quinta-feira, 12 de janeiro de 2012

GUIMARÃES ROSA - (trecho)



"Tudo flui e nada permanece"
Heráclito, filósofo grego


O senhor... Mire veja: o mais importante e bonito, do mundo, é isto; que as pessoas não estão sempre iguais, ainda não foram terminadas - mas que elas vão sempre mudando. Afinam ou desafinam. Verdade maior. É o que a vida me ensinou. Isso que me alegra, montão.  E, outra coisa: o diabo, é às brutas; mas Deus é traiçoeiro! Ah, uma beleza de traiçoeiro - dá gosto! A força dele, quando quer - moço! - me dá o medo pavor! Deus vem vindo; ninguém não vê. Ele faz é na lei do mansinho - assim é o milagre. E Deus ataca bonito, se divertindo, se economiza. A pois: um dia, num curtume, a faquinha minha, que eu tinha caiu dentro dum tanque, só caldo de casca de curtir, barbatimão, angico, lá sei, - "Amanhã eu tiro..." - falei comigo.  Porque era de noite, luz nenhuma eu não disputava. Ah, então sabia: no outro dia, cedo, a faca, o ferro dela, estava sido roído, quase por metade, por aquela aguinha escura, toda quieta.  Deixei, para mais ver.  Estala, espoleta!  Sabe o que foi?  Pois, nessa mesma tarde, aí: da faquinha só se achava o cabo... O cabo - por não ser de frio metal, mas de chifre de galheiro.  Aí está: Deus... Bem, o senhor ouviu, o que ouviu sabe, o que sabe me entende...

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Rosa, João Guimarães, in: "Grande Sertão: Veredas" , 14ª ed. Rio de Janeiro. J.Olympio. 1980. p.20-1

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