sexta-feira, 26 de dezembro de 2014

O Imperativo da Felicidade


O Imperativo da Felicidade
Jean Alessandro Bertollo - publicado em "Obvious - Literatura"

"Seja feliz, que sua felicidade seja uma rotina diária, não demonstre tristeza, não publique coisas tristes nas redes, só mostre seu melhor lado, sua melhor imagem" 

Essas são coisas que estão sub-ditas, e que imperceptivelmente obedecemos, ou tentamos perseguir diariamente.
  

Massificação. É muito mais fácil manipular indivíduos no meio de uma grande massa, há muito menos espaço para o racional, para o lógico,e como diria Freud, muito mais afloração das pulsões primitivas.
Em Admirável Mundo Novo, de Aldous Huxley, aparece uma sociedade onde não há espaço para o singular, onde o lema é "cada um é de todos", qualquer desvio de conduta, ou inquietação é sanado com o "soma" uma droga sem efeitos colaterais distribuída para a população. 
Promiscuidade sexual é regra! Satisfazer imediatamente qualquer apetite sexual, pois uma pulsão inibida, faz com que apareça inquietação, busca, questão, arte, cultura, sentimentos. E isso desestabiliza a perfeição engenhosa da sociedade futurística.

Qualquer sinal de apego ou amor é sanado com tratamentos onde são injetadas altas doses de adrenalina e outros químicos que imitam o estado "apaixonado". 
As doenças foram mapeadas, assim como todos os genes humanos e possíveis erros, de modo que a doença não existe mais. 
Os seres humanos são condicionados até os 17 anos a aceitar sua condição numa determinada casta, se vem como privilegiado em estar nela, além de vários outros condicionamentos como não sentir medo da morte, se sentir altamente realizado e feliz diante de uma rotina diária e repetitiva. 

O próprio autor diz, alguns anos mais tarde que se espanta com o modo que suas previsões parecem cada vez estarem mais perto. 
Basta uma criança causar um pouco de agitação, já recebe sua dose somática de Ritalina. Basta que alguém se sinta triste por mais de um dia, logo é tachado depressivo. 
Dificilmente há alguém que não se enquadre em algum distúrbio ou doença mental descrita nos manuais de diagnóstico psiquiátricos CID e DSM.
É quase impossível escapar do seu enquadramento minucioso. Isso sem entrar na discussão sobre um padrão americano que determina o que é normal e o que não é, sendo as sociedades e culturas diferentes. 
Onde está espaço para cada um ser único?

A indústria da cultura e do entretenimento martela nossas cabeças com coisas que se dizem arte, e que muita gente aceita, e ainda por cima briga para defender. 
O consumo é regra, e o sujeito que não consome, sequer pode ser chamado de indivíduo. 

Em meio a tudo isso é nos ordenado que sejamos felizes, ou que pelo menos fiquemos fingindo e nos vangloriando que somos realmente. Pois não há tempo para tristeza, para luto. É preciso trabalhar, correr, trabalhar pra ter um carro melhor, depois um melhor, depois outro. E se algo esta errado, tome um antidepressivo, um relaxante, um estimulante... Estamos indo a algum lugar com tudo isso... que lugar é esse?

Interessante a ideia de Contardo Calligaris sobre a felicidade: não quero ser feliz, por que ser feliz é um estado monótono onde tudo vai bem, onde tudo fica estagnado. Quero ter uma vida interessante, pois os momentos de sofrimento são necessários também.

A que ponto chegamos que não temos nem o direito de sofrer em paz? (com o perdão da ironia). 



No livro de Huxley há um personagem que se sente deslocado, ele resolve ir até o ultimo lugar onde ainda ha pessoas nascendo, vivendo em famílias, onde é permitido adoecer, amar, sofrer...lá conhece um selvagem, que trás para a civilização, e se torna uma espécie de ícone que desperta curiosidade em todos.

O selvagem se espanta com esse mundo bizarro, pois pra ele é normal sofrer, chorar, adoecer, ser livre, poder sentir se único, poder pensar, amar, viver com intensidade... sejamos um pouco mais "selvagens" então!


*            *            *

Nenhum comentário:

Postar um comentário