segunda-feira, 9 de junho de 2014

DOIS POEMAS

Da página "Poesia.net"


NÃO ME DEIXES!
Gonçalves Dias -  'Cantos', 1857

Debruçada nas águas dum regato
        A flor dizia em vão
À corrente, onde bela se mirava:
        "Ai, não me deixes, não!

"Comigo fica ou leva-me contigo
        Dos mares à amplidão;
Límpido ou turvo, te amarei constante;
        Mas não me deixes, não!"

E a corrente passava; novas águas
        Após as outras vão;
E a flor sempre a dizer curva na fonte:
        "Ai, não me deixes, não!"

E das águas que fogem incessantes
        À eterna sucessão
Dizia sempre a flor, e sempre embalde:
        "Ai, não me deixes, não!"

Por fim desfalecida e a cor murchada,
        Quase a lamber o chão,
Buscava inda a corrente por dizer-lhe
        Que a não deixasse, não.

A corrente impiedosa a flor enleia,
        Leva-a do seu torrão;
A afundar-se dizia a pobrezinha:
        "Não me deixaste, não!"

**
Arte: Ester Roi

A FLOR E A FONTE
Vicente de Carvalho - 'Rosa, Rosa de amor',  1902

"Deixa-me, fonte!" Dizia
A flor, tonta de terror.
E a fonte, sonora e fria
Cantava, levando a flor.

"Deixa-me, deixa-me, fonte!"
Dizia a flor a chorar:
"Eu fui nascida no monte...
"Não me leves para o mar."

E a fonte, rápida e fria,
Com um sussurro zombador,
Por sobre a areia corria,
Corria levando a flor.

"Ai, balanços do meu galho,
"Balanços do berço meu;
"Ai, claras gotas de orvalho
"Caídas do azul do céu!..."

Chorava a flor, e gemia,
Branca, branca de terror.
E a fonte, sonora e fria,
Rolava, levando a flor.

"Adeus, sombra das ramadas,
"Cantigas do rouxinol;
"Ai, festa das madrugadas,
"Doçuras do pôr-do-sol;

"Carícias das brisas leves
"Que abrem rasgões de luar...
"Fonte, fonte, não me leves,
"Não me leves para o mar!"

As correntezas da vida
E os restos do meu amor
Resvalam numa descida
Como a da fonte e da flor....

*        *        *

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