terça-feira, 9 de setembro de 2014

ADÉLIA PRADO - em 'Manuscritos de Felipa'

Manuscritos de Felipa (trecho)
Adélia Prado

" (...) Envelheço para trás, ideia consoladora, porque envelhecer para trás é voltar ao começo, ao lugar ageográfico onde se iria casar, ter filhos, uma casa com coisas minhas, quinquilharias de que poderia dispor como bem entendesse.

Tudo se cumpriu, não apenas meus seios.

Ninguém tira do lugar, por inadequado que seja, o quadro, o jarro, o relógio, sou a dona, governo a combinação dos legumes, decido entre carne e peixe, desembarco na plataforma onde uma mulher, sem se preocupar se a alça do sutiã está aparecendo, anuncia ao mundo: sei como se aquece uma casa.

Contudo me ronda, com desassossegado apetite, o demônio da tristeza, ronda à minha cata, à cata do mundo, certamente aliciando mulheres como eu, nos confundindo quanto a hormônios, palpites na criação dos netos, minando com maestria os muros do castelo. (...)"

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