sábado, 22 de fevereiro de 2014

FLORBELA ESPANCA - Nocturno

Foto: Testamento
_____________Alda Lara
À prostituta mais nova
Do bairro mais velho e escuro,
Deixo os meus brincos, lavrados
Em cristal, límpido e puro...

E àquela virgem esquecida
Rapariga sem ternura,
Sonhando algures uma lenda,
Deixo o meu vestido branco,
O meu vestido de noiva,
Todo tecido de renda...

Este meu rosário antigo
Ofereço-o àquele amigo
Que não acredita em Deus...

E os livros, rosários meus
Das contas de outro sofrer,
São para os homens humildes,
Que nunca souberam ler.
Quanto aos meus poemas loucos,
Esses, que são de dor
Sincera e desordenada...

Esses, que são de esperança,
Desesperada mas firme,
Deixo-os a ti, meu amor...

Para que, na paz da hora,
Em que a minha alma venha
Beijar de longe os teus olhos,
Vás por essa noite fora...

Com passos feitos de lua,
Oferecê-los às crianças
Que encontrares em cada rua...
______________________
Biografia de Alda Lara

Alda Ferreira Pires Barreto de Lara Albuquerque, nasceu em Benguela (Angola), em 9 de Junho de 1930 e ali passou grande parte da sua infância, por certo a coligir sentimentos que, mais tarde, exalaria pela poesia que escreveu.

Nascida numa família abastada, foi criada no característico meio crioulo da urbe das Acácias Rubras da década de 30, onde apesar da circunstância colonial não faltavam cultores da velha escola republicana portuguesa anterior ao Estado Novo, a par de remanescentes dos tempos da tipoia e do comércio sertanejo.

Teve, como era próprio do seu tempo, uma educação profundamente cristã, o que lhe conferiu "um vincado espírito de liberalismo".

Depois de ter concluído o sexto ano num colégio de madres em Sá da Bandeira (actual Lubango), partiu para Lisboa, onde terminaria os estudos liceais e frequentou a Faculdade de Medicina.

Durante este período manteve uma estreita ligação com a Casa dos Estudantes do Império - CEI, tendo sido igualmente colaboradora em jornais e revistas de relevância na época, tais como Revista Mensagem- CEI, o Jornal de Benguela, o Jornal de Angola, o ABC e Ciência. 

Nessas publicações, surgiram os seus primeiros escritos poéticos, também publicados em várias antologias, até surgir o seu primeiro livro, intitulado Poesias, em 1960.

Poeta da Geração Mensagem, A sua poesia transpira exílio, saudade obsessiva da terra e suas gentes, os lugares da infância, os amigos e as expectativas de um futuro em que pretendia participar logo que possível faz de Alda Lara, uma mensageira da sociedade civil, lutando com as armas de que dispunha a sua poesia, onde a política, estando implícita, é sobretudo do foro dos sentimentos.

Alda Lara, irmã do também notável poeta Ernesto Lara Filho, a poetisa de Benguela que faleceu prematuramente em 1962, anda algo esquecida em Angola por uma certa intelectualidade que, não obstante, não desconhece a importância da sua obra literária e o lugar de excelência que lhe cabe na literatura angolana, mas que persistem em fazer vista grossa à importância do seu testamento de (também ela) precursora de uma pré-poesia angolana que à época despontava, e que foi e é até hoje a voz feminina de maior sensibilidade, aliando ao acervo poético significativo que deixou, uma oficina de escrita passível de ser classificada já na década de 60 do século findo como de modernidade.

Após a sua morte, a Câmara Municipal de Sá da Bandeira, atual Lubango, decidiu instituir o Prêmio Alda Lara de Poesia.

NOCTURNO
Florbela Espanca

Amor! Anda o luar, todo bondade,
Beijando a Terra, a desfazer-se em luz...
Amor! São os pés brancos de Jesus
Que anda pisando as ruas da cidade!

E eu ponho-me a pensar... Quanta saudade
Das ilusões e risos que em ti pus!
Traças em mim os braços duma cruz,
Neles pregaste a minha mocidade!

Minh'alma que eu te dei, cheia de mágoas,
É nesta noite o nenúfar de um lago
Estendendo as asas brancas sobre as águas!

Poisa as mãos nos meus olhos, com carinho,
Fecha-os num beijo dolorido e vago...
E deixa-me chorar devagarinho...

*            *            *

Nenhum comentário:

Postar um comentário