quarta-feira, 27 de fevereiro de 2013

DALTON TREVISAN e MACHADO

Carta de Dalton Trevisan à Academia Brasileira de Letras


Curitiba, 15 de junho de 2012
À Academia Brasileira de Letras,
Rio de Janeiro


Prezado Senhor Geraldo Holanda Cavalcanti, Presidente em exercício:

As honrarias é de bom uso que se agradeçam. Entre as maiores essa da nossa Academia de Letras – guarda zelosa da língua e das tradições literárias –, o dileto Prêmio Machado de Assis.

Ele nos iniciou, o grande bruxo, no prazer secreto da leitura – uma jornada não a virgens terras ou mares, ainda mais longe, aos confins do coração humano. E nos introduziu a que doces criaturas, desde então da nossa particular estima.

Primeiro – grande lascivo! – as mulheres. Capitu, enganosa, calculista, perversa (os braços… nus no baile… os mais belos… Os braços merecem um período), que traiu o ingênuo Bentinho e afogou nos seus lindos olhos de ressaca o incauto Escobar.

Sofia, essa (os braços… oh! os braços! Que benfeitos!), do busto emergindo das cadeiras amplas como uma grande braçada de folhas sai de dentro de um vaso, endoidou de vez o pobre Rubião com suas barbas e bigodes longos, perdido no vago o olhar cismático – a viver do que podia ter sido.

Virgília, a florida Virgília dos opulentos e magníficos braços nus… Eia, essa forte obsessão de braços – a oportunidade única de fartar os olhos quando as musas desciam o vestido para cobrir os sapatos!

Mais as figuras inesquecíveis dos contos. Na Missa do Galo, a boa Conceição de roupão branco, grandes olhos espertos, metade dos braços à vista e bastou ao moço entrever-lhe, a furto, o bico das chinelinhas para que a sua imagem durante a missa pairasse entre ele e o padre.

O Pestana, de Um Homem Célebre, o autor insatisfeito de polcas da moda, tocadas nos bailes e assobiadas nas ruas, mas que ansiava por sinfonias clássicas e expirou bem com os homens e mal consigo mesmo. Uma sábia lição para nós outros: se não compomos sonatas, bem nos contentemos com polcas ligeiras.

Uns Braços, esse famoso par de braços nus, belos e cheios de d. Severina, cuja visão faz o jovem escrevente esquecer de si e de tudo. E, dorminhoco, ai dele, perdeu de vê-la quando, inclinando-se, abrochou os lábios e deixou-lhe um beijo na boca.

Tais e tantos personagens, Capitu, Bentinho, Sofia, Rubião, Virgília, Braz Cubas, além dos vários comparsas: o agregado José Dias que, nas horas graves, era gravíssimo; as boas e patuscas viúvas dos saraus; esse homem grave o dr. Vilaça, medido e lento; sem esquecer d. Plácida, que brotou da conjunção de luxúrias vadias e o impávido major, o terrível major Siqueira, que falando chovia a cântaros – todos eles gente viva, vivíssima que, pelo resto da vida, continuamos a frequentar e conversar. Graças ao gênio Machado de Assis.

E mais não escrevo, por não me alongar. Perdoe, caro Senhor, o tremido da letra e o desgrenhado do estilo.

Entrado em anos, ai de mim, os muitos achaques me proíbem de agradecer pessoalmente esse prêmio tão caro ao coração. O que busquei, embora desjeitoso, fazer nestas sentidas palavras.

Com as melhores saudações.

Dalton Trevisan


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