quinta-feira, 30 de maio de 2013

WISLAWA SZYMBORSKA - dois poemas

Torturas
Wislawa Szimborska

Nada mudou.
O corpo sente dor,
necessita comer, respirar e dormir,
tem a pele tenra e logo abaixo sangue,
tem uma boa reserva de unhas e dentes,
ossos frágeis, juntas alongáveis.
Nas torturas leva-se tudo isso em conta.

Nada mudou.
Treme o corpo como tremia
antes de se fundar Roma e depois de fundada,
no século XX antes e depois de Cristo,
as torturas são como eram, só a terra encolheu
e o que quer que se passe parece ser na porta ao lado.

Nada mudou.
Só chegou mais gente,
e às velhas culpas se juntaram novas,
reais, impostas, momentâneas, inexistentes,
mas o grito com que o corpo responde por elas
foi, é e será o grito da inocência
segundo escala e registro sempiternos.

Nada mudou.
Exceto talvez os modos, as cerimônias, as danças.
O gesto da mão protegendo o rosto,
esse permaneceu o mesmo.
O corpo se enrosca, se debate, se contorce,
cai se lhe falta o chão, encolhe as pernas,
fica roxo, incha, baba e sangra.

Nada mudou.
Além do curso dos rios,
do contorno das costas, matas, desertos e geleiras.
Entre essas paisagens a pequena alma passeia,
estranha a si própria, inatingível,
ora certa, ora incerta da sua existência,
enquanto o corpo é, é, é
e não tem para onde ir.”
**

As três palavras mais estranhas
Wislawa Szimborska

Quando pronuncio a palavra Futuro,
a primeira sílaba já se perde no passado.

Quando pronuncio a palavra Silêncio,
suprimo-o.

Quando pronuncio a palavra Nada,
crio algo que não cabe em nenhum não ser.

*            *            *


Do livro Poemas, tradução de Regina Przybycien, Companhia das Letras.

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