segunda-feira, 21 de maio de 2012

DRUMMOND - Quintana's Bar

Drummond e Quintana

Quintana's Bar
Carlos Drummond de Andrade

Num bar fechado há muitos, muitos anos, e cujas portas de aço bruscamente se descerram, encontro, quem eu nunca vira, o poeta Mario Quintana. Tão simples reconhecê-lo, toda identificação é vã. Em algum lugar - coxilha? montanha? vai rorejando a manhã.

Na total desincorporação das coisas antigas, perdura um elemento mágico: estrela-do-mar - ou Aldebarã?, tamanquinhos, menina correndo com o arco. E corre com pés de lã.

Falando em voz baixa nos entendemos, eu de olhos cúmplices, ele com seu talismã. Assim me fascinavam outrora as feitiçarias da preta, na cozinha de picumã.

Na conspiração da madrugada, erra solitário - dissolve-se o bar - o poeta Quintana.Seu olhar devassa o nevoeiro, cada vez mais densa é a bruma de antanho.

Uma teia tecendo, e sem trabalho de aranha. Falo de amigos que envelheceram ou que sumiram na semente de avelã.

Agora voamos sobre os tetos, à garupa da bruxa estranha. Para iludirmos a fome que não temos pintamos um romã.

O poeta aponta-me casas, a de Rimbaud, a de Blake e a gruta camoniana.
As amadas do poeta, lá embaixo, na curva do rio, ordenham-se em lenta pavana, e uma a uma, gotas ácidas, desaparecem no poema. É há tantos anos, será ontem, foi amanhã?

Signos criptográficos ficam gravados no céu eterno – ou na mesa de um bar abolido, enquanto debruçado sobre o mármore, silenciosamente viaja o poeta Mario Quintana.
*            *            *

In: Carlos Drummond de Andrade – Poesia Completa, 'Claro Enigma'. Editora Nova Aguilar p. 273

2 comentários:

  1. ôi Sueli
    não vou me desculpar por não entender o que Carlos escreve, e acredite que não sou burra, mas não entendo muito do que ele escreve, entendo na perfeição Guimarães Rosa (sou sertaneja)Clarice Lispector, Erico e outros poucos, mais existem outros tantos que não entendo, infelizmente os que menos entendo são autores brasileiros que insistem em escrever dificil e nem entendo porquê....

    Joelma Madeira

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  2. Manuel Braga dos Reissegunda-feira, maio 21, 2012

    alguns homens das letras mais que entendê-los é preciso acarinhá-los....

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