sábado, 13 de novembro de 2010

CIÊNCIA POÉTICA


SERÁ A CIÊNCIA ASSASSINA DA POESIA?

Ciência e poesia pertencem à mesma busca imaginativa humana, embora ligadas a domínios diferentes de conhecimento e valor. A visão poética cresce da intuição criativa, da experiência humana singular e do conhecimento do poeta. A Ciência gira em torno do fazer concreto, da construção de imagens comuns, da experiência compartilhada e da edificação do conhecimento coletivo sobre o mundo circundante. Tem como vínculo restritivo, ao contrário da poesia, o representar adequadamente o comportamento material; tem, mais profundamente que a leitura poética do mundo, a capacidade de permitir a previsão e a transformação direta do entorno material. As aproximações entre Ciência e poesia revelam-se, no entanto, muito ricas, se olhadas dentro de um mesmo sentimento do mundo. A criatividade e a imaginação são o húmus comum de que se nutrem. Na origem desses dois movimentos, as incertezas de uma realidade complexa que demanda várias faces.
(excerto do Projeto Ciência para poetas, realização da Casa da Ciência)


Possíveis aproximações...


Budismo moderno - Augusto dos Anjos

Tome, Dr., esta tesoura, e... corte
Minha singularíssima pessoa.
Que importa a mim que a bicharia roa
Todo o meu coração, depois da morte?!

Ah! Um urubu pousou na minha sorte!
Também, das diatomáceas da lagoa
A criptógama cápsula se esbroa
Ao contato de bronca destra forte!

Dissolva-se, portanto, minha vida
Igualmente a uma célula caída
Na aberração de um óvulo infecundo;

Mas o agregado abstrato das saudades
Fique batendo nas perpétuas grades
Do último verso que eu fizer no mundo!
**
 
A idéia - Augusto dos Anjos

De onde ela vem?! De que matéria bruta
Vem essa luz que sobre as nebulosas
Cai de incógnitas criptas misteriosas
Como as estalactites duma gruta?!

Vem da psicogenética e alta luta
Do feixe de moléculas nervosas,
Que, em desintegrações maravilhosas,
Delibera, e depois, quer e executa!

Vem do encéfalo absconso que a constringe,
Chega em seguida às cordas do laringe,
Tísica, tênue, mínima, raquítica ...

Quebra a força centrípeta que a amarra,
Mas, de repente, e quase morta, esbarra
No mulambo da língua paralítica.
**
História de um Átomo (Eternidade da matéria)
Rodolfo Teófilo

Fui átomo de rocha, fui granito,
Fui lava de vulcão, fui flor mimosa,
Sutil perfume, nuvem borrascosa
Manchando a transparência do infinito.

Vaguei no espaço... errante aerolito
Transpus mundos de essência vaporosa.
De santos fui artéria vigorosa,
O coração formei a ser maldito.

Nasci com a Terra; gaz eu fui com ela,
Estive de Princípio na procela,
Fui nebulosa, sol, planeta agora.

Há cem mil séculos vivo m’encarnando,
Águia n’altura, verme rastejando,
Pólen voando pelo espaço a fora.
**
Máquina Breve - Cecília Meireles

O pequeno vaga-lume
com sua verde lanterna,
que passava pela sombra
inquietando a flor e a treva

— meteoro da noite, humilde,
dos horizontes da relva;
o pequeno vaga-lume,
queimada a sua lanterna,

jaz carbonizado e triste
e qualquer brisa o carrega:
mortalha de exíguas franjas
que foi seu corpo de festa.

Parecia uma esmeralda
e é um ponto negro na pedra.
Foi luz alada, pequena
estrela em rápida seta.

Quebrou-se a máquina breve
na precipitada queda.
E o maior sábio do mundo
sabe que não a conserta.

**

Quanta - Gilberto Gil / Arnaldo Antunes

Quanta do latim
Plural de quantum
Quando quase não há
Quantidade que se medir
Qualidade que se expressar

Fragmento infinitésimo
Quase que apenas mental
Quantum granulado no mel
Quantum ondulado do sal.
Mel de urânio, sal de rádio
Qualquer coisa quase ideal

Cântico dos cânticos
Quântico dos quânticos

Canto de louvor
De amor ao vento
Vento arte do ar
Balançando o corpo da flor
Levando o veleiro pro mar
De pensamento em chamas
Inspiração
Arte de criar o saber
Arte, descoberta, invenção
Teoria em grego quer dizer
O ser em contemplação

Cântico dos cânticos
Quântico dos quânticos

Sei que a arte é irmão da ciência
Ambas filhas de um Deus fugaz
Que faz num momento e no mesmo momento desfaz.
**
Grafito Para Maiakovski - Murilo Mendes

Um cosmonauta cantando dá volta ao cosmos
Enquanto eu desfaço a barba.

Constrói-se a décima musa
Economia dirigida Unatotal
Que deverá mover o homem novo

Planifica-se nos laboratórios
A futura direção dos ventos
Extrai-se a energia das algas
Opera-se o sol

Eletrifica-se a eternidade
Reversível
Entretanto
O PLANETA NÃO ESTÁ MADURO PARA A ALEGRIA.
 
*            *            *

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