se a mais nova antes da primogênita. Decorrida a semana desta, dar-te-emos também a outra, pelo trabalho de mais sete anos que ainda me servirás.
Concordou Jacó, e se passou a semana desta; então Labão lhe deu por mulher Raquel, sua filha. (...)  E coabitaram.  Mas Jacó amava mais a Raquel do que a Lia; e continuou servindo a Labão por outros sete anos.

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terça-feira, 26 de julho de 2011

MÁRIO QUINTANA - Da influência dos espelhos


Da influência dos Espelhos
Tu te lembras daqueles grandes espelhos côncavos ou convexos que em certos estabelecimentos os proprietários colocavam à entrada para atrair os fregueses, achatando-os, alongando-os, deformando-os nas mais estranhas configurações?
Nós, as crianças de então, achávamos uma bruta graça, por saber que era tudo ilusão, embora talvez nem conhecêssemos o sentido da palavra "ilusão".
Não, nós bem sabíamos que não éramos aquilo!
Depois, ao crescer, descobrimos que, para os outros, não éramos precisamente isto que somos, mas aquilo que os outros veem.
Cuidado, incauto leitor! Há casos, na vida, em que alguns acabam adaptando-se a essas imagens enganosas, despersonalizando-se num segundo "eu".
Que pode uma alma, ainda por cima invisível, contra o testemunho de milhares de espelhos?
Eis aqui um grave assunto para um conto, uma novela, um romance, ou uma tese de mestrado em Psicologia.
Mário Quintana
'Na volta da esquina'. Porto Alegre, Globo, 1979, p. 79
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segunda-feira, 25 de julho de 2011

sábado, 23 de julho de 2011

ÉRICO VERÍSSIMO - O resto é silêncio


Há um tom de verde, que encontramos às vezes nos céus de certos quadros – um verde aguado, duma pureza de cristal, transparente e frio como um lago nórdico -, um verde tão remoto, sereno, perfeito, que parece nada ter de comum com as coisas terrenas. Paramos, contemplamos a tela, atribuímos a cor impossível à fantasia do artista e passamos adiante.

Entretanto havia na realidade um verde exatamente assim no horizonte daquele anoitecer de Sexta feira da Paixão. O dia fora morno e sem vento. O outono andava a dar novas tintas à cidade. As folhas das trepadeiras que cobriam as paredes de algumas vivendas do Moinhos de Vento faziam-se dum vermelho de ferrugem. Os plátanos do Parque começavam a perder as primeiras folhas. A luz do sol tinha a cor e a doçura do mel. Os horizontes fugiam.

Por toda a parte as paineiras estavam rebentando em flores. Os contornos das coisas amaciavam-se à claridade de abril. Andava no ar uma calma adormentadora. A paisagem como que ia adquirindo aos poucos uma certa maturidade, e as criaturas humanas pareciam finalmente em paz com o céu e a terra. Havia entre elas e a natureza um acordo espontâneo, uma repousada harmonia, uma aceitação mútua e sem reservas. 

(ÉRICO VERÍSSIMO - Fragmento de "O resto é silêncio")




SOBRE O VERDE...


Há livros que leio, releio, torno a ler, e nunca deixo de encontrar, a cada nova leitura um novo aprendizado, uma nova questão.
Em "Antes do Baile Verde", de Lygia Fagundes Telles encontro no prefácio uma pergunta instigante:
..."E o verde não seria a imagem inconsciente da mocidade?"
É...nos vários contos do livro há muitas referências ao verde - a cor de que mais gosto. 
Curiosa, como sempre, sigo em busca de respostas - interna e externamente.
Isso significaria que estou "inconscientemente" ligada à fase da juventude.
Vamos corrigir : inconscientemente nada! Sou muito consciente de que tenho saudades de mim, sim. Gosto muito da jovem que eu fui.
Enfim, as cores existem desde que a luz se fez.
Para Jung, um dos mestres da Psicanálise, as cores exprimem as quatros funções mentais básicas: o pensamento, o sentimento, a percepção e a intuição.
Nosso poeta Olavo Bilac considerava o verde “um símbolo incontestável da esperança, da espiritualidade, uma cor repousante, que mesmo em grande extensão não causa fadiga”.
Machado de Assis relacionava as cores e o tempo, na variação de múltiplas interpretações. É dele a expressão: “O tempo é um tecido invisível sobre o qual se borda tudo: uma flor, uma dama, uma figura colorida”.
A própria graduação em Psicanálise tem como símbolo a pedra verde no anel que traz a Serpente de Esculápio  - o deus da Arte de curar, na Grécia Antiga.
Segundo a Cromoterapia, o verde tem propriedades calmantes, expressa a natureza e sensações agradáveis. A Medicina, porém,  não valida esse tipo de conhecimento.
Ah, lembrei-me agora de um trecho lindo do livro "O resto é silêncio", de Erico Veríssimo, que também fala sobre a cor verde.  Vou procurar e postar aqui no blog. 
Meu interesse tem razões pessoais neste tempo de aprofundamento da máxima de Sócrates, o "conhece-te a ti mesmo";  na minha opinião, a estrada mais difícil do conhecimento.
Verdade.
Por exemplo: esta palavra: verdade - podemos notar o radical com as mesmas letras de "verde".
Verdade.
Conhecer a si mesmo levaria à Verdade? Estaremos prontos para a verdade sobre nós mesmos?
Frequentemente somos gratos às mentiras que nos transformam em seres quase perfeitos, elogiados, incensados na fumaça da vaidade.
Verdade...vaidade...
Às vezes não sei se as palavras são para o gênero humano o seu ponto forte ou o ponto fraco, tanto me debruço sobre elas buscando a possibilidade de exatidão. Isso também não importa porque , exatas ou não, é o que temos para tentar nos entender.
Ih, paro por aqui porque hoje estou com a corda toda...
*               *               *

CASSIANO RICARDO - (discurso)


(Trecho do discurso de posse na Academia Brasileira de Letras)

Quando estou triste, leio Musset. Se a minha tristeza tem um sabor português (há uma tristeza para cada terra) recorro ao Antônio Nobre que é mais chegado à intimidade de minha raça.

Quando estou áspero, exaltado no meu apego à terra, leio Euclides de Os Sertões.

Quando necessito de mocidade para meu espírito, leio o velho João Ribeiro nacional ou o velho Bernard Shaw estrangeiro.

Quando fico meio céptico, que fazer? Sirvo-me do Anatole dissolvente para dissolver em água-de-rosas o meu cepticismo.

Quando me ponho a brincar com realidades mais sérias, leio o incrível Wells.

Quando quero escarnecer dos homens, leio Voltaire.

Quando estou farto de artifício literário e procuro maior soma de verdade humana e profunda, leio Cervantes.

Quando me enfastiam as verdades correntes ou os conceitos usuais da vida, agarro-me a Chesterton. Poderia fazer o contrário: ler Voltaire ou Juvenal quando me sentisse triste e Musset ou Antônio Nobre (ou o nosso Rodrigues de Abreu, tão humilde na sua desesperança) quando me sentisse alegre. Mas não. O mal cura-se com o próprio mal. O bem paga-se com o próprio bem.

A estante de minha sensibilidade é feita de momentos. E cada escritor tem, aí, o seu momento próprio e inevitável.

Também, quando quero ser simples ou ser eu mesmo, expulso essa gente toda do meu convívio. Abro a janela que dá para a vida e restabeleço, como disse alguém, as minhas relações líricas com a Natureza.

E faço de cada dia uma página branca.

E faço de cada noite uma reticência de estrelas..."


*                        *                       *

sexta-feira, 22 de julho de 2011

TRISTEZA NO CÉU - Drummond


TRISTEZA NO CÉU
Carlos Drummond de Andrade

No céu também há uma hora melancólica.
Hora difícil, em que a dúvida penetra as almas.
Por que fiz o mundo? Deus se pergunta
e se responde: Não sei.

Os anjos olham-no com reprovação,
e plumas caem.
Todas as hipóteses: a graça, a eternidade, o amor
caem, são plumas.

Outra pluma, o céu se desfaz.
Tão manso, nenhum fragor denuncia
o momento entre tudo e nada,
ou seja, a tristeza de Deus.

*            *            *

AFFONSO ROMANO DE SANT'ANNA - Letra: ferida...



Letra: Ferida Exposta ao Tempo

Affonso Romano de Sant'Anna

É forçoso dizer que me faz falta
o poema que existe e nunca li,
como se alhures
brotassem coisas que não vi
e que distantes,
carentes,
dependessem de mim.

Algo como se o intocado fosse a sinfonia
inacabada, mais: rasgada
como o quadro nunca esboçado, perdido
na abatida mão do artista.

O ausente
é uma planta
que na distância se arvora
e é tão presente
quanto o passado que aflora.

E a literatura, mais que avenida ou praça
por onde cavalga a glória, é um monumento,
sim, de dúbia estória: granito e rima,
alegoria ao vento, lugar onde carentes
e arrogantes
cravamos nosso nome de turista:
-estive aqui, desamado,
riscando a pedra e o tempo
expondo meu sangue e nome
com o coração trespassado.
*            *            *

quinta-feira, 21 de julho de 2011

NEY MATOGROSSO - "Viajante"

GERALDO P.;RODRIGUES - Compasso binário


Compasso Binário
Geraldo Pinto Rodrigues

“Vou clarear de mais sol
as tardes ao redor,
porque das noites
eu já sei de cor.

Sim, vou clarear as tardes
de mais sol
para que se dissipem as tempestades,
e a borrascosa fúria das paixões
se aquiete nesses quartos,
nesses leitos.”

*          *          *

PAULO CÉSAR JUNIOR


Todavía soy el mismo (Ainda sou o mesmo)
Paulo César da Silva Junior

Todavía soy el mismo.
El mismo con su dolor y su sufrimiento.

Ainda sou o mesmo.
Não cessou em mim
Aquela dor intensa
Que afligia meu coração.

Todavía soy el mismo.
El mismo que se hace degollado.

Ainda sou o mesmo.
Há em mim uma morte fria,
Morte constante,
Morte noite e dia.

Todavía soy el mismo.
El mismo que se fue un día al paraíso.

Ainda sou o mesmo.
Já fui belo como o paraíso
E fui negro como um poço fundo.
Agora sou mais poço
Que paraíso.

Todavía soy el mismo.
El mismo con su dolor y su sufrimiento.

Ainda sou o mesmo.
O mesmo de ontem
Que nada podia oferecer
A não ser um amor rouco
E pouco, guardado no peito.

*               *               *

O poeta é um jovem ex aluno e muito me honra por ser um  seguidor deste blog.

TORQUATO NETO - Cogito


COGITO
Torquato Neto

eu sou como eu sou
pronome
pessoal intransferível
do homem que iniciei
na medida do impossível

eu sou como eu sou
agora
sem grandes segredos dantes
sem novos secretos dentes
nesta hora

eu sou como eu sou
presente
desferrolhado indecente
feito um pedaço de mim

eu sou como eu sou
vidente
e vivo tranquilamente
todas as horas do fim.

*          *          *

RACHEL DE QUEIROZ - O fim do mundo (fragmento)


"A primeira vez que ouvi falar do mundo, o mundo para mim não tinha nenhum sentido, ainda; de modo que não me interessavam nem o seu começo, nem o seu fim. Lembro-me, porém, vagamente, de umas mulheres nervosas que choravam, meio desgrenhadas, e aludiam a um cometa que andava pelo céu, responsável pelo acontecimento que elas tanto temiam.

Nada disso se entendia comigo: o mundo era delas, o cometa era para elas; nós, crianças, existíamos apenas para brincar com as flores da goiabeira e as cores do tapete.

Mas, uma noite, levantaram-me da cama, enrolada num lençol, e, estremunhada, levaram-me à janela para me apresentarem à força ao temível cometa. Aquilo que até então não me interessara nada, que nem vencia a preguiça dos meus olhos, pareceu-me, de repente, maravilhoso. Era um pavão branco, pousado no ar, por cima dos telhados? Era uma noiva, que caminhava pela noite, sozinha, ao encontro de sua festa? Gostei muito do cometa. Devia sempre haver um cometa no céu, como há lua, sol, estrelas. Porque as pessoas andavam tão apavoradas? A mim não me causara medo nenhum.

Ora, o cometa desapareceu, aqueles que choravam enxugaram os olhos, o mundo não se acabou, talvez tenha ficado um pouco triste – mas que importância tem a tristeza das crianças?

Passou-se muito tempo. Aprendi muitas coisas, entre as quais o suposto sentido do mundo. Não duvido de que o mundo tenha sentido. Deve ter mesmo muitos, inúmeros, pois em redor de mim as pessoas mais ilustres e sabedoras fazem cada coisa que bem se vê haver um sentido do mundo peculiar a cada um."


    (Fragmento de “O fim do mundo”, crônica publicada na extinta revista O Cruzeiro)

quarta-feira, 20 de julho de 2011

CUMÉ QUI É?!

VINÍCOLA  EM SÃO ROQUE-RS


GERVÁSIO FICOU DOENTE
E PEDIU Á MULHER QUE FOSSE TRABALHAR
NO LUGAR DELE...

GOOGLE E HOMENAGENS

Ao abrir hoje a Internet, deparo-me na página do deus Google com um logotipo diferente - o que ilustra este texto (diz meu neto que isso acontece em datas especiais, a título de homenagem - e eu nem havia notado...tsc...tsc).
A tal homenagem de hoje é para o centésimo octagésimo nono (189º) ano do nascimento de Mendel, aquele das ervilhas. Nossa, quem é que se lembraria disso? Só mesmo o deus Google...
Pois bem, agora fiquei motivada a buscar na memória a história do trabalho desse monge agostiniano, Gregor Mendel. O meu blá-blá-blá de hoje não conta com pesquisa nenhuma, nem na Internet nem em qualquer outra fonte, por isso, se houver alguma maluquice, desde já eu mesma me perdoo. Sabe como é, nessa idade... (hihihihi)
O que lembro é de um livro de Biologia sobre Genética e Ecologia que li há muitos anos - acho que em 1994 ! (Xô, Alzheimer!).

Um dos capítulos do livro era sobre a semelhança entre pais e filhos. Pensava-se que as substâncias responsáveis pela hereditariedade existiam na forma de líquidos que passavam dos pais para os filhos, e com base nessa idéia, as características dos filhos proviriam da mistura do sangue do pai e da mãe.

Hoje sabemos que o veículo da hereditariedade são os genes  - setores dos cromossomos. Os mais jovens nasceram sabendo disso, mas para mim - que sou antiga, sou antiga... - foi muito legal aprender.

Então, as leis básicas da hereditariedade foram descobertas pelo tal monge. Ele publicou um relatório das suas pesquisas, mas os cientistas da época não deram atenção. Só depois da morte de Mendel é que seus trabalhos foram redescobertos, estudados e compreendidos. Hoje, ele é considerado o 'pai da Genética'.
As coisas são assim mesmo: depois de morto, todo mundo se torna sábio e santo.

O que me lembro desses estudos é que ele escolheu a ervilha para suas pesquisas porque essa planta se reproduz por autofecundação e apresenta contrastes na sua forma e cor. Foi feito um cruzamento entre as espécies diferentes, o que deu em novas plantas com características híbridas e que mesmo depois de novos cruzamentos havia sempre um fator dominante (do "pai" ou da "mãe").  Credo, que coisa mais complicada... o que sei é que com o gênero humano acontece a mesma coisa. 

Enfim, foi um bom exercício, para mim, lembrar-me das aulas de Biologia. O mote foi o logotipo do deus Google.  Devo admitir que a Internet me faz bem.

Uma coisa esquisita: depois de rabiscar esse texto, fui ao outro quarto e só então me dei conta de que a televisão está ligada na novela "O Clone". Eu, hein? Dizem por aí que 'coincidências não existem' . Sei não...

*                    *                    *
Sueli, julho 2011

terça-feira, 19 de julho de 2011

HISTÓRIA PEQUENA


Uma voz longínqua ficava  repetindo, repetindo: "Na vida, é preciso sorte..."
Mas o que era "sorte"?
Saúde, família bonita, trabalho compensador, mediana inteligência, amor correspondido, patrimônio razoável, vida tranquila -  as dádivas...às vezes com, às vezes sem merecimento. Às vezes tudo junto, às vezes um pouco de cada.
A vida seguindo seu curso. A história particular sendo criada com a indiferença e a falta de atenção características de quem aceita e por isso tem sorte.
Ali estava o segredo: aceitação.
Questionamento? Invenção de intelectual mal resolvido às voltas com perguntas filosóficas irrespondíveis.
Análises, pesquisas?  Diagnósticos não trazem a cura. Cura de quê? Nada havia a ser sanado.
A vida com pressa.
Compressa.
Compressão, sabe como é... vai apertando, vai apertando. A voz alertando para a necessidade da sorte.
Assim, de tanto ouvir, resolveu sair e procurar saúde, família bonita, trabalho compensador, mediana inteligência, amor correspondido, patrimônio razoável, vida tranquila.
Teve sorte.
Doente, sem família, sem trabalho, alucinado por um amor corrosivo, sem posses e sem sossego, não aceitou. Questionou, analisou, pesquisou, filosofou, compreendeu.
A vida se inflamou.

Sueli
Itatiaia, julho 2011
*     *     *

segunda-feira, 18 de julho de 2011

TOMÁS ANTONIO GONZAGA - "CARPE DIEM"



Lira XIV - Marília de Dirceu
Tomás Antonio Gonzaga


Minha bela Marília, tudo passa; 
A sorte deste mundo é mal segura; 
Se vem depois dos males a ventura, 
Vem depois dos prazeres a desgraça. 
Estão os mesmos Deuses
Sujeitos ao poder do ímpio Fado: 
Apolo já fugiu do Céu brilhante, 
Já foi Pastor de gado.

A devorante mão da negra Morte 
Acaba de roubar o bem, que temos; 
Até na triste campa não podemos 
Zombar do braço da inconstante sorte. 
Qual fica no sepulcro,
Que seus avós ergueram, descansado; 
Qual no campo, e lhe arranca os brancos ossos 
Ferro do torto arado.

Ah! enquanto os Destinos impiedosos 
Não voltam contra nós a face irada, 
Façamos, sim façamos, doce amada, 
Os nossos breves dias mais ditosos. 
Um coração, que frouxo
A grata posse de seu bem difere, 
A si, Marília, a si próprio rouba, 

E a si próprio fere. 

Ornemos nossas testas com as flores
e façamos de feno um brando leito;
prendamo-nos, Marília, em laço estreito,
gozemos do prazer de sãos Amores.
Sobre as nossas cabeças,
sem que o possam deter, o tempo corre,
e para nós o tempo, que se passa,
também, Marília, morre.

Com os anos, Marília, o gosto falta,
e se entorpece o corpo já cansado,
triste, o velho cordeiro está deitado,
e o leve filho sempre alegre salta.
A mesma formosura
é dote que só goza a mocidade;
rugam-se as faces, o cabelo alveja,
mal chega a longa idade.

Que havemos d'esperar, Marília bela?
Que vão passando os florescentes dias?
As glórias que vêm tarde, já vêm frias;
e pode enfim mudar-se a nossa estrela.
Ah! não, minha Marília,
aproveite o tempo, antes que faça
o estrago de roubar ao corpo as forças
e ao semblante a graça.
*         *         *

Notinha: Para mim, uma das mais belas "cantadas" filosóficas em língua portuguesa. (rsrsrs)
Na verdade há um erotismo velado, um pedido de casamento -'ornemos nossas testas com as flores / e façamos de feno um breve leito' - referência clara ao tradicional uso da grinalda de noiva e à noite com a amada. 
Mesmo porque os tempos eram outros e a delicadeza no trato era um hábito comum.

MANUEL BANDEIRA - Tempo será


TEMPO-SERÁ

Manuel Bandeira

A Eternidade está longe
(Menos longe que o estirão
que existe entre o meu desejo,
e a palma da minha mão).

Um dia serei feliz?
Sim, mas não há de ser já:
A Eternidade está longe,
Brinca de tempo-será.

*          *          * 

sexta-feira, 15 de julho de 2011

THAÍS GULIN e CHICO BUARQUE - Se eu soubesse

CHICO:BASTIDORES - Imagens da gravação do novo CD de Chico Buarque

SINCRONICIDADE

de volta...

Pois é... este blog tem pouquíssimo tempo, se pensarmos em quanto representam um ano ou dois em relação ao que se cria em termos de tecnologia e tudo o mais. Lembro-me de que postei alguns trechos de canções de Chico Buarque - de quem continuo fã - lamentando sua ausência da música por tão longo período (arquivo Língua de Trapo - 06/04/11). Depois, recebi por e-mail aquela 'carta do vizinho' (arquivo Língua Afiada - 30/06/11) criticando-o pelo envolvimento com o PT, e, mais recentemente, o episódio em que algumas pessoas - ah, o anonimato na Internet...- ofendiam o compositor chamando-o 'velho bêbado' e ele aparece comentando, com um riso nervoso, em como se iludira pensando que o artista fosse sempre amado. Assisti ao vídeo e fiquei pensando na pequenez de certas pessoas que têm como diversão achincalhar os outros e tentar diminuir o valor de talentos consagrados. Verdade que a Internet facilita o abuso das agressões verbais, mas mesmo antes de tanta tecnologia, sempre houve, sim, gente que gosta de confrontar as preferências musicais e artísticas destilando um desprezo e um ódio incabíveis em qualquer debate inteligente sobre essas escolhas. Acho tudo isso uma pobreza de espírito.

Bem, fiz esse pequeno comentário para trazer a boa notícia que li nos jornais de hoje. Aí está uma delas:

15/07/2011 - 07h35
Chico Buarque faz música de sua literatura em novo álbum
FERNANDO DE BARROS E SILVA - COLUNISTA DA FOLHA DE S.PAULO

O narrador de "Querido Diário", música de abertura do CD "Chico", pode ser visto como um desajustado social, um tipo que não se encaixa direito em lugar nenhum.
"Há algo de incômodo nesse personagem, talvez ele pertença mais ao mundo da literatura que ao da música popular, a exemplo do narrador de 'Estorvo'. De certa forma, me identifico com tipos assim", diz Chico Buarque.
Ao mesmo tempo, explica, "a melodia da canção é aparentemente bastante simples, ingênua quase, o que provoca uma estranheza que julgo interessante".
Nada disso é óbvio a quem ouve essa canção pela primeira vez. E a sensação de estranhamento vai acompanhar boa parte das dez canções que compõem o disco. Dificilmente uma delas vai estourar ou tocar no rádio.
Ao aproximar desse "Querido Diário" o personagem remoto e sem nome do romance que publicou em 1991, pela Companhia das Letras, Chico evidencia um dos traços de seu novo trabalho musical: ele está impregnado por sua obra literária.
Isso aparece de forma bem mais explícita em "Barafunda", a penúltima das músicas: "É, não é/ Era Zizinho era Pelé/ Aliás, Soraia era Anabela/ Era amarela a saia/ Foi quando a verde-e-rosa saiu campeã/ Cantando Cartola ao romper da manhã".
Essa voz que recorda e confunde tudo (amores, história, futebol) pode evocar "Pelas Tabelas", samba de 1984, mas é sobretudo irmã gêmea da fala de Eulálio, o centenário narrador de "Leite Derramado" (2009), perdido entre lembranças e delírios, realidade e imaginação.
Mas este não é um Eulálio que resmunga e lamenta, e sim que exulta e celebra a vida, o que reforça e reitera a tensão (ou o contraponto) na obra madura de Chico entre o mundo sem escapes da literatura e a promessa de felicidade (ou de reconciliação) inscrita na sua música.
A mesma tensão está presente em "Sinhá", afro-samba em parceria com João Bosco, momento alto do álbum. Amarrado ao tronco, o negro suplica (em tom menor) para não ter os olhos furados pelo senhor de engenho.
Ele jura não ter visto "sinhá" nua no açude. Na última estrofe, a voz muda e um outro narrador, agora em tom maior, revela ser o "cantor atormentado/ Herdeiro sarará/ Do nome e do renome/ De um feroz senhor de engenho/ E das mandingas de um escravo/ Que no engenho enfeitiçou sinhá".
O tema do descendente mestiço da classe dominante, que em "Leite Derramado" recebe tratamento humorístico, aqui aparece num longo gemido-lamento e eco da herança escravocrata.


VELHICE E AMOR
Mas Chico, 67, também é personagem de suas canções. O romance entre o homem mais velho e a mulher mais nova é o que inspira o blues "Essa Pequena". "Meu tempo é curto, o tempo dela sobra/ Meu cabelo é cinza, o dela é cor de abóbora."
Desde os primeiros versos, impossível não imaginar que a canção dramatiza, com leveza e ironia, o namoro entre o autor e a cantora Thais Gulin. Ambos dividem ainda a voz em "Se Eu Soubesse".
A mesma brincadeira com o amor tardio ou extemporâneo volta em "Tipo um Baião": "Não sei pra que/ Outra história de amor a essa hora/ Porém você/ Diz que está tipo a fim/ De se jogar de cara num romance assim".
"Chico" é um disco em que o herdeiro e continuador da tradição de Tom Jobim rende homenagem ao escritor que ele também é. E é o testemunho de um homem em estado de graça, apaixonado.
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quarta-feira, 13 de julho de 2011

TÁ DANADO...

CHATEAÇÃO 1
Dia cansativo, hoje. Um dos vizinhos resolveu ouvir música desde as 8 da manhã até agora, 20 e 30 h, "naquele" volume - e continua.  Parece uma boate de 5ª categoria, ou 6ª, ou 7ª, sei lá. A escolha musical, huuummm... sem comentários. Já dizia não sei quem:  gosto não se discute - lamenta-se. Enfim, cada um com o seu, né não?
O que realmente me incomoda nos dias atuais é essa falta de educação em geral. Também gosto de ouvir música - cada um com o seu gosto! de novo - mas não posso obrigar o outro a gostar do mesmo gênero. CADA UM COM O SEU!!
Resultado: uma dor de cabeça horrorosa, uma impossibilidade de concentração em qualquer outra coisa porque o som é realmente ensurdecedor. Falar com o dito cujo? (ou dita cuja, vai saber). Nem pensar... nesses tempos esquisitos (sempre uso essa expressão para o que temos vivido) certamente eu é que serei a "grossa' a "intolerante"; esses adjetivos são meus, pois a minha geração não usa a "muderna" linguagem de xingamentos. Imagine com que termos seria agraciada... E não "tô podendo"...
Pois bem, decido vir para a Internet e...

CHATEAÇÃO 2

Vou fingir que tudo está bem e continuar postando minhas maluquices. Tenho a impressão de que este blog não vai durar muito mesmo...
Todo dia é um probleminha novo com o blogger. Agora, por exemplo, só consigo abrir o blog se fizer login TODAS AS VEZES. Coisa chaaaaaaaaata!! Comentários? Nem pensar...
Juro que desta vez não dei mancada nenhuma, não fiz nada, NÃO FUI EU!
Já reclamei, enviei e-mail para a "equipe" de suporte, pedi ajuda - sem resultado. Quer saber? Melhor esquecer as impossibilidades.
Ainda bem que sou do tempo do caderno e da máquina de escrever (que, aliás, ainda tenho - uma Lettera - aquela italiana pequenininha) e ela funciona direitinho. (kkkkkkk!!!!!!!!).

É... tecnologia, tecnologia. Tudo em excesso dá nisso. Voltemos a fazer fogo com  pauzinhos.

Socoooorro!!!


terça-feira, 12 de julho de 2011

TAGARELA


Há dias em que desejo "conversar" um pouco. Conversa mesmo - hábito tão esquecido e quase impossível nestes tempos esquisitos - apenas conversar, sem compromisso, sem comentar as notícias sempre desencontradas, sem ter alguém como referência, enfim, simplesmente exercitar a comunicação, palavra banalizada talvez pela infinidade de recursos midiáticos.  
O fato é que gosto deste exercício com os poucos - e seletos - que por acaso visitam este blog. Penso ser saudável  expor nossas idéias, nossos sonhos (no caso das pessoas extrovertidas) ou mesmo compartilhar uma descoberta em qualquer campo do Conhecimento ou da Arte. Claro que muitas vezes o que é novidade para mim, o outro está "careca" de saber, mas é tão bom poder ainda se encantar, maravilhar-se com a aprendizagem enquanto estamos por aqui... Sei lá, adoro aprender, saber coisas, mesmo que não tenham a tal "utilidade". Aliás, já comentei que sou mesmo a rainha das coisas consideradas inúteis - (rsrsrsrsrs). Acredito que tudo o que nossos sentidos podem captar é digno de atenção e seleção.
Particularmente estou num momento em que isso me é possível. Tenho os afazeres comuns a toda mulher (e não são poucos), mas gosto de viver "por dentro".  Nossa, meu texto tem muitas aspas! O que será isso? Já sei, é porque converso comigo mesma e não há necessidade de explicar o termo.
Essa historinha do Fantasma da Ópera, por exemplo: li, gostei e vim compartilhar no blog. Sou mesmo tagarela, fazer o quê?

THE PHANTOM OF THE OPERA



Cena do filme "The Phantom of the Opera" - 2004 
Inspirado na novela de Gaston Leroux - publicada em 1911
Música de Lloyd Weber Learn
Intérprete: Emmy Rossum

Gosto muito desta Ária, embora seja menos conhecida...

Historinha interessante  (Wikipedia):

A obra foi escrita depois de Leroux ter visitado a Ópera de Paris e ter conhecido o seu lago subterrâneo, que realmente existe, e quase se perder no labirinto de portas e escadas que é esse teatro.

Em 1896, houve um acidente com o lustre da Ópera de Paris que caiu sobre a platéia lotada. Ao que parece, foi obra de um militante anarquista que colocou uma bomba no lustre. Juntando a esses ingredientes uma boa dose de imaginação, Leroux criou sua obra-prima.

Pouco a pouco o livro conquistou o público, tornando-se um grande sucesso.
Posteriormente Leroux tanto aprovou como colaborou na elaboração de uma versão cinematográfica do livro, feita pela Universal Pictures em 1925. Muitas outras versões foram feitas depois, mas nenhuma delas foi fiel à história de Leroux.

*                  *                     *

segunda-feira, 11 de julho de 2011

AFFONSO ROMANO DE SANT'ANNA - Assombros

Assombros
Affonso Romano de Sant'Anna
Às vezes, pequenos grandes terremotos

ocorrem do lado esquerdo do meu peito.

Fora, não se dão conta os desatentos.

Entre a aorta e a omoplata rolam

alquebrados sentimentos.

Entre as vértebras e as costelas

há vários esmagamentos.

Os mais íntimos

já me viram remexendo escombros.

Em mim há algo imóvel e soterrado

em permanente assombro.
*        *        *

CASSIANO RICARDO - (Ninguém mais)


NINGUÉM MAIS
Cassiano Ricardo

Quando pergunto alguma coisa
ao silêncio da hora triste,
não sei de onde uma voz me responde.

Quando olho no espelho do rio,
no azul sem mágoa da planície de água,
vejo alguém que me espia longamente...

Quando vou pela estrada
que serpeia no oceano de areia
sob a lua que me ilumina o passo incerto,
noto que um vulto, alguma sombra estranha,
pelo caminho me acompanha...

Tenho três amigos:
meu eco,
minha imagem,
minha sombra.

*        *        *

domingo, 10 de julho de 2011

BEM MAIOR - Roupa Nova



Para cada um dos meus netos:
Henrique, Pedro, Marcos, Manuela e...

Francisco, que está chegando, está chegando...

quinta-feira, 7 de julho de 2011

AMIZADE?!

Trecho de um artigo de Marcia Tiburi, revista Cult, n.154, fevereiro 2011

(...) Um amigo só é amigo se for para sempre. Mas quem é capaz de sustentar uma amizade hoje quando se pode ser amigo de todos e qualquer um?
De todas as redes sociais, duas delas, Orkut e Facebook, usam a curiosa terminologia “amigo” para nomear seus participantes. Certamente o uso da palavra não garante a realidade do fato, antes banaliza o significado do que poderia ser amizade, como mostra o recente filme A Rede Social (The Social Network, 2010), dirigido por David Fincher. O filme não é apenas um retrato de Mark Zuckerberg, o jovem e bilionário criador do Facebook, mas uma peça que pode nos fazer pensar sobre o sentido que nosso tempo digital dá à amizade.
Mark Zuckerberg, como personagem do filme, é o sujeito excluído de um clube. Dominado pelo básico desejo humano de “fazer parte”, ele decide criar seu próprio clube. No filme, ele consegue ter milhares de “conectados” – na realidade o Facebook hoje conecta 500 milhões de pessoas ou “amigos” – e perder seu único amigo verdadeiro, Eduardo Saresin. A amizade é a básica e absoluta forma da relação ética, aprendida como função fraterna no laboratório familiar e na escola; ela é uma qualidade de relação. Tratá-la como quantidade é a autodenúncia de seu fetiche e de sua transformação em mercadoria. O valor do filme está em mostrar a inversão diante da qual não há mais nenhuma chance de ética: um amigo não vale nada perto de milhões, como uma moedinha que perde seu valor diante de um cofre cheio. Amigos transformados em números não são amigos em lugar nenhum, nem na metáfora de Roberto Carlos ("eu quero ter um milhão de amigos"), que serve aqui para denunciar criticamente o mundo do qual somos responsáveis junto com Mark Zuckerberg.
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ELIS REGINA- As Aparências Enganam

quarta-feira, 6 de julho de 2011

CASA ARRUMADA - Drummond


CASA ARRUMADA
Carlos Drummond de Andrade (*)
Lena Gino

Casa arrumada é assim:
Um lugar organizado, limpo, com espaço livre pra circulação
e uma boa entrada de luz.

Mas casa, pra mim, tem que ser casa 
e não um centro cirúrgico, um cenário de novela.

Tem gente que gasta muito tempo limpando, esterilizando, ajeitando os móveis,
afofando as almofadas…
Não, eu prefiro viver numa casa onde eu bato o olho e percebo logo:
Aqui tem vida…

Casa com vida, pra mim, é aquela em que os livros saem das prateleiras 
e os enfeites brincam de trocar de lugar.
Casa com vida tem fogão gasto pelo uso,

pelo abuso das refeições fartas, 
que chamam todo mundo pra mesa da cozinha.


Sofá sem mancha?
Tapete sem fio puxado?
Mesa sem marca de copo?
Tá na cara que é casa sem festa.
E se o piso não tem arranhão, é porque ali ninguém dança.

Casa com vida, pra mim, tem banheiro com vapor perfumado no meio da tarde.
Tem gaveta de entulho, daquelas que a gente guarda barbante,
 passaporte e vela de aniversário, tudo junto…

Casa com vida é aquela em que a gente entra
e se sente bem-vinda.
A que está sempre pronta pros amigos, filhos…
Netos, pros vizinhos…
E nos quartos, se possível, tem lençóis revirados 
por gente que brinca ou namora a qualquer hora do dia.

Casa com vida é aquela que a gente arruma
pra ficar com a cara da gente.

Arrume a sua casa todos os dias…
Mas arrume de um jeito que lhe sobre tempo pra viver nela…
E reconhecer nela o seu lugar.

*              *              *
(*) 
Lena Gino
RIO DE JANEIRO
13/08/2011
Informo que o texto CASA ARRUMADA não é de autoria de Drummond. Ele foi escrito por mim, este ano. Agradeço se a verdadeira autoria for devidamente creditada. 
Lena Gino.

In: JBWIKI - Jornal do Brasil


JOÃO UBALDO RIBEIRO - Observações de um usuário


Observações de um usuário
João Ubaldo Ribeiro - O Estado de S.Paulo

A língua inglesa nunca teve academias para formular gramáticas oficiais e certamente seria afogado no Tâmisa ou no Hudson o primeiro que se atrevesse a tentar impor normas de linguagem estabelecidas pelo governo. Sua ortografia, que rejeita acentos e outros sinais diacríticos, é um caos tão medonho que Bernard Shaw deixou um legado para quem a simplificasse e lhe emprestasse alguma lógica apreensível racionalmente, legado esse que nunca foi reclamado por ninguém e certamente nunca será, apesar de algumas tentativas patéticas aqui e ali. Ingleses e americanos dispõem de excelentes manuais do uso da língua, baseados na escrita dos bons escritores e jornalistas - e, quando um americano quer esclarecer alguma dúvida gramatical ou de estilo, usa os manuais de redação de seus melhores jornais.

A segregação racial nos Estados Unidos produziu um abismo linguístico entre a língua falada pelos negros e a usada pelos brancos. Durante muito tempo, a língua dos negros foi vista como uma forma corrompida ou degenerada da norma culta do inglês americano. Mas já faz tempo que essa visão subjetiva e etnocêntrica foi substituída e o inglês falado pelos negros passou a ser visto pela ciência linguística como "black English", uma língua perfeitamente estruturada, com morfologia e sintaxes próprias, com sua gramática e sua funcionalidade autônoma, não mais como inglês de quinta categoria. E essa visão não foi acatada "de favor" ou para fazer demagogia com a coletividade negra, mas porque se tornou inescapável a existência de uma língua falada por ela, eficaz na comunicação de informação e emoção e que prescindia, sem que isso fizesse falta, de determinados recursos do inglês dominante.

Todos nós, com maior ou menor habilidade, falamos várias línguas, ou dialetos, dentro da, digamos, língua-mãe. Falamos língua de criança, língua chula, língua de solenidade. Podemos não chegar a falar todas as muitas línguas à disposição, mas geralmente as entendemos, como, por exemplo, quando ouvimos um caipira. Essas línguas, em padrões de variedade quase infinita, são todas legítimas, não são "erradas", pois, em rigor, nenhuma língua que funcione realmente como tal é "errada". E, muitas vezes, ao falarmos "certo", estamos na realidade falando inadequadamente, como um orador que, num comício no Mercado de Itaparica, se esbaldasse em proparoxítonas, polissílabos e mesóclises. Eu mesmo falo itapariquês de Mercado razoavelmente bem e alguns entre vocês, se me ouvissem lá, talvez tivessem dificuldade em entender algo que eu dissesse, por exemplo, a meu amigo Xepa.

Cientificamente, a neutralidade quanto a línguas, dialetos ou usos subsiste. Mas não socialmente, e é isso o que me parece ainda estar sendo discutido em torno da propalada aceitação, pelo MEC, de erros de português. "Erro de português" é uma expressão que desagrada ao linguista, porque ele não vê o fenômeno sob essa ótica. No entanto, é assim que o enxerga o público, mesmo o analfabeto, que aprende pelo ouvido a distinguir o certo do errado. Isto porque sempre se entendeu no Brasil que ensinar português é ensinar a norma culta, que, durante muito tempo, foi até mesmo ditada pelos usos de Portugal.

Quer se queira quer não - e há séculos de formação por trás disso -, a norma culta é tida como a correta e a única que representa verdadeiramente nossa língua. Sua violação é tolerada em manifestações literárias e artísticas de modo geral - e, assim mesmo, funciona mais quando o intuito é obter efeitos cômicos, ou "folclóricos", com essa violação. As pessoas costumam observar a adesão à norma culta no que ouvem e leem. Falar e escrever de acordo com ela é socialmente muito valorizado e resulta num poder de que a maioria não se sente boa detentora e ao qual todos aspiram. Não é questão linguística, é questão política. Não se trata de dizer aos que desconhecem a norma culta que a fala deles tem a mesma legitimidade, porque não adianta, não "cola" na sociedade. Trata-se de ensinar a esse praticante o pleno domínio da norma culta, a qual, mesmo tendo que absorver mudanças, nunca abdicará de sua hegemonia e é a de que ele vai precisar para subir na vida.

Advertir contra o preconceito sofrido por quem "fala errado" também não adianta nada, diante da força onipresente da norma culta. (Aliás, no Brasil estamos sempre à frente e agora legislamos sobre preconceitos e tornamos ilegal ter preconceitos, quando isto é praticamente impossível, pois o possível é apenas tornar ilegal a manifestação do preconceito.) A fala é dos mais importantes recursos para o que se poderia chamar de reconhecimento social da pessoa. Vendo alguém pela primeira vez, fazemos, conscientemente ou não, um julgamento automático. Aprontamos uma ficha mental, avaliamos a roupa, a idade, o estado dos dentes e, inevitavelmente, a fala, através da qual é frequentemente possível saber a origem e a extração social de um interlocutor eventual. A norma culta, a dominante, a que é ensinada como correta, mostra sua cara imediatamente e se reflete logo na maneira pela qual o sujeito é percebido e tratado. Ferreira Gullar tem razão, a crase não foi feita para humilhar ninguém. Mas humilha o tempo todo. E agora, pensando aqui nessa tirania da norma culta, fico imaginando se ela não é empregada com esse fim, por certos fiscais dogmáticos. Não devia ser, porque, afinal, ela é necessária para preservar e aprimorar a precisão da linguagem científica e filosófica, para refinar a linguagem emocional e descritiva, para conservar a índole da língua, sua identidade e, consequentemente, sua originalidade. Ao contrário do que entendi de certas opiniões que li sobre o assunto, a norma culta não tem nada de elitista, é ou devia ser patrimônio e orgulho comuns a todos. Elitismo é deixá-la ao alcance de poucos, como tem sido nossa política.

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Texto recebido por e-mail, da minha amiga Chrysley, em 05-07-2011