segunda-feira, 12 de agosto de 2013

MINITEXTOS - Leonardo Sakamoto

Pequenos contos para um domingo qualquer  
Leonardo Sakamoto (*)

Posto no Facebook míseros contos e crônicas sobre o cotidiano. 
A ideia inicial era a alegrar amigos, garantindo que a caixa postal do e-mail deles tivesse uma história ao nascer do dia. 
Apenas por diversão, fui publicando os contos na rede, arregimentando meia dúzia de leitores que, caridosamente, sugeriram uma publicação em papel. 
Cometi o crime, então, de lançar “Pequenos Contos para Começar o Dia”, pela Expressão Popular. Os contos, abaixo, são de panelada nova e não estão no livro.
Leonardo Sakamoto


***
Ela gastava horas passando uma camisa, tão branca quanto os fios de sua cabeça – como se os anos tivessem deixado o tecido eternamente amarrotado. 
Após cuidar para que cada cantinho estivesse impecável, pendurava-a perto da janela e a brisa da madrugada trazia a roupa à vida. 
Dormia sentada de tanto observar, provavelmente saudosa da época em que, dentro da camisa, havia alguém. 
Quando faltava inspiração, eu pegava um café e a espiava do meu apartamento. Mas por semanas sua janela permaneceu fechada. 
Dia desses, uma moça muito bonita assumiu o lugar da velha senhora na tarefa de passar o mundo. Horas depois, duas camisas brancas, de homem e de mulher, se enroscavam, dançando juntas ao vento.
Pareciam felizes.

***
Cruzou madrugadas em claro, flutuando no sofá da sala, até decidir que ficaria lá para sempre. Quem sabe, um dia, ela se lembraria de que fizera alguém chorar um oceano? Por isso, quando as primeiras ondas de luz da primavera molharam o chão, resistiu, agarrando-se às almofadas e, nelas, à pena que sentia de si mesmo. O sol não se fez de rogado e, em fúria, o arrancou de casa. Então, na fila da padaria, conheceu Camila. Sorriu para si mesmo. E lembrou das palavras do avô, velho pescador de histórias: O mar tira. Mas o mar devolve.

***

Olhou para o lado e, de repente, sentiu-se só.
Rapidamente, tentou desfazer o nó que enrola a garganta dos que têm pena de si mesmos. 
Primeiro num silêncio que, tão fundo, foi ouvido no céu. Depois, gritando tanto que despertou a terra. Enfim, abraçou a si mesmo por tanto tempo que se lembrou de algo que fizeram-no esquecer: ele era excelente companhia.

***
Num passe de mágica, o carro dos garotos bêbados saiu de dentro do seu, devolvendo-o imediatamente à vida. 
Assim, voltou a cantarolar sua música preferida que, coincidentemente, tinha começado a tocar no rádio no momento em que deixara a casa de sua namorada – onde um pedido de casamento provocou lágrimas e dois corpos feitos um iluminaram a noite. 
Depois, algumas horas mais cedo, retornou à joalheria, onde um punhado de esperança na forma de um solitário foi financiado graças ao aumento que recebera no trabalho no final da tarde. 
Do escritório, voltou para casa a fim de tomar o café da manhã, ler o jornal e receber a notícia de que, depois de duas tentativas, havia passado no mestrado. 
Então, ainda com sono, caiu em sua cama e fechou os olhos. 
Sonhara naquela noite com uma vida longa, filhos correndo atrás de um labrador caramelo e um rosário de sucessos, mas também de fracassos, como a vida deve ser. 

Mas o maldito despertador tocou – ele sempre tem que tocar – fazendo com que o tempo voltasse a correr para frente, atropelando qualquer truque de mágica e mostrando que felicidade é algo frágil, difícil de segurar.

***
No Dia dos Pais – 11 de agosto de 2013 

Ainda escuro, ouvia meu pai estrilar os sininhos da bicicleta pela estrada de terra. 
Quando clareava, ele retornava, aninhando-se junto à lenha do fogão para comer pão de milho. Perguntei o que fazia tão cedo. “Acordar o sol”, maldizia entre os dentes. 
Foi então que, numa madrugada, ouviu-se apenas o silêncio. Papai, cansado, decidiu dormir para sempre. 
Ficamos sete dias no breu até que vovó, entregando a bicicleta, me deu o ofício da família - acordar o sol. Minha mãe diz que é maldição.
Eu não. Gosto do sininho."

*
Ele sabia ler a chuva. E escrevia pela enxada. 
Sua tristeza eram as mãos, feridas pela necessidade. 
Por nunca ter segurado um lápis, fez o impossível para seu menino. 
Na hora da foto de formatura, plantou fundo as mãos nos bolsos da calça surrada, com medo de envergonhar o filho doutor. 
Com carinho, o rapaz as colheu, abriu feito palma de flor e desferiu longo beijo.
Desde então, Emanuel sorri quando olha para elas.
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(*) Leonardo Sakamoto é jornalista e Doutor em Ciências Políticas.
Blog do Sakamoto - UOL

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