domingo, 9 de outubro de 2011

OCTAVIO PAZ - Poesia e Poema / Irmandade

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POESIA E POEMA
Octavio Paz em 'O Arco e a Lira'

A poesia é conhecimento, salvação, poder, abandono. Operação capaz de transformar o mundo, a atividade poética é revolucionária por natureza; exercício espiritual, é um método de libertação interior.
A poesia revela este mundo; cria outro. Pão dos eleitos; alimento maldito. Isola; une.
Convite à viagem; regresso à terra natal. Inspiração, respiração, exercício muscular.
Súplica ao vazio, diálogo com a ausência, é alimentada pelo tédio, pela angústia e pelo desespero. Oração, litania, epifania, presença.
Exorcismo, conjuro, magia. Sublimação, compensação, condensação do inconsciente.
Expressão histórica de raças, nações, classes. Nega a história, em seu seio resolvem-se todos os conflitos objetivos e o homem adquire, afinal, a consciência de ser algo mais que passagem. Experiência, sentimento, emoção, intuição, pensamento não-dirigido.
Filha do acaso; fruto do cálculo.

Perguntando ao poema pelo ser da poesia, não confundimos arbitrariamente poesia e poema? nem todo poema - ou, para sermos exatos, nem toda obra construída sob as leis da métrica - contém poesia.
No entanto, essas obras métricas são verdadeiros poemas ou artefatos artísticos, didáticos ou retóricos.
Um soneto não é um poema mas uma forma literária, exceto quando esse mecanismo retórico - estrofes, metros e rimas - foi tocado pela poesia.
Há máquinas de rimar, mas não de poetizar. Por outro lado, há poesia sem poemas; paisagens, pessoas e fatos podem ser poéticos: são poesia sem ser poemas.
Pois bem, quando a poesia acontece como uma condensação do acaso ou é uma cristalização de poderes e circunstâncias alheios à vontade criadora do poeta, estamos diante do poético.
Quando - passivo ou ativo, acordado ou sonâmbulo - o poeta é o fio condutor e transformador da corrente poética, estamos na presença de algo radicalmente distinto: uma obra.
Um poema é uma obra.
A poesia se polariza, se congrega e se isola num produto humano: quadro, canção, tragédia. O poético é poesia em estado amorfo; o poema é criação, poesia que se ergue.
Só no poema a poesia se recolhe e se revela plenamente.
É lícito perguntar ao poema pelo ser da poesia, se deixamos de concebê-lo como uma forma capaz de se encher com qualquer conteúdo.
O poema não é uma forma literária, mas o lugar do encontro entre a poesia e o homem.
O poema é um organismo verbal que contém, suscita ou omite poesia.
Forma e substância são a mesma coisa.
**

Irmandade
Octavio Paz

Sou homem: duro pouco
e é enorme a noite.
Mas olho para cima:
as estrelas escrevem.
Sem entender compreendo:
Também sou escritura
e neste mesmo instante
alguém me soletra.
***

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