sábado, 13 de fevereiro de 2016

Subterrâneos - Leticia Wierzchowski

Subterraneos
"No fundo, somos todos uma Roma"

Subterrâneos
Leticia Wierzchowski  
11 de fevereiro 2016 ,  blog Editora Intrínseca

No fundo, somos todos uma Roma. (fonte)

Somos nossa própria alvenaria.

Horas e dias e anos amontoam-se dentro da gente como peças e recantos de uma casa na qual o único desenho é o destino. 
Alguns de nós conseguem delimitar um espaço aqui ou ali por vontade própria, afinal sempre existem os estoicos.

Mas a planta geral da nossa existência é aleatória.

E os desabamentos acontecem, grandes ou pequenos. Tragédias íntimas, quem não as tem?

Falências, mortes, divórcios, doenças, sonhos que morrem e afetam profundamente os alicerces da nossa vida, derrubam paredes, interditam caminhos, escondem a vista. 
Podemos colocar tábuas e construir pontes que nos ajudem a atravessar essas crateras emocionais no dia a dia. Mas o passado que ruiu seguirá em cada um de nós feito uma cicatriz, assim como — oxalá! — as boas surpresas da vida às vezes nos entregam uma inesperada varanda para o mar, um sótão iluminado ou uma escada para novos horizontes.

Com o passar dos anos, todos seremos como essas cidades antigas sobre as quais o tempo vai depositando teimosamente suas incontáveis camadas, uma coisa soterrando a outra, e assim por diante, de forma que chegamos a imaginar que conseguimos esquecer certas pessoas, algumas memórias e antigas dores. 

Mas aí, subitamente, nos vemos obrigados a cavar uma vala, abrir espaço para o futuro, construir o túnel dos nossos dias, e lá está tudo intacto no fundo da gente, como a bela cidade de Roma com suas eternas obras do metrô — seus teimosos túneis acabam sempre topando com um palácio, ou catacumbas, ou termas, ou um anfiteatro. 
E os engenheiros precisam driblar esses tesouros renascidos das entranhas do tempo, contornando judiciosamente o passado que brota do chão romano por todos os lados.

No fundo, somos todos uma Roma — o passado inexpugnável nos habitará para sempre, oculto no centro palpitante da nossa memória.

Basta cavar.

E, às vezes, nem muito.

*            *            *

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