segunda-feira, 27 de janeiro de 2014

ANDRÉ J. GOMES - Manifesto...

Pop Art - Geraldo Leing
(1925-2011)
Manifesto pela ocupação amorosa
 dos corações vazios
André J. Gomes - "Revista Bula", 27 de janeiro 2014

E de agora em diante, fica estabelecido que todos os corações vazios, mal amados, partidos, abandonados ou tão somente subutilizados serão pacífica e amorosamente invadidos e ocupados pelo amor em todas as suas formas.

Sem paus e pedras e enxadas, mas com flores e música e presentes e simples declarações de apreço e cuidado, o amor tomará posse irrevogável de todo e qualquer coração devoluto. 

Banqueiros e bancários, construtores e operários, empresários, professores, artistas de rua, profissionais de toda sorte, adultos e crianças e velhinhos, todas as almas solitárias deste mundo! Preparem-se para ceder sem luta à chegada implacável do amor às terras férteis de seus corações.

Abram seus portões, escancarem as portas, liberem as janelas, prendam os cachorros e preparem a casa à visita permanente do amor operário, trabalhador, corajoso e simples. 

Ele vai chegar sem slogans ou passeatas, sem discursos, gritos de guerra ou enfrentamentos com a polícia. 
Vai surgir na hora mais silenciosa da noite, deitar ao seu lado e acordar com você na hora de ir ao trabalho, como se ali estivesse desde sempre.


"Beijo de Colombina" - Auguste Toulenouche
(1829-1890)

O amor vai chegar assim, de manso, mas com o passo forte e a potência de um jato varrendo a craca dos rancores, a sujeira grossa dos maus pensamentos, a gordura acumulada das chateações diárias, da burrice, da inveja, da grosseria. 

Virá com a força mesma da vida, desobstruindo os canais da memória entupidos de morte. 
Virá alegre como o cão que reencontra o dono depois da eternidade de um dia inteiro sozinho em casa, à espera.
E então as preocupações ordinárias e mesquinhas farão as malas e deixarão os corações livres para viver em absoluto estado de ocupação plena pelas intenções e ações de um amor generoso, diário e vital.

Esse amor que acorda cedo e faz ginástica, que parece tão mais jovem do que de fato é, esse amor vai pintar as paredes da casa, mudar a posição dos móveis, vai matar a sede e a fome que restam, soltar os passarinhos de suas gaiolas ridículas, vai cuidar da horta no quintal e presentear os vizinhos com as verduras frescas. 

Esse amor vai florescer e perdurar e se esparramar pelas redondezas. Vai levar ao passeio diário os cachorros que vivem dentro de cada um de nós. 
Esse amor vai invadir em paz a nossa vida tão talhada para a guerra.


Arte Peter Behren, 1922
E quando as forças armadas de um coração já machucado se levantarem em defesa natural de sua estrutura, em puro e simples movimento de autopreservação, o amor estenderá sua mão pequena e linda, de unhas roídas e sem nenhum esmalte, e todas as armas cairão em silêncio.

Então esse coração abrirá suas fronteiras à chegada irrefreável do encantamento amoroso e total, explosão de energia que nos leva ao encontro de quem somos, nos resgata da morte e nos devolve, sãos e salvos, à vida que é hoje, amanhã e depois um longo e eterno agora.


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