sexta-feira, 23 de janeiro de 2015

TEL MONT - Filme breve



FILME BREVE

Do norte a outra vem, lenta e feérica. Uma fada loura salpicando sensualidade. Via-a todos os dias ir e vir do trabalho, ambas anônimas porém cada vez menos indiferentes. Bebia-lhe o perfume, prendia-se ao seu andar, aprendia-lhe as cores das roupas, horários, jeito e gestos. À noite, voava até sua janela e sonhava-lhe a intimidade.

Certa vez, num misto de cálculo, estratégia e destino, conseguiu sentar exatamente atrás dela no ônibus pela manhã. O vento entrando pela janela fez os leves cachos de sol roçarem em seus dedos emocionados. Descobriu mínimas sardas espalhadas por seus ombros (ela usava um vestido de decote largo).

Gostava de ser secreta, íntima espera ansiosa por trás de vidraças ou grades trabalhadas ou falsas distrações. Às vezes, a fada passava rasante pela sua porta e o olhar dela sempre a flechava de soslaio. Agora, no entanto, o imprevisível acontecia e a cercava sem saída.
O corpo branco veio vindo, os olhos dourados flamejantes e doces, e o mundo todo foi morrendo devagarzinho para não assustar as crianças e os enternecidos. Sob a chuva com sol seu corpo foi invadido por ondas de ternura ardente, delicadeza e frisson.
O olhar dela a tocou num golpe profundo.
"Teu desejo me irrita e me atrai. Me seduz essa contradição." - disse a fada, sem falar.
O olhar dela próximo, tão próximo, cruzou os céus do seu segredo. Ela passou e levou o sol, a chuva, encantou as palavras quase ditas e deixou um quê de infinito tremeluzindo pelo resto da tarde cinza. 

(TEL MONT)

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