quinta-feira, 7 de agosto de 2014

Nathan Mattos - Sobre MÁRIO QUINTANA

"Eu amo o mundo", disse Quintana
Nathan Mattos


Constatei, com a leitura deste livro, que realmente sou um apaixonado pelos poemas do velho alegretense (que até na origem traz uma sinonímia de alegria). 
Poderia usar as mesmas palavras que o poeta utiliza no poema Simultaneidade, tamanha a minha alegria ao ler o livro:


– Eu amo o mundo! Eu detesto o mundo!
  Eu creio em Deus! Deus é um absurdo!
 Eu vou me matar! Eu quero viver!
– Você é louco?
– Não, sou poeta. (p.169)

O poeta em A vaca e o hipogrifo se faz presente em vários dos textos (crônicas, poemas, aforismos, e até mesmo tudo isso misturado em um texto só), digamos, quintanescos.

Não muito diferente do Caderno H, o livro traz assuntos recorrentes da poesia de Quintana, como a morte, o silêncio, o cotidiano; porém, há novidades. 
Deus será um tema presente em várias das crônicas-poéticas do autor, e alguns textos em forma de diários surgem após alguns pequenos aforismos ou reflexões.

Quando a idade dos reflexos, rápidos, inconscientes, cede lugar à idade das reflexões – terá sido a sabedoria que chegou? Não! Foi apenas a velhice. (p.189)

A cada página virada, de A vaca e o hipogrifo, o poeta sorridente nos faz parar para pensar ou para deixar que os nossos lábios se estiquem para um canto da boca, deixando-nos mostrar um sorriso malicioso ou displicente com o conteúdo que encontramos.

Deus criou o mundo “e viu que era bom”. Desde então, nunca faltou um poeta que igualmente criou algo e também viu que era bom. Mas trata-se de poetas medíocres... (p.119)

Esses poetas medíocres, que Deus criou, são presentes nos textos encontrados em A vaca e o hipogrifo e chamados pelo poeta à ação. 
Notei que Mario possui uma grande preocupação entre o poeta-poema-leitor. 
Em vários poemas põe a culpa no leitor, em outros diz que a poesia não há de ser entendida, mas sentida. 
Tenta também dar algumas das características do poema e da poesia, sempre mostrando as qualidades, e que o erro está em quem lê, que sempre quer achar algum sentido interpretando o poema, ao invés de sentir o poema. Como no poema Intérpretes:

Mas, afinal, para que interpretar um poema? Um poema já é uma interpretação. (p.71)

Questiona também a “arte da leitura”, colocando-nos como seres decadentes pelo não-entendimento da poesia:

Com a decadência da arte da leitura, daqui a trinta anos os nossos romancistas serão reeditados exclusivamente em histórias de quadrinhos... A grande consolação é que jamais poderão fazer uma coisa dessas com os poetas. A poesia é irredutível. (p.79)

Mario, em 1977, traz como título desse poema '2005', a certeza do que vemos hoje no mercado editorial. 
Os grandes romances, como O Guarani e Dom Casmurro, de José de Alencar e Machado de Assis respectivamente, são exemplos do que é dito no poema. E a poesia, poderá ser ela transposta para os quadrinhos? A resposta de Mario é contundente: A poesia é irredutível (!).
           
São muitos os poemas e não podemos tratar de todos, devido, obviamente, à extensão do livro, mas podemos terminar sobre essa questão, poeta-poema-leitor, relatando o Pequeno esclarecimento que o poeta nos traz sobre isso:

Os poetas não são azuis nem nada, como pensam alguns supersticiosos, nem sujeitos a ataques súbitos de levitação. O de que eles mais gostam é estar em silêncio – um silêncio que subjaz a quaisquer escapes motorísticos ou declamatórios. Um silêncio... Este impoluível silêncio em que escrevo e em que tu me lês. (p.140)

E esse silêncio era importante para o autor já que é ele “que torna tão impressionante – tão de outro mundo – uma rua numa tela”.
            
Os textos que incorporam A vaca e o hipogrifo foram retirados da coluna intitulada Caderno H, que possuía no jornal Correio do Povo de Porto Alegre e refletiam, por vezes, o que autor pensava ou com o que se preocupava diariamente.

A partir das suas crônicas-poemáticas, ficamos sabendo quais eram algumas de suas leituras, pois em seus textos ele trazia referências como Metamorfose de Kafka; os personagens Cecília e Peri de José de Alencar, assim como As Minas de Prata do autor cearense; os contos de Guy de Maupassant; os fantasmas de Hamlet e de Yorick.

Tudo isso sai de dentro da caixola do autor Mario Quintana, que sempre nos faz sorrir ou até mesmo temer a morte. 
A opinião ferrenha do autor em defesa do poema que encontramos não só nesse livro como em outros nos parece ter sido uma postura defendida por ele até os seus últimos dias.

A sua escrita não é como um martelo nas mãos de um ferreiro, mas como um machado nas mãos de um lenhador. Lapida de forma ágil e simples, numa velocidade inconstante, que com o tempo só tende a ficar mais certeira ainda, precisando de poucas palavras para exprimir o muito que, em alguns momentos, não compreendemos.
          
Assim se faz a escrita desse poeta alegre, desse poeta quisto pelos leitores que se iniciam na poesia, por ter nas palavras dele o “fácil”, enganador, sentimento de entendimento sobre o mundo e sobre o homem. 

Mario Quintana é feito um ser mitológico, mas, que ao invés de ser onívoro como o Hipogrifo, prefere a ruminação de prosas e poemas como a vaca. 


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