domingo, 2 de junho de 2013

GRACILIANO RAMOS - excertos de matéria de O Globo, 01-6-2013



Outras vidas, a mesma seca

Jornal 'O Globo', 01 de junho de 2013
Texto: André Miranda
Fotos: Custódio Coimbra


Buíque -Pernambuco
Em meio à pior estiagem das últimas cinco décadas, percorremos o interior de Alagoas e Pernambuco, visitando cidades ligadas à trajetória do autor de “Vidas secas”, homenageado da Flip 2013. Lugares como Quebrangulo, terra natal do escritor, e Palmeira dos Índios, onde ele foi prefeito, mostram a persistência de antigas mazelas e a resistência de seus habitantes.


Não há muitas sombras nas estradas do interior de Alagoas. Mal há vegetação. Com os espinhosos mandacarus, que resistem à seca, e as árvores sem folhas que estão por toda a parte, a paisagem é um grande deserto.

O estado do gado também torna a visão mais árida. Sem comida e sem água, bois e vacas emagrecem, muitos morrem. Os fazendeiros costumam amarrar os animais mais fracos a cercas ou caules de árvores para evitar que eles caiam. É uma tentativa de adiar a morte, de evitar que o clima imponha sua força. Aos poucos, os mugidos silenciam, as carcaças se acumulam, a vida se vai. Porém, entre os rios sem água, os animais mortos estirados no solo e as plantas cinzentas, ressecadas, a imagem que mais chama atenção é mesmo a da desolação humana. O homem não consegue viver sem os rios, sem os bois, sem a terra. Só que ele permanece de pé, continua a caminhar. O clima faz seu estrago, mas o tempo sertanejo parece não autorizar o homem a morrer.

Já era assim quando Graciliano Ramos de Oliveira nasceu, em 27 de outubro de 1892. Ele escreveu, décadas mais tarde, em “Angústia”, seu terceiro romance, publicado em 1936: “O que lhe interessa na minha terra é o sofrimento da multidão, a tragédia periódica das secas. Procuro recordar-me dos verões sertanejos, que duram anos. A lembrança chega misturada com episódios agarrados aqui e ali, em romances. Dificilmente poderia distinguir a realidade da ficção”.
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“Na planície avermelhada os juazeiros alargavam duas manchas verdes. Os infelizes tinham caminhado o dia inteiro, estavam cansados e famintos.” 
(trecho de "Vidas secas", de 1938)

A grande obra da literatura brasileira a tratar do tema da seca foi publicada em 1938. O título era direto e resumiu bem o sentimento de milhões de nordestinos. “Vidas secas” foi o quarto livro lançado por Graciliano Ramos — depois de “Caetés” (1933), “São Bernardo” (1934) e “Angústia” (1936) — e, hoje, é seu romance mais representativo, com 120 edições no Brasil e traduções para mais de 20 idiomas.
Inspirada em muitas das histórias que Graciliano acompanhou desde a infância, a trama de “Vidas secas” mostra como uma família de retirantes — guiada pelo pai Fabiano e acompanhada pela cachorra Baleia, dois dos personagens mais famosos da literatura nacional — parte em busca de uma condição mais humana para a sobrevivência. Não há um trajeto definido no livro, mas as paisagens descritas pelo autor ainda estão presentes em vários cantos do interior do Nordeste, não somente em seu estado natal.

Em 1895, a família de Graciliano deixou Alagoas para viver em Buíque, cidade do sertão de Pernambuco, próxima a Garanhuns, hoje com 52 mil habitantes. Porém, apesar do número maior de pessoas, na memória coletiva de Buíque há ainda menos sobre o escritor do que em Quebrangulo. Apenas sua biblioteca municipal, inaugurada em maio de 2002, leva o nome de Graciliano Ramos. Em conversas com uma dezena de buiquenses, poucos sabem dizer quem exatamente foi o escritor. Mesmo um vaqueiro sentado numa calçada a menos de dez passos da biblioteca afirma que nunca ouviu falar nele.
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O mesmo tempo que fez com que Graciliano passasse a ser praticamente ignorado em Buíque não privou a cidade das vidas secas que o autor descreveu no passado. Buíque teve que decretar estado de emergência para tentar combater os efeitos da estiagem. Sua situação é tão ruim ou talvez pior do que a dos municípios alagoanos: como a Barragem do Mulungu, a principal que abastece a cidade, secou quase completamente, seus moradores não recebem água nos encanamentos das casas desde janeiro. Até mesmo o hospital municipal vem dependendo de carros-pipa.
Para suprir a necessidade, uma nova categoria profissional proliferou em Buíque: o vendedor de água.
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Mandacaru - planta nativa que acumula água
“Resolvi estabelecer-me aqui na minha terra, município de Viçosa, Alagoas, e logo planeei adquirir a propriedade São Bernardo, onde trabalhei, no eito, com salário de cinco tostões”, escreveu Graciliano Ramos em “São Bernardo”, o seu segundo romance. 
O livro conta a história de Paulo Honório, homem de origem humilde, empreendedor, que vai acumulando riquezas, numa típica trama de ascensão social que, aos poucos, torna-se uma de derrocada pessoal.

Atualmente com cerca de 26 mil habitantes, Viçosa tem metade do tamanho de Buíque, mas é claramente mais bem preservada e desenvolvida. Lembra Quebrangulo pelos prédios históricos e ambiente acolhedor, porém é maior, com um comércio mais robusto. Além disso, a cidade tem uma movimentação turística regular, muito por conta de suas belezas naturais. É nas redondezas de Viçosa que fica a Serra Dois Irmãos, com cachoeiras, trilhas e o local onde o líder negro alagoano Zumbi dos Palmares foi morto em 20 de novembro de 1695.
Só que, com a seca, o volume de água no início do ano não foi suficiente para dar vazão às cachoeiras de Viçosa. O município teve que decretar, em meados de abril, estado de emergência. O panorama se tornou crítico quando o Rio Caçamba secou, e a prefeitura precisou reativar uma pequena barragem, não utilizada havia 12 anos, para tentar acumular água.
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Foi em Viçosa que Graciliano estreou no universo literário, com a publicação do conto “O pequeno pedinte” no jornal “O Dilúculo”, um periódico feito por alunos do Internato Alagoano, onde estudava. A data foi 24 de junho de 1904. Graciliano tinha 11 anos e escolheu para tema de seu conto um menino que passava os dias pedindo esmola pelas ruas.

“Quantas noites não passara dormindo pelas calçadas exposto ao frio e à chuva, sem o abrigo do teto. Quantas vergonhas não passara quando, ao estender a pequenina mão, só recebia a indiferença e o motejo”, escreveu Graciliano.

Parece ingênuo imaginar que, aos 11 anos, aquele menino já se preocupava com os problemas sociais do país. Mas também seria injusto ignorar que, em praticamente toda a obra de Graciliano, questões como exclusão foram exploradas. Tanto na obra literária, quanto na política. E foi em ambas que sua trajetória se encontrou com Palmeira dos Índios, cidade em que escreveu a maioria de seus livros, casou-se duas vezes, teve seis de seus oito filhos e foi eleito prefeito.
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Minador do Negrão - Sertão de Alagoas

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Notinha do Ouriço
O que me causa muita tristeza, é confirmar como está a Educação em nosso país, segundo o seguinte trecho:

..."na memória coletiva de Buíque há ainda menos sobre o escritor do que em Quebrangulo. Apenas sua biblioteca municipal, inaugurada em maio de 2002, leva o nome de Graciliano Ramos. Em conversas com uma dezena de buiquenses, poucos sabem dizer quem exatamente foi o escritor. Mesmo um vaqueiro sentado numa calçada a menos de dez passos da biblioteca afirma que nunca ouviu falar nele."

Ainda assim, vale muito a pena ler toda a matéria. Encontra-se na seção PROSA, blogs,  em O Globo on line, de 01 de junho de 2013.

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