quarta-feira, 8 de agosto de 2018

"“Ora (direis) ouvir estrelas!”


"E eu vos direi: “Amai para entendê-las!
Pois só quem ama pode ter ouvido
Capaz de ouvir e de entender estrelas”.

(Olavo Bilac)

"Starry, starry night"

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Cañadas Fernando
2 h · 


Há mais ou menos uma semana, fui fazer Helena dormir e ela, com os olhos quase fechados, me disse assim, com a voz já lenta pelo sono:

- Papai, você me acorda no meio da noite e me mostra as estrelas? É que eu nunca vi as estrelas...

O pedido foi tão surpreendente e ao mesmo tempo tão simples e direto, que fiquei sem reação. Na hora eu disse sim, claro que acordaria, mas caí no sono e desde então estou devendo as estrelas a ela.

De lá para cá fiquei pensando no melhor local e forma de fazer isso.

E só consegui pensar em dificuldades.

São Paulo no inverno é um péssimo local para se ver estrelas. Além da poluição, o céu está sempre coberto por nuvens e muito dificilmente se vê algo.

O horário também é complicado. Helena dorme cedo, antes das nove horas. Chega da escola depois das seis. Aí vem o banho, o jantar e tal. Teria que dar certo de termos um céu minimamente limpo pouco antes das nove.

Mas também está um frio pesado e teria que agasalhá-la muito bem só para sair até a porta e voltar.

Além disso, acordá-la no meio da madrugada não é uma opção, pois ela demoraria para despertar e mais ainda para voltar a dormir.

E assim passei os dias, criando justificativas bestas para minha desídia e meu verdadeiro boicote às estrelas de Helena, e não tocamos mais no assunto. Achei até que ela nem se lembrasse mais do pedido.

Que nada. Hoje cedo, antes de sair de casa, ela me deu um beijo e falou assim, naturalmente:

- Papai, você até hoje ainda não me mostrou as estrelas, hein? Hoje à noite você tem que me mostrar.

Na hora me bateu uma sensação estranha. Pensei comigo, eu não sou essa porcaria de pai incapaz de atender a um pedido tão essencial desse vindo da minha filha.

Vejam, eu poderia ter negado a ela um presente qualquer, um brigadeiro antes do almoço ou uma terceira bisnaguinha antes de dormir. Mas caramba, não poderia ter-lhe negado as estrelas.

Essa culpa me consumiu o dia todo e agora eu não quero nem saber.

Faça o frio que fizer, faça ou não chuva, seja o horário que for.

É hoje à noite que pela primeira vez mostrarei as estrelas à Helena.

*            *            *