quarta-feira, 26 de janeiro de 2011

CLARICE LISPECTOR - A DESCOBERTA DO MUNDO

CLARICE LISPECTOR / Trechos de “A Descoberta do Mundo”, expostos no Museu da Língua Portuguesa (Estação da Luz, São Paulo)

"A descoberta do mundo" são crônicas escritas para o Jornal do Brasil, de 1967 a 1973.








"Estou com saudade de mim. Ando pouco recolhida, atendo demais ao telefone, escrevo depressa, vivo depressa.  Onde está eu?
Preciso fazer um retiro espiritual e encontrar-me enfim, mas que medo - de mim mesma."

In: A descoberta do mundo, Crônica de 24-7-1971


"Lutei toda a minha vida contra a tendência ao devaneio, sempre sem jamais deixar que ele me levasse até as últimas águas. Mas o esforço de nadar contra a doce corrente tira parte de minha força vital. E, se lutando contra o devaneio, ganho no domínio da ação, perco interiormente uma coisa muito suave de se ser e que nada substitui. Mas um dia hei de ir, sem me importar para onde o ir me levará."      
Crônica de 25-4-1970

"O que nos salva da solidão é a solidão de cada um dos outros. Às vezes, quando duas pessoas estão juntas, apesar de falarem, o que elas comunicam silenciosamente uma à outra é o sentimento de solidão."   Crônica de 10-2-1970

DRUMMOND - PROCURA DA POESIA

Procura da Poesia
Carlos Drummond de Andrade

Não faças versos sobre acontecimentos.
Não há criação nem morte perante a poesia.
Diante dela, a vida é um sol estático,
não aquece nem ilumina.
As afinidades, os aniversários, os incidentes pessoais não contam.


Não faças poesia com o corpo,
esse excelente, completo e confortável corpo, tão infenso à efusão lírica.
Tua gota de bile, tua careta de gozo ou de dor no escuro
são indiferentes.
Nem me reveles teus sentimentos,
que se prevalecem do equívoco e tentam a longa viagem.


O que pensas e sentes, isso ainda não é poesia.


Não cantes tua cidade, deixa-a em paz.
O canto não é o movimento das máquinas nem o segredo das casas.
Não é música ouvida de passagem, rumor do mar nas ruas junto à linha de espuma.
O canto não é a natureza
nem os homens em sociedade.
Para ele, chuva e noite, fadiga e esperança nada significam.
A poesia (não tires poesia das coisas)
elide sujeito e objeto.


Não dramatizes, não invoques,
não indagues. Não percas tempo em mentir.
Não te aborreças.
Teu iate de marfim, teu sapato de diamante,
vossas mazurcas e abusões, vossos esqueletos de família
desaparecem na curva do tempo, é algo imprestável.


Não recomponhas
tua sepultada e merencória infância.
Não osciles entre o espelho e a
memória em dissipação.
Que se dissipou, não era poesia.
Que se partiu, cristal não era.


Penetra surdamente no reino das palavras.
Lá estão os poemas que esperam ser escritos.
Estão paralisados, mas não há desespero,
há calma e frescura na superfície intata.
Ei-los sós e mudos, em estado de dicionário.
Convive com teus poemas, antes de escrevê-los.
Tem paciência se obscuros. Calma, se te provocam.
Espera que cada um se realize e consume
com seu poder de palavra
e seu poder de silêncio.


Não forces o poema a desprender-se do limbo.
Não colhas no chão o poema que se perdeu.
Não adules o poema. Aceita-o
como ele aceitará sua forma definitiva e concentrada
no espaço.


Chega mais perto e contempla as palavras.
Cada uma
tem mil faces secretas sob a face neutra
e te pergunta, sem interesse pela resposta,
pobre ou terrível, que lhe deres:
Trouxeste a chave?

*            *            *

ADÉLIA PRADO - O ESPÍRITO DAS LÍNGUAS


O ESPÍRITO DAS LÍNGUAS
Adélia Prado


A propósito de músicos, ginastas, coreógrafos

digo na minha língua:

PUXA VIDA VAI SER ARTISTA ASSIM NO INFERNO!

É português como se fora russo.

Descuidada de que me entendam ou não,

falo as palavras,

para mim também e primeiro

incompreensíveis.

As artes falam humanês,

também as caras dos homens

escrevem o mesmo código.

O que é PUXA VIDA

VAI SER ARTISTA ASSIM NO INFERNO?

Só expressam as línguas nas clareiras

que o choque de uma palavra abre na outra.

Na Bulgária, certamente traduz-se PUXA VIDA

por BERIMBAU! FILIGRANAS DE RENDA!

Compreender o que se fala

é esbarrar na sem-caráter,

inominável, corisca poesia.

*           *            *               

terça-feira, 25 de janeiro de 2011

PASSEIO SOCRÁTICO - FREI BETTO



PASSEIO SOCRÁTICO
Frei Betto

Ao viajar pelo Oriente mantive contatos com monges do Tibete, da Mongólia, do Japão e da China. Eram homens serenos, comedidos, recolhidos e em paz nos seus mantos cor de açafrão.

Outro dia, eu observava o movimento do aeroporto de São Paulo: a sala de espera cheia de executivos com telefones celulares, preocupados, ansiosos, geralmente comendo mais do que deviam. Com certeza, já haviam tomado café da manhã em casa, mas como a companhia aérea oferecia um outro café, todos comiam vorazmente. Aquilo me fez refletir: 'Qual dos dois modelos produz felicidade?'

Encontrei Daniela, 10 anos, no elevador, às nove da manhã, e perguntei: 'Não foi à aula?' Ela respondeu: 'Não, tenho aula à tarde'. Comemorei: 'Que bom, então de manhã você pode brincar, dormir até mais tarde'. 'Não', retrucou ela, 'tenho tanta coisa de manhã...'. 'Que tanta coisa?', perguntei.. 'Aulas de inglês, de balé, de pintura, piscina', e começou a elencar seu programa de garota robotizada. Fiquei pensando: 'Que pena, a Daniela não disse: 'Tenho aula de meditação!'

Estamos construindo super-homens e super-mulheres, totalmente equipados, mas emocionalmente infantilizados.

Uma progressista cidade do interior de São Paulo tinha, em 1960, seis livrarias e uma academia de ginástica; hoje, tem sessenta academias de ginástica e três livrarias! Não tenho nada contra malhar o corpo, mas me preocupo com a desproporção em relação à malhação do espírito. Acho ótimo, vamos todos morrer esbeltos: 'Como estava o defunto?'. 'Olha, uma maravilha, não tinha uma celulite!' Mas como fica a questão da subjetividade? Da espiritualidade? Da ociosidade amorosa?

Hoje, a palavra é virtualidade. Tudo é virtual.. Trancado em seu quarto, em Brasília, um homem pode ter uma amiga íntima em Tóquio, sem nenhuma preocupação de conhecer o seu vizi­nho de prédio ou de quadra! Tudo é virtual. Somos místicos virtuais, religiosos virtuais, cidadãos virtuais. E somos também eticamente virtuais...

A palavra hoje é 'entretenimento'. Domingo, então, é o dia nacional da imbecilização coletiva. Imbecil o apresentador, imbecil quem vai lá e se apresenta no palco, imbecil quem perde a tarde diante da tela.

Como a publicidade não consegue vender felicidade, passa a ilusão de que felicidade é o resultado da soma de prazeres: 'Se tomar este refrigerante, calçar este tênis, ­ usar esta camisa, comprar este carro, você chega lá!'

O problema é que, em geral, não se chega! Quem cede desenvolve de tal maneira o desejo, que acaba­ precisando de um analista. Ou de remédios. Quem resiste, aumenta a neurose.

O grande desafio é começar a ver o quanto é bom ser livre de todo esse condicionamento globalizante, neoliberal, consumista. Assim, pode-se viver melhor.. Aliás, para uma boa saúde mental, três requisitos são indispensáveis: amizades, auto-estima, ausência de estresse.

Há uma lógica religiosa no consumismo pós-moderno. Na Idade Média, as cidades adquiriam status construindo uma catedral; hoje, no Brasil, constrói-se um shopping center. É curioso: a maioria dos shoppings centers tem linhas arquitetônicas de catedrais estilizadas; neles não se pode ir de qualquer maneira, é preciso vestir roupa de missa de domingo. E ali dentro sente-se uma sensação paradisíaca: não há mendigos, crianças de rua, sujeira pelas calçadas...

Entra-se naqueles claustros ao som do gregoriano pós-moderno, aquela musiquinha de esperar dentista. Observam-se os vários nichos, todas aquelas capelas com os veneráveis objetos de consumo, acolitados por belas sacerdotisas.

Quem pode comprar à vista, sente-se no reino dos céus. Se deve passar cheque pré-datado, pagar a crédito, entrar no cheque especial, sente-se no purgatório. Mas se não pode comprar, certamente vai se sentir no inferno... Felizmente, terminam todos na eucaristia pós-moderna, irmanados na mesma mesa, com o mesmo suco e o mesmo hambúrguer do Mc Donald...

Costumo advertir os balconistas que me cercam à porta das lojas: 'Estou apenas fazendo um passeio socrático. Diante de seus olhares espantados, explico: 'Sócrates, filósofo grego, também gostava de descansar a cabeça percorrendo o centro comercial de Atenas. Quando vendedores como vocês o assediavam, ele respondia:´Estou apenas observando quanta coisa existe de que não preciso para ser feliz!"


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Recebido por e-mail, de minha amiga e colega Talma.

segunda-feira, 24 de janeiro de 2011

CUSTÓDIO E DAGOBERTO...

LÍNGUA - GILBERTO MENDONÇA




Língua
GILBERTO MENDONÇA TELES


Esta língua é como um elástico
que espicharam pelo mundo.
No início era tensa,
de tão clássica.

Com o tempo, se foi amaciando,
foi-se tornando romântica,
incorporando os termos nativos
e amolecendo nas folhas de bananeira
as expressões mais sisudas.

Um elástico que já não se pode
mais trocar, de tão gasto;
nem se arrebenta mais, de tão forte.

Um elástico assim como é a vida
que nunca volta ao ponto de partida.

*        *        *

TOMAZO ALBINONI - ADAGIO

sábado, 22 de janeiro de 2011

PAULO LEMINSKI - CERIMÔNIA DO CHÁ


CERIMÔNIA DO CHÁ
Paulo Leminski

Ainda ontem
convidei um amigo
para ficar em silêncio
comigo.

Ele veio
meio a esmo
praticamente não disse nada
e ficou por isso mesmo.
*       *        *

SABEDORIA DE SHERAZADE


O MERCADOR E O GÊNIO

O tempo compõe-se de dois dias:
um oferece a segurança, e o outro, a ameaça;
A vida é feita de duas partes:
Uma oferece límpida alegria, e a outra, os pesares.

Pergunta àquele que usou as vicissitudes do século
como pretexto para nos desacreditar
se a Fortuna alguma vez o ajudou
sem o expor ao mesmo tempo ao perigo?

Não vês que o vento,
quando sopra em tempestade,
só rompe a parte mais alta
das árvores?

Quantos países de aspecto diverso há na Terra,
uns verdes, ressequidos os outros!
Neles só é poupado pelo infortúnio
aquele cuja boca aberta espera a nutrição.

No céu, as estrelas
são inumeráveis, no entanto
apenas o sol e a lua
estão sujeitos aos eclipses.

Tens uma opinião excelente dos dias
desde que te sejam benéficos,
e não receies
o que a sorte te reserva em seguida.

As noites fizeram as pazes contigo,
e por elas tu te deixaste enganar
Mas é quando elas estabelecem a serenidade
que chega a discórdia.
*   *

 
Versos recitados pelo mercador durante seu diálogo com o Gênio.

KHAWAN.René R.O mercador e o gênio.In: As Mil e Uma Noites: Damas Insignes e Servidores Galantes, São Paulo: Editora Brasiliense, 1991.
*            *            *

sexta-feira, 21 de janeiro de 2011

ARTE POÉTICA - ADÍLIA LOPES


Arte poética


Escrever um poema
é como apanhar um peixe
com as mãos
nunca pesquei assim um peixe
mas posso falar assim
sei que nem tudo o que vem às mãos
é peixe
o peixe debate-se
tenta escapar-se
escapa-se
eu persisto
luto corpo a corpo
com o peixe
ou morremos os dois
ou nos salvamos os dois
tenho de estar atenta
tenho medo de não chegar ao fim
é uma questão de vida ou de morte
quando chego ao fim
descubro que precisei de apanhar o peixe
para me livrar do peixe
livro-me do peixe com o alívio
que não sei dizer

LOPES, Adília. Um jogo bastante perigoso. Lisboa: Edição da autora, 1985.

quinta-feira, 20 de janeiro de 2011

SENSIBILÍSSIMA


OLHOS DE CHOVER
Pérola Anjos (Salvador-Bahia) blog soltando linhas, em 17 de janeiro de 2011

Os olhos despetalavam,
Chovia por dentro,
As nuvens ficaram carregadas,
Tudo nublado,
Tudo sombrio,
Chovia torrencialmente
Por dentro dela.

Ela correu, tentou escapar,
Mas não havia sequer um abrigo,
E ela não sabia parar de chover.
Inundada, foi assim que ficou,
Afogou-se em suas próprias lágrimas.

(Só um momento, quero explicar algumas coisas sobre aquela chuva constante da menina. Ela chovia no riso, chovia na dor, chovia na emoção. Ela não tinha mais guarda-chuva, nenhum resistiu a tanta chuva e da capa ela nunca gostou. Não sei explicar isso, mas eu sempre desconfiei que aquela chuva toda brotava de um sentir tão intenso que a incomodava, porque sentir muito dói, mas ela não conseguia passar os olhos por cima da vida, e chovia por não conseguir e chovia por querer conseguir. Se via as cores de Frida, chovia. Se lia as dores da vida, chovia. E se não via, trovejava, por achar que o seu sentir partira. Via Macabéa e chovia, por achar que era como ela, uma incompetente para a vida. Ouvia olhos nos olhos e chovia, e Chico fazia companhia. Sentia a voz de Bethânia e se debulhava, aquilo penetrava e era de uma beleza que em si não cabia e chovia. E quando a percussão da Timbalada tocava, era uma energia que não tinha jeito, chovia e chovia. Quando o Ilê passava, chovia que escorria. E quando o Renato dizia que temos todo o tempo do mundo, ai como ela chovia! Ela achava que todo o tempo do mundo era demais e ela era pequena diante disso, nada havia, só chovia. E coisa era quando ela lembrava de um livro que leu lá na infância, quando ele aparecia na frente dela flutuando, passando as folhas e destacando o marca texto nesta parte: “O essencial é invisível aos olhos, só se vê bem com o coração”, ela sabia e chovia por saber disso, ela não queria sentir tanto, sentir muito dói – eu já disse isso, não é? Na hora do filme, na cena em que o mocinho beijava a mocinha e aparecia a palavra fim, ela chovia, ela não gostava de finais e ela sentia a dor do que perdia a mocinha, ficava criando cenas para a cena, não gostava de coisas previsíveis, acho que foi por isso que ela passou a não gostar mais de novela, ela chovia por saber que já sabia como seria o final, sempre a mesma coisa e a vida não é assim, e chovia quando lembrava que queriam dizer que a novela retratava a vida, não mesmo, a casa de novela mais singela para ela era uma mansão e chovia por saber que a realidade que retratavam da realidade era surreal, todo mundo acordava bonito, maquiado e sentava pra tomar café da manhã, e chovia por sentir o que não lhe cabia, por achar que estava sendo falsamente retratada e chovia quando via um negro em um papel bem sucedido na trama e ouvia no buzú os comentários “estamos evoluindo, negros estão fazendo outros papéis maiores” - Isso lá é comentário para se fazer a esta altura? Chovia quando via a lida da vida que não se lê. Chovia quando via as gigantes miniaturas da vida. Chovia quando passava a página de um livro e o vento movia os seus cabelos e as palavras moviam tudo por dentro. Chovia ao ler os versos daqueles poemas, que eram tão simples e tão bonitos, aquilo era como uma paisagem das mais belas para ela, as lágrimas iam se formando em câmera lenta e quando ela percebia a página também chovia de si. E chovia por sentir que o ser humano não deveria ter somente dois olhos na face. E se fugia, chovia, por não conseguir escapar de si).


Não sabia nadar,
Não sabia parar de doer.
Pobre menina!
Os seus olhos só sabiam chover.


[E quando estiava, ainda chovia]

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quarta-feira, 19 de janeiro de 2011

APOCALIPSE OU...- AFFONSO ROMANO DE SANT'ANNA




APOCALIPSE OU GÊNESIS INVERTIDO(*) 
Affonso Romano de Sant'Anna


(*Poema do livro a ser publicado brevemente, cujo titulo provável é: EXERCICIOS DE FINITUDE.
. Qualquer semelhança com o noticiário nos jornais e na televisão é mera coincidência)



No sétimo dia
  (antes do fim)
as geleiras fendidas
desabarão
focas, pinguins e ursos
deixarão suas ossadas
no deserto em formação
ilhas imprevistas emergirão
e o que agora é continente
será um conteúdo
na escuridão.

No sexto dia
  (antes do fim)
desnorteados pássaros
não saberão
de onde vieram e para onde vão
subvertida a ordem dos mares e florestas
seres atônitos seguirão o rumo
do vento e da aflição.

No quinto dia
  (antes do fim)
choverá fogo no inverno
enlouquecidas as estações
as colheitas se perderão
devoradas por bactérias
germinadas
-do próprio grão.

No quarto dia
  (antes do fim)
peixes envenenados boiarão
entre sargaços e destrocos
e os corais também mortos
não chorarão.

No terceiro dia
  (antes do fim)
no esqueleto das cidades
máquinas desoladas
bactérias desesperadas
do próprio nada comerão.

No segundo dia
  (antes do fim)
o homem e a mulher
cobertos de chaga e solidão
se deitarão no barro
e desaparecerão,

No primeiro ou último
dia antes do fim
Deus
desolado
se retirará
para outra galáxia
e contemplando as trevas
dissipando a criação
sentirá
um pesado vazio em suas mãos.

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Excerto do blog Oficial do autor, postado em 15-01-2011, às 16.10

terça-feira, 18 de janeiro de 2011

A ELEGÂNCIA DO OURIÇO - O LIVRO

Alguns trechos marcados em meu livro:

"O que é uma aristocrata? É uma mulher a quem a vulgaridade não atinge, embora esteja cercada por esta." p.30

"Assim como o contador de histórias transforma a vida num rio furta-cor onde são tragados o tédio e o sofrimento, Manuela metamorfoseia nossa vida numa epopéia calorosa e alegre." p. 31

"Fora o amor, a amizade e a beleza da Arte, não vejo muitas outras coisas capazes de alimentar a vida humana." p.37

"... , pois algum dia já se viu uma menina pobre penetrar na embriaguez da linguagem e nela se exercitar junto com os outros? -, ela o seria nos livros. Pela primeira vez toquei num livro. Eu tinha visto os maiores da turma olharem para traços invisíveis, como que movidos pela mesma força, e, mergulhando no silêncio, tirarem do papel morto alguma coisa que parecia viva." p.45

" 'Por que é que até aqui no pátio está cheirando lixo?'
Que Bernard Grelier e a herdeira de uma velha família de banqueiros possam se preocupar com as mesmas coisas triviais e ignorar, conjuntamente, que o verbo cheirar, nesse caso, requer o uso da preposição  a  antes do complemento joga uma nova luz sobre a humanidade."  p.74

"Onde está a beleza? Nas grandes coisas que, como as outras, estão condenadas a morrer, ou nas pequenas que, sem nada pretender, sabem incrustar no instante uma preciosa pedrinha de infinito?" p.95

"Que é educar? É propor incansavelmente camélias sobre o musgo, como derivativos à pulsão da espécie, que jamais para e ameaça continuamente o frágil equilíbrio da sobrevivência. (...)
(...) portanto me conformei com as intenções de meus educadores, tornando-me com docilidade uma criatura civilizada. Na verdade, quando a luta contra a agressividade do primata se apodera dessas armas prodigiosas que são os livros e as palavras, o negócio é fácil, e foi assim que me tornei uma alma educada, que extraía dos sinais escritos a força de resistir à própria natureza." p.114-115

A elegância do ouriço. Muriel Barbery; tradução Rosa Freire d'Aguiar. São Paulo. Companhia das letras. 2008

Oportunamente, voltarei com excertos desse livro , que recomendo. É lindo, bem escrito, bem traduzido.