domingo, 25 de março de 2018

O Outono -Flora Figueiredo


O Outono
Flora Figueiredo

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Meio-tom. 
Bom termo entre os excessos, 
equilibrado confesso, 
pondero entre extremos. 
Outono, 
coleciono trechos de poesia 
tirados de cores e de brisas, 
do peito da tarde que se descamisa 
em seu desfecho. 
Da maturidade deixo a fruta 
que se queda pronta sobre a terra 
quando minha temporada já se encerra 
e cede vez à estação substituta.
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- Em  "Estações". Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1995


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segunda-feira, 19 de março de 2018

'Meditações', JOHN DONNE

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“Talvez aquele para quem estes sinos dobram esteja tão mal que ele sequer sabe que dobram por ele. E talvez eu possa me achar muito melhor do que sou, como fazem aqueles que me rodeiam, e ao ver o meu estado podem tê-lo feito dobrar por mim, e eu nem saiba disso. (...)”

“...toda a humanidade provém de um autor, e forma um único livro; quando alguém morre, um capítulo não é arrancado do livro mas traduzido para uma linguagem melhor, e cada capítulo deve ser assim traduzido (...)”

“Nenhum homem é uma ilha, completa em si mesma; todo homem é um pedaço do continente, uma parte da terra firme. Se um torrão de terra for levado pelo mar, a Europa fica menor, como se tivesse perdido um promontório, ou perdido o solar de um amigo teu, ou o teu próprio. A morte de qualquer homem diminui a mim, porque na humanidade me encontro envolvido; por isso, nunca mandes perguntar por quem os sinos dobram; eles dobram por ti.”
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JOHN DONNE – poeta inglês (1572-1631) in ‘Meditações’

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domingo, 18 de março de 2018

De 'Revista Bula'
EULER DE FRANÇA BELÉM, em IDEIAS


Professor de Stanford, Niall Ferguson afirma que a polarização nas redes sociais está levando a sociedade a um estado de declínio que só pode ser qualificado de ‘incivilidade’

Umberto Eco (1932-2016) disse que as redes sociais possibilitaram o surgimento — e quiçá uma hegemonia — de uma “legião de imbecis”. Antes, concentrados em bares, tomando vinho ou cerveja, “falavam sem prejudicar a coletividade. Normalmente, eles [os imbecis] eram imediatamente calados, mas agora eles têm o mesmo direito à palavra de um Prêmio Nobel. O drama da internet é que ela promoveu o idiota da aldeia a portador da verdade”. O escritor e filósofo italiano sugere que os jornais filtrem de maneira rigorosa as informações divulgadas nas redes sociais, porque, no geral, não são confiáveis.

O historiador escocês Niall Ferguson — autor de livros seminais sobre a Primeira Guerra Mundial e a Segunda Guerra Mundial, além de obras sobre a decadência do Ocidente (é autor de um livro heterodoxo no qual apresenta a tese de que o colonialismo não foi lucrativo para a Inglaterra. Trata-se de “Império — Como os Britânicos Fizeram o Mundo Moderno”, Crítica, 448 páginas, tradução de Marcelo Musa Cavallari) — segue o mesmo caminho de Umberto Eco, acrescentando sua própria interpretação. O professor de Stanford afirma que a polarização excessiva nas redes sociais está levando a sociedade “a um estado de declínio que só pode ser qualificado de “incivilidade”.

Suas interpretações foram colhidas pelos repórteres Ana Paula Ribeiro e Gustavo Schimitt, de “O Globo”. “A minha preocupação hoje é que a sociedade civil foi tão erodida pelo advento das redes sociais que não podemos mais falar em sociedade civil. Os Estados Unidos se tornaram uma sociedade não civilizada. A polarização se tornou um veneno. Eu me pergunto se a civilização não está se tornando algo diferente, em uma não-civilização ocidental”, critica Niall Ferguson. No livro “A Grande Degeneração — A Decadência do Mundo Ocidental” (Planeta do Brasil, 128 páginas, tradução de Janaina Marcantonio), o autor não arrola as redes sociais como um dos fundamentos da ruína do Ocidente.


Umberto Eco, escritor e filósofo: “Os imbecis agora têm o mesmo direito à palavra de um Prêmio Nobel”

Dirigentes do Facebook e do Twitter não estão, sugere Niall Ferguson, minimamente preocupados com a extensão do dano que está acontecendo no tecido social. Quanto mais barbárie, produzida ou não pela tensão ideológica, mais pessoas circulam pelas redes, aumentando seus ganhos financeiros. “Uma das consequências das redes sociais gigantes é a polarização. As pessoas se agrupam em grupos de esquerda ou de direita. O que notamos é um maior engajamento em tuítes de linguagem moral, emocional e até obscena. As redes estão polarizando a sociedade, produzindo visões extremistas e fake news”, frisa o historiador.

Há quem compare Donald Trump a Ronald Reagan, a Bush pai e a Bush filho. Apesar das limitações dos três, notadamente dos dois Bush — Reagan revelou-se um estadista muito superior ao que esperava a intelligentsia internacional —, Trump é muito mais despreparado. Sua visão de política global é unicamente americana, não incorpora nem parte das ideias de seus “aliados”. Império que se comporta tão-somente como nação isolada, como Estado fechado, não tem futuro, às vezes nem presente. Por que um político com escassa visão mundial se tornou presidente dos Estados Unidos? É provável que as redes tenham contribuído para a vitória de Trump. Pode-se não gostar de Hillary Clinton, mas não há dúvida de que é mais qualificada do que o presidente republicano. A vitória de Trump resulta da hegemonia do provincianismo dos Estados Unidos — país que é, a um só tempo, cosmopolita e caipira.

A rigor, Niall Ferguson não discute isto, mas sublinha que a exposição de Trump era muito maior do que a de Hillary Clinton — inclusive em Estados considerados democratas. Tudo indica, portanto, que as redes sociais funcionaram, sobretudo para o candidato republicano. Niall Ferguson afirma que os analistas de campanhas eleitorais devem ficar atentos às redes sociais. Porque o comportamento dos candidatos, atraindo (ou não) seguidores e engajamento, pode ser decisivo no resultado do pleito.

Insensatez
Eugênio Bucci, da Escola de Comunicações e Artes (ECA) da USP, apresenta uma tese ligeiramente diversa da de Niall Ferguson. O professor diz que, mais do que incivilidade, a polarização está gerando insensatez nas redes sociais. “A tendência é que discursos exacerbados sejam favorecidos nas redes. E isso vai produzindo o efeito bolha: as pessoas que fazem parte delas dentro das redes são governadas por algoritmos e não pelo discernimento racional. O que é um paradoxo, porque tudo o que o Brasil precisa neste momento é de sensatez. Mas parece que os ventos favorecem a insensatez”, afirma o mestre. Não é uma visão apocalíptica, mas também não é integrada. É moderada.


Eugênio Bucci: contrariando Ferguson, o professor da USP aposta mais em insensatez do que em incivilidade
Ao contrário do que diz Niall Ferguson, mais apocalíptico, Eugênio Bucci sugere cautela, pois não aposta que as redes sociais vão corromper a democracia no Ocidente. “As redes não podem ser definidas como mal absoluto. É bom lembrar que também representam um arejamento das democracias. E foram responsáveis por imprimir nova dinâmica nas relações entre a sociedade e o Estado”, pontua.

O professor Fabio Malini, coordenador do Laboratório de estudos sobre Internet e Cultura (Labic) da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes), corrobora a tese de Niall Fergunson. A incivilidade já predomina no Brasil, sobretudo no comportamento político (o que vai além do comportamento dos políticos). “A polarização é corriqueira na política. Mas, nas redes sociais, tem um modelo específico de atenção das pessoas que influi nisso. A proximidade tem sido a tônica de como algoritmos são construídos fortalecendo bolhas ideológicas, onde há atitudes impulsivas, que redundam em decisões emocionais.”

As redes sociais são incontornáveis, quer dizer, vão continuar (goste-se ou não, são positivas). O mais provável é que, após uma primeira fase como terreno da barbárie, retome o caminho civilizatório, abrindo oportunidade ao debate entre indivíduos que pensam de maneiras diferentes a respeito de política, economia, cultura e comportamento. Isto, claro, numa perspectiva otimista. No momento, tornaram-se frigoríficos de ideias, de comportamentos e de pessoas. Talvez não seja possível piorar.

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segunda-feira, 5 de março de 2018

Drummond/Vinícius -

A música popular entra no paraíso
Carlos Drummond de Andrade
10 de julho de 1980


Deus — Quem é este baixinho que vem aí, ao som do violão, de copo cheio na mão?

São Pedro — Senhor, pelos indícios, só pode ser o Vosso servo Vinicius, Menestrel da Gávea e dos amores inumeráveis.

Deus — Será que ele vem fazer alaúza no céu, perturbando o coro dos meus anjos-cantores, diplomados pela Schola Cantorum do mestre São Jorge, o Grande?

São Pedro (hesitante) — Bem… Eu acho, com a devida licença, que ele traz um som novo, mais terrestre, menos beatífico, é certo, mas com uma suavidade brasileira inspirada nos seresteiros seus avós, os quais já têm assentos cativos junto ao Vosso trono, Senhor. Coisa mui digna de Vossa especial atenção.

Deus — Hum, hum…

São Pedro — Posso continuar, Senhor?

Deus — Vá dizendo, Pedro. É sabido que você tem um fraco por essa gente que canta de noite, esteja ou não pescando, principalmente não estando.

São Pedro — Pois eu digo, Senhor, que esse baixinho aí, todo simpatia e delicadeza, é um de Vossos bons servidores na Terra, pois combateu a maldade pela ternura, a injustiça pela fraternidade, e compôs os cânticos profanos que, elevando o coração dos ouvintes, fazem o mesmo que os cânticos sagrados.

Deus (surpreso) — O mesmo?

São Pedro — O mesmo, Senhor, porque Vós permitistes ao homem trilhar a vida direta ou a vida indireta, conforme o gosto dele. Este poetinha escolheu a segunda, por inclinação natural, e manifestou à sua maneira própria o amor à humanidade, distribuindo-o de preferência, na medida do possível, a umas quantas eleitas.

Deus — Não terá sido antes dispersão do que concentração?

São Pedro — As duas coisas, mas unidas tão sutilmente! E essa unidade paradoxal, mas espontânea, produziu os hinos do amor carnal, nos quais foi glorificado o corpo que concedestes às criaturas, e por essa forma glorificou-se a Vossa divina Criação.

Deus — Menos mal, se assim foi. Então esse… como lhe chamas?

São Pedro — Vinicius, não o patrício romano, que o amor conduziu do paganismo à fé cristã, mas o de Melo Moraes, filho de pais que curtiam o “Quo Vadis”. Este nasceu diretamente para o amor, e não precisou meter-se nas embrulhadas do paganismo de Nero para achar o rumo de sua alma. Ele já estava traçado pelas estrelas de outubro, Vossas mensageiras. Vinicius nasceu com a célula poética, e esta desabrochou em cânticos variados, na voz de seus lábios e na dos instrumentos. Com estes cânticos ele encantou o seu povo. E era um povo necessitado de canto, um canto tão necessitado mesmo!

Deus — Ele deu alegria ao Meu povo?

São Pedro (exultante) — Se deu, Senhor! E para isso não precisava sempre compor canções alegres. Ia até o fundo das canções tristes, mas dava-lhes uma tal doçura e meiguice que as pessoas, ouvindo-as, não sabiam se choravam ou se viam consoladas velhas mágoas. Era um coração se desfazendo em música, Senhor. Deu tanta alegria ao povo, que até a última hora de sua vida (esta não chegou a ser longa, mas se alongou em canção) trabalhou com seu fiel parceiro Toquinho para levar às crianças um tipo musical de felicidade. Morreu, pois, a Vosso serviço, Senhor.

Deus (disfarçando a emoção) — Mande entrar, mande entrar logo esse rapaz. Vinicius entra rodeado de anjos, crianças, virgens e matronas que entoam mansamente:

Se todos fossem iguais a você,
que maravilha viver!
Uma canção pelo ar,
uma mulher a cantar,
uma cidade a cantar,
a sorrir, a cantar, a pedir
a beleza de amar,
como o sol, como a flor, como a luz,
amar sem mentir nem sofrer.
Existiria a verdade,
verdade que ninguém vê,
se todos fossem no mundo
iguais a você!

De vários pontos, vêm-se aproximando Sinhô, Pixinguinha, Heitor dos Prazeres, Ciro Monteiro, Noel Rosa, Dolores Duran, Orfeu, Eurídice, Mário de Andrade, Manuel Bandeira, Portinari, Murilo Mendes, Maysa, Lúcio Rangel, Tia Ciata, Santa Cecília, Antônio Maria, Bach, Ernesto Nazaré, Jaime Ovalle, Chiquinha Gonzaga e outros e outros e outros que não caberiam neste relato, mas cabem na imensidão do céu e som, e unem-se ao coral:

Teu caminho é de paz e de amor.
Abre os teus braços e canta
a última esperança,
a esperança divina
de amar em paz!

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