sábado, 31 de maio de 2014

ALBERTO DA COSTA E SILVA - Prêmio Camões 2014

Anunciado  o Prêmio Camões 2014: 
ALBERTO DA COSTA E SILVA  - diplomata, poeta, ensaísta, memorialista e historiador brasileiro, membro da Academia Brasileira de Letras e atual orador do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro. Nasceu em São Paulo, em 12 de maio de 1931.


Respiro e vejo
Alberto da Costa e Silva

Respiro e vejo. A noite e cada sol 
vão rompendo de mim a todo o instante, 
tarde e manhã que são tecido tempo, 
chuva e colheita. O céu, repouso e vento.

Vergel de aves. Vou entre viveiros, 
a caçar com o olhar, passarinhagem 
dos pequeninos sóis e das estrelas 
que emigram neste céu de goiabeiras.

Mas sigo a jardinagem, podo o tempo, 
o desgosto do espaço, a sombra e o fogo, 
as florações da luz e da cegueira.

E, no dia, suspensa cachoeira, 
neste jogo sagrado, vivo e vejo 
o que veio em meus olhos desenhado.

*            *            *


sexta-feira, 23 de maio de 2014

"Muito além do jardim" - Sandro Vaia

"Muito além do jardim" 
por Sandro Vaia - no Blog do Noblat, em 23 de maio 2014

“Devemos cultivar nosso jardim”, ensinava o Cândido de Voltaire, o aluno do dr.Pangloss, que dizia que “tudo vai pelo melhor dos mundos possíveis”. 
Era a única coisa que Chance Gardner, o personagem de Peter Sellers em “Muito Além do Jardim”, sabia fazer, além de ver televisão.

Será que o mundo se divide entre os catastrofistas que enxergam o apocalipse em cada esquina ou em cada nuvem, e os plácidos obtusos que, como Chance Gardner, dizem obviedades cretinas e sem sentido com a solenidade de quem está anunciado um pote no final de cada arco íris à disposição de todos - basta querê-lo?

A vida, infelizmente, é um pouquinho mais complicada que gostaríamos que fosse. 
A culpa, claro, nunca será nossa, como nenhuma culpa é, mas da ganância e da falta de espírito fraterno e amor à humanidade das pessoas egoístas que nos cercam. 
Nós construímos as fantasias certas, a culpa é daqueles que nos enganam e não cumprem as promessas de realizá-las.

Parece que a infantilização do debate político veio para ficar, e embora no país tenha tudo para plantar raízes mais sólidas e fundamentadas no sistema de educação, que fertiliza o inconsciente coletivo com suas fantasias, há cenas que ainda custa acreditar que sejam verdadeiras, passadas em lugares que a nossa imaginação costuma cultuar como civilizados.

É inacreditável que a Europa, depois de séculos de guerra e destruição, tenha construído uma união política destinada a acabar com os conflitos que a devastaram, e ainda seja capaz de tolerar e ainda ameaçar despejar um embornal de votos sobre um político capaz de dizer “que o ebola pode ser uma solução para acabar com a superpopulação da África”.

Perto de uma frase dessas e do seu potencial destrutivo, a banana atirada sobre Daniel Alves, que ele comeu com a desenvoltura da ironia, parece uma gag onde o último que ri é o que come a banana e deixa a casca para o outro comer.

O que é que o processo civilizatório parece cada vez mais entregue às mãos de Chance Garden, que passa o dia cuidando das suas flores, vendo televisão e emitindo frases enigmáticas que na verdade não passam de platitudes estúpidas que soam sábias a cérebros poluídos pela dissonância cognitiva.

Vemos deficientes físicos percorrendo dois quilômetros a pé de muletas porque sabe Deus de onde os motoristas de ônibus foram sacar uma greve ilegal e selvagem, que os defensores da equidade e da justiça reclamam da polícia do governo do adversário político estar tratando a pão de ló; a mesma polícia que era tratada como uma chacinadora contumaz quando foi executar um mandado judicial de reintegração de posse de um terreno privado.

Vemos um jovem baleado despedindo-se da mãe pelo celular, no cenário de uns dos 50 mil assassinatos cometidos por ano no país e que só comovem quando viram imagem.

Nunca antes na história deste jardim, poderia dizer Chance Gardner.

*            *            *
Sandro Vaia é jornalista. Foi repórter, redator e editor do Jornal da Tarde, diretor de Redação da revista Afinal, diretor de Informação da Agência Estado e diretor de Redação de “O Estado de S.Paulo”. É autor do livro “A Ilha Roubada”, (editora Barcarolla) sobre a blogueira cubana Yoani Sanchez e "Armênio Guedes, Sereno Guerreito da Liberdade"(editora Barcarolla).

terça-feira, 20 de maio de 2014

DRUMMOND - A palavra Minas

A palavra Minas
Carlos Drummond de Andrade

Minas não é palavra montanhosa
É palavra abissal
Minas é dentro e fundo
As montanhas escondem o que é Minas.
No alto mais celeste, subterrânea,
é galeria vertical varando o ferro
para chegar ninguém sabe onde.

Ninguém sabe Minas. A pedra
o buriti
a carranca
o nevoeiro
o raio
selam a verdade primeira,
sepultada em eras geológicas de sonho.



Só mineiros sabem.
E não dizem nem a si mesmos o
irrevelável segredo
chamado Minas.

*        *        *

segunda-feira, 19 de maio de 2014

Alma e Voz de ADÉLIA PRADO - Para o Zé



Para o Zé
Adélia Prado

Eu te amo, homem, hoje como toda vida quis e não sabia
eu que já amava de extremoso amor o peixe, a mala velha
o papel de seda e os riscos de bordado, onde tem o desenho cômico de um peixe 
— os lábios carnudos como os de uma negra.

Divago, quando o que quero é só dizer te amo.
Teço as curvas, as mistas e as quebradas, industriosa como abelha
alegrinha como florinha amarela, desejando as finuras, violoncelo, violino, menestrel
e fazendo o que sei, o ouvido no teu peito pra escutar o que bate.

Eu te amo, homem, amo o teu coração, o que é, a carne de que é feito,
amo sua matéria, fauna e flora, seu poder de perecer,
as aparas de tuas unhas perdidas nas casas que habitamos, os fios de tua barba.
Esmero. Pego tua mão, me afasto, viajo pra ter saudade, me calo,
falo em latim pra requintar meu gosto.

"Dize-me, ó amado da minha alma, onde apascentas o teu gado?
Onde repousas ao meio-dia, para que eu não ande vagueando atrás dos rebanhos de teus companheiros?"

Aprendo. Te aprendo, homem. O que a memória ama fica eterno.
Te amo com a memória, imperecível.
Te alinho junto das coisas que falam uma coisa só: Deus é amor.
Você me espicaça como o desenho do peixe da guarnição de cozinha, você me guarnece,
tira de mim o ar desnudo, me faz bonita de olhar-me, me dá uma tarefa, me emprega,
me dá um filho, comida, enche minhas mãos.

Eu te amo, homem, exatamente como amo o que acontece quando escuto oboé.
Meu coração vai desdobrando os panos, se alargando aquecido, dando a volta ao mundo,
estalando os dedos pra pessoa e bicho.
Amo até a barata, quando descubro que assim te amo, e o que não queria dizer amo também:  piolho.
Assim, te amo do modo mais natural, vero-romântico, homem meu, particular homem universal.

Tudo que não é mulher está em ti, maravilha.
Como grande senhora vou te amar, os alvos linhos,a luz na cabeceira,
o abajur de prata; como criada ama, vou te amar o delicioso amor: com água tépida
toalha seca e sabonete cheiroso, me abaixo e lavo teus pés, o dorso e a planta deles eu beijo.

*        *        *

Notinha desnecessária:  José Assunção de Freitas é o nome do seu marido.

RÉQUIEM PARA A TRISTEZA... Paulo V. Medeiros

Arte: Tomasz Alen Kopera
Réquiem para a tristeza que nos consome por dentro
Paulo V. Medeiros - "Revista Bula", 18 de maio 2014

Vamos matar a tristeza que, nestes dias longos e incertos, nos consome a todos por dentro. 
Vem, vamos juntos incendiar os corações dos que não sabem mais que todos nascemos destinados a vencer nossos medos. 
Cada um de nós é um São Jorge que pode aniquilar o dragão do próprio receio. 
Vem, vem comigo.

Berremos do alto de prédios para a multidão entorpecida que corre pelas ruas em busca de suas pequenas e vãs glórias diárias; saudemos aqueles que foram postos à margem pelo simples fato de que as rotinas bolorentas invejam sua liberdade multicolorida; assobiemos pelas calçadas ao lado de carros que não se movem na cidade eternamente parada, dirigidos por motoristas que tampouco se movem em suas vidas também paradas e amorfas; vamos em massa às ruas gritar aos que têm a alma seca para que percebam a mudança das estações, a chegada das águas, o frio que apazigua e o calor que excita. 
Tudo isso está à vista e eles não veem, os cegos por escolha própria.

Busquemos nas livrarias o livro que sempre desejamos ler, ouçamos a música que embalou nosso mais caro amor, bebamos as bebidas da moda e aquelas que ninguém mais bebe, degustemos pratos exóticos em tardes preguiçosas. 
Comer, rezar, amar, mas também beber, receber, doar, cantar, ler, ouvir, sentir, tatear, pegar, agarrar. 
Façamos de nossas vidas um dicionário prático de todos os verbos listados em frios Aurélios e Houaiss.

Haverá resistência. Os que se ofendem com a alegria alheia montarão barricadas, aqueles que se comprazem escrutinando os defeitos dos semelhantes farão guerrilha; os inimigos da espontaneidade cobrarão silêncio e respeito. 
É sempre assim: em cada canto, sem perceber a escuridão que o rodeia, há sempre quem queira impor a ordem da “moral e cívica” a quem prefere as lonjuras da vida sem peias. 
Eu prefiro essas lonjuras, e você?

E se não vier resposta mesmo que nos ouçam cantando, berrando, saudando, assobiando, bebendo e cantando? 
E se nem todos aqueles que se perderam por caminhos tortuosos de lágrimas desnecessárias conseguirem notar nossa estridência? 
Não, não se preocupe. Não tem importância se a multidão não nos ouve, basta um, bastam dois, sabe? 
Seremos, eu e você, a nova banda para o velho triste que vive doente e o homem sério que conta dinheiro.

Você tem medo? Eu também. 
Mas venha, vamos juntos, a soma dos nossos medos será igual a medo nenhum. 
Se surgir um esgar de escárnio, devolveremos um permanente sorriso de acolhimento e perdão; quando nos apontarem seus dedos raivosos, apontaremos os nossos para as estrelas e a Lua. 
A cada artigo de lei, um poema de amor de Neruda, e aos códigos de boa conduta iremos contrapor nossa cartilha de alegre bem viver. Alguém haverá de notar. 
Basta um, bastam dois.

Sim, vamos hoje ainda matar a tristeza, compor para ela um réquiem e fazer um sinal de vade retro. 
Vem, vem comigo.
*            *            *

domingo, 18 de maio de 2014

Einstein, Darwin, Newton, Keppler e a nossa vida

Da página "Obvious"
O que Einstein, Darwin, Newton e Kepler têm a dizer sobre a sua vida
Alícia Madrid - in "Recortes" -

Aqueles ilustres senhores que marcavam presença nas aulas de física e biologia poderiam dar a impressão de tratarem de assuntos muito pouco cotidianos, e deveras ininteligíveis, sem certa dose de concentração; porém, depois de refletir sobre alguns dos postulados mais importantes de cada um deles, cheguei à conclusão de que algumas leis e teorias podem se transformar em lições de vida, se analisadas pelo ângulo certo.


Einstein dissertou sobre a relatividade do tempo.
Não me aterei às minúcias de aclamada teoria, mesmo porque não passo de uma mera curiosa a respeito do assunto.
O fato é que, a grosso modo, o velhinho da língua saliente afirmou que o tempo passa mais devagar para os corpos em movimento.

Na prática, podemos depreender que o segredo para aproveitar o tempo é o deslocamento, e aqui nos cabem duas interpretações: uma literal e uma metafórica.
A primeira diz “mova-se”: vá viajar, vá visitar os amigos e a família, vá dar uma volta no quarteirão, vá participar de uma maratona, qualquer coisa que te faça levantar do sofá enquanto aquele tirano chamado relógio brinca de Pacman com cada minuto da sua vida.

Já a segunda interpretação, pode ser vista como uma mensagem de anti-estagnação mental, e é simples observá-la na prática: sabe aquele dia mega produtivo que parece ter durado 100 horas? Pois é, é o tempo se esticando porque seu cérebro está em "movimento". Faz sentido?


Tela de Maurício Costa
Darwin, com sua sábia e por vezes polêmica teoria da evolução, nos diz que tem mais chances de sobrevivência aquele que melhor se adapta.
Na vida, algumas vezes, as condições parecem desfavoráveis, o ambiente hostil, os recursos escassos e aí podemos escolher sentar e reclamar ou tentar encontrar um meio de fazer com que algo que trabalhe a nosso favor.

Uma das minhas maiores convicções é que qualquer experiência - positiva ou negativa - traz uma mensagem a ser aprendida e incorporada ao crescimento pessoal.
Lutar contra fatores que estão além do nosso alcance é desperdiçar a energia que poderia ser utilizada para amenizar ou mudar as condições sórdidas em que nos encontramos.


Pode ser que nem o próprio Newton tenha se dado conta de que a Lei da Inércia é uma asserção a respeito do comodismo: um corpo em repouso ou em movimento uniforme tende a permanecer assim.
Logo, aplicando em nossas próprias vidas, podemos concluir que nos acostumamos a deixar as coisas do jeito que estão - nossa rotina, nosso emprego, nossas relações.
E quando nos sentimos contentes ou pelo menos satisfeitos com tais âmbitos do cotidiano, ótimo!
O problema é quando nos acostumamos com o sofrimento, como por exemplo, a ter um emprego que odiamos, a namorar alguém que não amamos, a presenciar as mesmas brigas, a passar pelos mesmos problemas, a encarar as mesmas situações desagradáveis...
Em resumo, quando a infelicidade se torna um hábito. Volte ao parágrafo do Einstein e do Darwin para saber o que eu tenho a dizer a respeito disso.


Kepler, o físico astrônomo, constatou que os planetas descrevem órbitas elípticas em torno do Sol, o qual ocupa um dos focos da elipse. E aqui reside a mensagem menos óbvia das que mencionei até agora, contudo, não menos complexa ou profunda.
Note que se até os planetas possuem mais de um foco, nós, filhos do carbono e do amoníaco, sempre retemos em nossas mãos mais de uma escolha, mais de um caminho, mais de uma solução. Para cada evento indecifrável, há uma resposta insólita, uma saída incomum.
Às vezes, só precisamos trocar o Sol de lugar.
Que o legado dos grandes pensadores - na maioria filósofos, antropólogos ou poetas - se propague pela eternidade, mas que que possamos também alimentar a alma a partir das ideias concebidas por aqueles que descreveram o universo e a natureza através de fórmulas e tecnicidades.
*          *          *

sábado, 17 de maio de 2014

SÁBADO COM VINÍCIUS - Fragmento 'Dia da Criação'

Foto: "Há a perspectiva do Domingo
porque hoje é Sábado.

De fato, depois da Ouverture do Fiat e da divisão de luzes e trevas
E depois, da separação das águas, e depois da fecundação da terra
E depois, da gênese dos peixes e das aves e dos animais da terra
Melhor fora que o Senhor das Esferas tivesse descansado.
Na verdade o homem não era necessário
(...)
Descansasse o Senhor e simplesmente não existiríamos
Seríamos talvez polos infinitamente pequenos de partículas cósmicas em queda invisível na terra.
Não viveríamos da degola dos animais e da asfixia dos peixes
Não seríamos paridos em dor nem suaríamos o pão nosso de cada dia
Não sofreríamos males de amor nem desejaríamos a mulher do próximo
Não teríamos escola, nem serviço militar, casamento civil, imposto sobre a renda e missa de sétimo dia.
Seria a indizível beleza e harmonia do plano verde das terras e das águas em núpcias
A paz e o poder maior das plantas e dos astros em colóquio
A pureza maior dos instintos dos peixes, das aves e dos animais em cópula.
Ao revés, precisamos ser lógicos, frequentemente dogmáticos
Precisamos encarar o problema das colocações morais e estéticas
Ser sociais, cultivar hábitos, rir sem vontade
(...) "

(VINÍCIUS DE MORAES em Dia da Criação)
(...)
"Há a perspectiva do Domingo
porque hoje é Sábado.

De fato, depois da Ouverture do Fiat e da divisão de luzes e trevas
E depois, da separação das águas, e depois da fecundação da terra
E depois, da gênese dos peixes e das aves e dos animais da terra
Melhor fora que o Senhor das Esferas tivesse descansado.
Na verdade o homem não era necessário
(...)
Descansasse o Senhor e simplesmente não existiríamos
Seríamos talvez polos infinitamente pequenos de partículas cósmicas em queda invisível na terra.
Não viveríamos da degola dos animais e da asfixia dos peixes
Não seríamos paridos em dor nem suaríamos o pão nosso de cada dia
Não sofreríamos males de amor nem desejaríamos a mulher do próximo
Não teríamos escola, nem serviço militar, casamento civil, imposto sobre a renda e missa de sétimo dia.
Seria a indizível beleza e harmonia do plano verde das terras e das águas em núpcias
A paz e o poder maior das plantas e dos astros em colóquio
A pureza maior dos instintos dos peixes, das aves e dos animais em cópula.
Ao revés, precisamos ser lógicos, frequentemente dogmáticos
Precisamos encarar o problema das colocações morais e estéticas
Ser sociais, cultivar hábitos, rir sem vontade
(...) "

(VINÍCIUS DE MORAES - Antologia Poética -  'Dia da Criação')
*            *            *

VINÍCIUS - Poema de Natal


Tela de Leonid Afremov

"Para isso fomos feitos:
Para lembrar e ser lembrados
Para chorar e fazer chorar
Para enterrar os nossos mortos —
Por isso temos braços longos para os adeuses
Mãos para colher o que foi dado
Dedos para cavar a terra.

Assim será nossa vida:
Uma tarde sempre a esquecer
Uma estrela a se apagar na treva
Um caminho entre dois túmulos —
Por isso precisamos velar
Falar baixo, pisar leve, ver
A noite dormir em silêncio.

Não há muito o que dizer:
Uma canção sobre um berço
Um verso, talvez de amor
Uma prece por quem se vai —
Mas que essa hora não esqueça
E por ela os nossos corações
Se deixem, graves e simples.

Pois para isso fomos feitos:
Para a esperança no milagre
Para a participação da poesia
Para ver a face da morte —
De repente nunca mais esperaremos...
Hoje a noite é jovem; da morte, apenas
Nascemos, imensamente."

*            *            *
VINÍCIUS DE MORAES - Antologia Poética 

segunda-feira, 12 de maio de 2014

Mães na Literatura - "Homo Literatus"

Da página "Homo Literatus"
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E o que dizer das grandes mães 
da literatura?
Vilto Reis - 11 de maio 2014

Como reflexo que é das relações humanas, a arte literária se alimenta de grandes personagens femininas, mulheres que através de palavras se tornam reais – ao menos para os leitores, que rapidamente as identificam com a mãe que tiveram.

Ainda sobre maternidade, é bacana ler o que Clarice Lispector falou ao Jornal do Brasil em 1967:

"Aliás uma pergunta que me fez: o que mais me importava – se a maternidade ou a literatura. O modo imediato de saber a resposta foi eu me perguntar: se tivesse de escolher uma delas, que escolheria? A resposta era simples: eu desistiria da literatura. Nem tem dúvida que como mãe sou mais importante do que como escritora."

Bom, como não temos que escolher entre uma e outra, montamos uma lista que une mães e literatura.
***
Catelyn Stark – As crônicas de gelo e fogo, de George R.R. Martin
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Certamente a mãe que mais sofre na série de livros criada por George R.R. Martin – a Cersei também sofre, mas quem tem pena dela? 
Sem oferecer spoilers gratuitos, ser um Stark na série As crônicas de gelo e fogo é ser um sofredor. 
Catelyn precisa lidar com um filho bastardo do marido, com a separação de seus próprios filhos, com a perda do homem de sua vida e, ainda, com disputas políticas. É muito mais do que o coração de uma mãe pode aguentar, nem parece possível que ela sobreviva à trama sanguinária escrita por Martin. Mas é uma mãe por quem vale a torcida.
(por Vilto Reis)
**
Molly Bloom – Ulysses, de James Joyce
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Molly no filme de 1967
Molly é a esposa infiel do famigerado Poldy Bloom em Ulysses. No entanto, quando peguei o calhamaço de Joyce e mergulhei nas 24 horas de Bloom, mais do que a infidelidade, me chamou a atenção o quanto Molly é mãe – em partes, até do próprio Bloom. 
A dor da perda de Rudy retumba entre o casal, que não consegue superar a ausência do filho. 
Na minha leitura, é até daí que sai toda a loucura da Molly e sua infidelidade: como substituir o filho morto? Como viver e ser feliz depois de perdê-lo? 
Por isso, é uma mãe pela qual tenho um carinho enorme, apesar (e talvez exatamente por causa) da verborragia.

(por Cecilia Garcia)
**
Eva Katchadourian – Precisamos Falar sobre Kevin, de Lionel Shriver
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Tilda Swinton deu vida à Eva na adaptação da obra para o cinema.
Se ser mãe é padecer no paraíso, a vida de Eva após a maternidade está mais para inferno. 
A americana bem sucedida, dona de uma empresa de viagens, é casada com Frank, por quem é apaixonada, e quer levar uma vida de aventuras. 
Sua vontade de ter filhos é inversamente proporcional ao seu medo da criança que possa por no mundo. Medo justificado quando o psicopata Kevin se torna um desafio constante aos poucos instintos maternais de Eva. 
Frank não ajuda muito, preferindo bancar o papai bonzinho e bobalhão, e nem mesmo a vinda da segunda filha, a doce e acanhada Celia, consegue amenizar a situação. 
Kevin, com 16 anos, executa, então, seu ato final, realizando um massacre em sua escola, e é preso. 
Eva fica sozinha, relembrando o passado, remoendo a culpa, entrando em contato com seu mundo íntimo, tentando entender o que aconteceu e estabelecer, ainda que tardiamente, seu grau de conexão com o filho assassino. 
Um ótimo exemplo de relacionamento doentio entre mãe e filho, com graves consequências.

(por Nicole Ayres)
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Dona Sebatiana – Terra Vermelha, de Domingos Pellegrini
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Ela acha o nome feio, então fica só Tiana. É a mulher central de Terra Vermelha, romance de Domingos Pellegrini. 
No início da história já sabemos como ela segura a família: o marido se quebra de emprego a outro e ela nada exige, reponde por seus poeminhas “está escrito no rosto quem trabalha porque precisa e quem trabalha por gosto”
Quando a família começa a crescer, não há queixa da dupla jornada. Depois tripla, quando ela e o marido abrem a pensão. 
Ela é quem convive mais de perto com os moradores da Londrina em construção na metade do século XX, período da história do livro, de nativos e estrangeiros aprendendo a andar com os pés na terra. 
O marido apronta das feias e a trai, e ela o expulsa no grito e leva meses para o perdoar – apenas por um risco de morte dele noutra cidade. 
Além de força, Dona Tiana é amor. Em um capítulo o marido diz ter se apaixonado de novo por ela, e ouve dela “eu nunca desapaixonei”.

(por Walter Alfredo Voigt Bach)
**
Ana – conto Amor, de Clarice Lispector, em Laços de Família
Clarice Lispector - Laço de Família

Ana é uma dona de casa que sente orgulho pela escolha que fez e pelo papel que se sucumbira dentro do mundo sistematizado. Aliás, o mundo sistematizado de Ana restringe-se ao papel de mãe, esposa e dona de casa. 
A rotina diária que a torna responsável de um lar, onde ela limpa, passa, cozinha e cuida dos filhos e do marido – esta é a sua essência de mulher. Ana nascera para isso. 
E também porque no fundo ela sempre tivera necessidade de sentir a raiz firme das coisas, como é suscitado no texto de Clarice. 
Porém, durante uma tarde, enquanto voltava de bonde para casa, após fazer compras, seu mundo domesticado dilacera-se ao encontrar um cego mascando chiclete na calçada da rua. 
“E como uma estranha música, o mundo recomeçava ao redor. O mal estava feito. Por quê? Teria esquecido que havia cegos? A piedade a sufocava, Ana respirava pesadamente. Mesmo as coisas que existiam antes do acontecimento estavam agora de sobreaviso, tinham um ar mais hostil, perecível… O mundo se tornara de novo um mal-estar. Vários anos ruíam, as gemas amarelas escorriam. Expulsa de seus próprios dias, parecia-lhe que as pessoas na rua eram periclitantes, que se mantinham por um mínimo equilíbrio à tona da escuridão – e por um momento a falta de sentido deixava-as tão livres que elas não sabiam para onde ir. Ana se agarrou ao banco da frente, como se pudessem ser revertidas com a mesma calma com que não o eram.” 
Em seguida, a personagem clariceana acaba seguindo desorientada até o jardim botânico, onde obtém uma nova epifania – sendo este um dos momentos mais promissores desta curta narrativa. 

Resumindo, esta é a estória de uma dona de casa que (re) descobre uma nova realidade fora de sua zona de conforto, volvida pela alienação.

(por Márwio Câmara)
**
Sra. Bennet – Orgulho e Preconceito, de Jane Austen
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Sra. Bennet em uma das adaptações para o cinema do clássico de Jane Austen.

Afinal seria muito romântico falar apenas de mães “boazinhas” da literatura. 
A Sra. Bennet é o tipo de mãe que nenhuma filha, principalmente se você vivesse na era vitoriana, gostaria de ter. 
Além de orgulhosa, fofoqueira e dramática, a Sra. Bennet acaba prejudicando a imagem angelical de sua filha Jane, e da astuta Elizabeth, ao dar mostras de sua personalidade. Pois qual rapaz gostaria de entrar numa família com tal sogra?
Mesmo assim, a Sra. Bennet, na forma como é descrita por Jane Austen, é uma personagem que chama a atenção. 
Com certeza, ao ler Orgulho e Preconceito, você notará as características desta mulher e se lembrará de alguém que conhece.

(por Vilto Reis)
**
Sinhá Vitória – Vidas Secas, de Graciliano Ramos
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Adaptação para o cinema -  Nelson Pereira dos Santos

É a principal personagem a representar a saga da mulher sertaneja e retirante na literatura brasileira. Através de seu olhar, de suas falas e de sua indignação existe a denúncia contra a degradação humana, que permeia todo o romance. 
Ela é apresentada como uma mulher forte, carrega mais peso e é quem toma as iniciativas. 
É a personagem que mais fala, inclusive reclama da situação de sua família; a retirante fala, descrente, que nunca chegarão a lugar algum, mas indica o melhor caminho a seguir. 
Também é quem distribui a pouca comida à família e, infelizmente, é ela que mata o papagaio de estimação para que não morram de fome. 
Sinha Vitória é uma grande mãe, até mesmo para o marido, pois suas atividades estão relacionadas a ajudar na sobrevivência de todos, é ela quem cuida de quase tudo: cuida dos meninos e do marido, arruma suas roupas, toma conta do dinheiro, faz as contas para o ajuste com o patrão e diz o que fazer com o dinheiro. 
Além de tudo isso, dá proteção psicológica à família nas situações mais difíceis. 
Uma grande mãe e uma mulher simples, seus sonhos são, basicamente, uma vida melhor para sua família, um par de sapatos de verniz e uma cama de couro.

(por Estela Santos)
**
Molly Weasley – Harry Potter, de J. K. Rowling
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Molly  - adaptação para o cinema.

Seria imperdoável falar das mães e não citar a valorosa Molly Weasley, da série Harry Potter. 
Mãe de sete filhos: Gui, Carlinhos, Percy, os gêmeos Fred e Jorge, Rony e Gina, além do grande amor que nutre pela sua prole, Molly ainda abre o seu coração a todos que necessitam de um lar. Um exemplo mais do que óbvio: Harry Potter. 
É Molly quem o ajuda a comprar materiais escolares e uniformes, é ela quem manda presentes de Natal ou prepara um delicioso jantar. Certamente, Lilian Potter estava com o coração tranquilo ao ver a dedicação para com seu pequeno Harry. 
Sempre protegendo e mimando os filhos (no bom sentido), a sra.Weasley, além de mãezona, é uma grande mulher: membro da Ordem da Fênix, lutou bravamente contra o Lord das Trevas e revelou um lado até então desconhecido quando tentaram matar sua filha. 
Decididamente, Molly é uma Mãe com M maiúsculo.

(por Sté Spengler)
*            *             *

ANDRÉ J.GOMES - Elogio da solidão...

Gosto muito da escrita desse rapaz.


Elogio da solidão que nos une e nos separa
André J.Gomes - Revista Bula, 12 de maio 2014

Eu sou dessa gente que anda só. 
Não me pergunte por quê. Eu não sei responder e você vai achar que é indelicadeza minha, mas é nada senão a mais sincera incapacidade. Não consigo, não dá.

Minha bicicleta não tem garupa, é veículo de um sozinho, descendo uma estradinha esburacada com um equilíbrio tão delicado que é preciso manter as duas mãos no guidão o tempo todo, sabe? Descobri que posso lhe dar uma delas agora e logo tenho de soltar. Não por nada. É só para não me esborrachar no chão. 
E acredite: se eu não largar a sua mão, você vai cair também.

Acontece sempre. Vira e mexe, meu balão excede a capacidade de carga e começa a descer. 
É quando você deve pular de volta para o seu. 
Só assim, você aí, eu aqui, cada um de nós em seu próprio balão, ganharemos o céu de novo. Subiremos para além das nuvens, acima das tempestades e turbulências, onde o ar é raro mas é feito para quem aprende a respirar devagar e sempre.

Lá em cima, o céu do dia é azul, azul que dói. O sol é franco, o vento é calmo e o silêncio é doce e bom. 
À noite, é tanta estrela mais perto que a gente aprende a olhar aos pouquinhos.

E tem a lua enorme comandando as marés aqui embaixo, inspirando os amantes, fazendo a festa de quem sonha. Como você e eu.

Cá embaixo, meu barquinho estreito, frágil, não suporta mais de um por muito tempo. Qualquer elemento novo é capaz de virá-lo de pronto. E iríamos os dois para a água. 
Daqui, no leme grosseiro da minha embarcação solitária, olho para cima com ares de nostalgia. 
Sou criatura das rodas gigantes, dos teleféricos e montanhas russas. 
Sonho com as alturas e o silêncio. 
Sou dessa gente que anda só.

Ouviu? A voz da moça no aeroporto anuncia a hora do voo. Última chamada. Passageiros com destino ao logo mais, embarque imediato no primeiro portão aberto. 
Meu avião já está ali, pousado, me esperando com a perfeição e a generosa complexidade dos aviões de papel. Mas só cabe um.

Não é por mal. É por defeito de nascença. 
Eu sou dessa gente que anda só. 
Gente rarefeita, imperfeita, escassa e com tão pouco para dar. 
Vou, vamos, aos pouquinhos, com o vento farto e os amigos raros, cada um em sua bicicleta sem garupa, seu balão instável, seu barquinho pessoal e intransferível, sua aeronave de jornal.

Assim, voando sós por aí, você e eu já nos encontramos um dia. 
Assim haveremos de nos reunir. Livres, fortes, seguros. Donos de nossas embarcações, acima das imposições, das cobranças e dos pesos da vida burocrática e normativa de ontem, de hoje e de amanhã. 
Felizes no leme de nossos destinos. Porque temos nada senão a mais sincera incapacidade. 
Porque somos dessa gente que anda só.


*            *            *

LEONARDO SAKAMOTO - Dia das mães: ...

Dia das Mães: Precisamos mesmo destruir o passado para poder ir adiante?
Leonardo Sakamoto

Por décadas, minha avó morou de aluguel em uma casinha, onde passava os dias entre a máquina de costura e os cuidados com o cachorro. Hoje, a casa, bem como minha avó, são apenas lembranças de um outro tempo.

Dia desses, andando por aquela rua, parei por uns momentos diante do prédio imponente que foi erguido no lugar. Seu número é o mesmo da casinha, coisa que não dá para esquecer porque minha mãe o havia usado como senha de sua conta – coisa que decorei pela eternidade por conta das vezes que tive que ir até o banco tirar um extrato para ela.

Mas só. O lugar é chique, com tudo muito bem arrumadinho, em nada lembrando a bagunça que sempre havia na frente da casa da velha italiana de cabeça quente. 
Em pouco tempo, seguranças me mediram da cabeça aos pés e diante de um “estou apenas olhando, minha vó morava aqui'', franziram a testa, perguntando com sobrancelhas arqueadas em qual apartamento ela residia. Talvez querendo checar a incongruência da declaração. Como se a história daquele lugar tivesse começado com o nascimento do prédio.

Despeço-me com um sorriso curto mas ainda em tempo de ver um morador conversando com o segurança através de um alto-falante, sem precisar (ou desejar) abrir a janela de seu carro, na entrada da garagem.

O sapateiro que ficava em frente não existe mais. Muito menos a avícola no canto da rua, o clube onde os mais velhos se reuniam para jogar bocha e o tintureiro japonês e gente boa. A loja de armarinhos onde eu ia comprar linhas para a minha avó também sumiu, bem como o boteco que vendia ovo azul e sarapatel. Hoje, há um caro restaurante. Velhas senhoras que ficavam fofocando na rua, gritando com seus netos que corriam atrás de bolas, também se foram. E, com a quantidade de prédios altos que se ergueram, o céu e o horizonte também tiveram que se mudar para outro lugar.

Os dois moram hoje em alguns lugares da periferia, mas não por muito tempo. Dizem que também querem enxotá-los de lá.

Um conjunto de fatores levou minha avó embora.
O atestado de óbito falava em insuficiência cardíaca e respiratória. 
Os médicos culparam sucessivos derrames, agravados pelo Parkinson. 
Mas eu, que acompanhei a sua história de perto, acho que há um outro elemento não levado em conta. Ela começou a morrer no dia em que, de repente, teve que sair da casa que viveu boa parte da vida para dar lugar ao prédio alto e bonito.

Levada para longe do cachorro, das clientes, da avícola, do clube, do tintureiro, da loja de linhas, do boteco, das velhas amigas e seus meninos, ela foi separada de coisas que lhe faziam sentido. 
O ser humano é bicho adaptável, decerto. Ele se reergue, ainda mais tendo o horizonte e o céu a lhe fazerem companhia. 
Afinal de contas, São Paulo é força criadora. E para criar, é necessário antes destruir, correto?

Lembro-me do ensaio “O Fausto de Goethe: A Tragédia do Desenvolvimento'', de Marshall Berman. Fausto vendera sua alma em troca de experimentar as sensações do mundo. Mas, no texto, o diabo não é o Lúcifer da cristandade, não representa o mal em si, mas sim o espírito empreendedor capitalista e burguês. A mentalidade que fomenta Fausto (“destruir para criar”) é a realidade do constante movimento. Mefistófeles perguntava a ele se Deus não havia destruído as trevas que reinavam no universo para poder criar o mundo…

No meio do caminho estavam Filemo e Baúcia, um casal de idosos. Eram um problema para os planos do empreendedor Fausto e precisavam ser removidos. 
Quando Mefistófeles queima a casa da dupla, assassinando-os, não quer Goethe provar a sua maldade, mas expor exatamente o contrário: joga-se o empecilho fora criando a ideia de que o mal (o casal idoso) precisa ser extirpado para que a sociedade cresça.

E o desenvolvimento não possui padrões éticos, além da ética que cria para si mesmo. Por exemplo, fazendo crer que a necessidade do bem-estar de muitos suplanta a garantia da dignidade de alguns.

O crescimento da cidade tem sua dinâmica, claro. 
Mas não deveríamos esquecer que ela não é feita de pedra e cimento, mas do conjunto de histórias de sua gente. 
É natural que biografias deem lugar a outras. O problema é como isso é feito. Apagando o passado como se ele não tivesse existido ou construindo a partir dele.

Não acredito em imortalidade, mas sei que, pelo menos, minha avó seguirá costurando e brincando com o cachorro enquanto eu e meu irmão, seus únicos netos, ainda estivermos por aqui. 
Por mais que vá ficando nublada com o tempo, a memória dos que se foram não se apaga como casa demolida. Memória que alimenta a esperança de que, em algum momento, faremos da cidade um lugar melhor para se viver.

Feliz Dias das Mães.
*           *            *

Da Telma


Da página "A louca da biblioteca"

Foto: A TARDE PRINCIPIA e a chuva cai
um manto pesado e branco
o vento atravessa para onde estou
todavia, também há frio dentro aqui
paredes úmidas, portas seladas.
Alguém com olhos cor de rio cortando a mata
pediu-me: abra a porta.
Mas não há motivo, não percebe?
Não há ninguém a ser visitado
não há ninguém à espera de visita
só fantasmas adormecidos e cada vez mais vagos
e pequenos demônios recolhidos nas sombras
(silêncio, não reacenda seus olhos
não lhes desperte a voz 
não lhes reabra as asas).
Gotye canta “Let me in
Where only your thoughts have been
Let me occupy your mind
As you do mine...”. 
E eu sonho, sem querer
enquanto espero, sem querer
alguém chegar - mas se alguém, por ventura, chegar
talvez minha cena já terá chegado ao fim.   (TELMONT)

Imagem: "The kiss of death", escultura de Jaume Barba.
 "The kiss of death", escultura de Jaume Barba.

A TARDE PRINCIPIA e a chuva cai
um manto pesado e branco
o vento atravessa para onde estou
todavia, também há frio dentro aqui
paredes úmidas, portas seladas.
Alguém com olhos cor de rio cortando a mata
pediu-me: abra a porta.
Mas não há motivo, não percebe?
Não há ninguém a ser visitado
não há ninguém à espera de visita
só fantasmas adormecidos e cada vez mais vagos
e pequenos demônios recolhidos nas sombras
(silêncio, não reacenda seus olhos
não lhes desperte a voz 
não lhes reabra as asas).
Gotye canta “Let me in
Where only your thoughts have been
Let me occupy your mind
As you do mine...”. 
E eu sonho, sem querer
enquanto espero, sem querer
alguém chegar - mas se alguém, por ventura, chegar
talvez minha cena já terá chegado ao fim. 

(TELMONT)

*            *            *

sexta-feira, 9 de maio de 2014

MACHADO DE ASSIS - Carta a Carolina


"Diz a Madame de Stael que os primeiros amores não são os mais fortes porque nascem simplesmente da necessidade de amar. 
Assim é comigo; mas, além dessa, há uma razão capital, e é que tu não te pareces nada com as mulheres vulgares que tenho conhecido. Espírito e coração como o teu são prendas raras; alma tão boa e tão elevada, sensibilidade tão melindrosa, razão tão recta não são bens que a natureza espalhasse às mãos cheias (…). Tu pertences ao pequeno número de mulheres que ainda sabem amar, sentir, e pensar. 
Como te não amaria eu? Além disso tens para mim um dote que realça os mais: sofreste. É minha ambição dizer à tua grande alma desanimada: «levanta-te, crê e ama: aqui está uma alma que te compreende e te ama também».

A responsabilidade de fazer-te feliz é decerto melindrosa; mas eu aceito-a com alegria, e estou certo que saberei desempenhar este agradável encargo. 
Olha, querida; também eu tenho pressentimento acerca da minha felicidade; mas que é isto senão o justo receio de quem não foi ainda completamente feliz?

Obrigado pela flor que mandaste; dei-lhe dois beijos como se fosse a ti mesma, pois que apesar de seca e sem perfume, trouxe-me ela um pouco de tua alma. 
Sábado é o dia da minha ida; faltam poucos dias e está tão longe! Mas que fazer? A resignação é necessária para quem está à porta do paraíso; não afrontemos o destino que é tão bom connosco. 

(…) Depois… depois querida, queimaremos o Mundo, porque só é verdadeiramente senhor do Mundo quem está acima das suas glórias fofas e das suas ambições estéreis. 
Estamos ambos neste caso; amamo-nos; e eu vivo e morro por ti."

Machado de Assis, em  Carta a Carolina de Novais (1869).

 *            *            *

terça-feira, 6 de maio de 2014

Como está, Mário Quintana?


Quando eu morrer e no frescor da lua
Da casa nova me quedar a sós,
Deixai-me em paz na minha quieta rua...
Nada mais quero com nenhum de vós!

Quero é ficar com alguns poemas tortos
Que andei tentando endireitar em vão...
Que lindo a Eternidade, amigos mortos,
Para as torturas lentas da Expressão!...

Eu levarei comigo as madrugadas,
Pôr-de-sóis, algum luar, asas em bando,
Mais o rir das primeiras namoradas.

E um dia a morte há de fitar com espanto
Os fios de vida que eu urdi, cantando,
Na orla negra do seu negro manto...


*            *            *

Quintana, Mario, 1906-1994
A rua dos cataventos / Mario Quintana - 2.ed. -São Paulo


Mario Quintana faleceu em Porto Alegre no dia 5 de maio de 1994 próximo de seus 87 anos.

Em 1994 Quintana é internado no Hospital Moinho de Ventos em Porto Alegre com infecção intestinal e insuficiência respiratória, vindo a falecer no dia 5 de maio desse ano.

(...)
Sua morte aconteceu quatro dias depois da tragédia de Ayrton Senna, em 5 de maio de 1994, e comoveu tremendamente o Rio Grande do Sul.
O ficcionista Sergio Faraco, amigo fiel de três décadas, guarda a despedida com a nitidez de ontem.
"A morte dele, para mim, foi muito dolorosa, não só pela perda de um amigo e de um grande poeta que, embora idoso, ainda escreveria seus belos e sentidos poemas, mas pelas circunstâncias em que se deu. 
Estávamos ao lado dele na UTI do Hospital Moinhos de Vento, Elena e eu, segurando-lhe as mãos. Mario já não falava, já não ouvia, a agonia se prolongava e então desci para fumar um cigarro no pátio do hospital, com o propósito de retornar logo e acompanhá-lo até o fim. Naqueles escassos minutos que permaneci no térreo, ele morreu. 
Nunca me perdoei por essa absurda deserção justamente no instante em que ele deixou de respirar e partiu para o céu dos poetas. Quintana talvez quisesse falecer como cantou: "sozinho como um bicho". (...)

(Fabrício Carpinejar - Revista Entrelivros, edição nº12, abril/2006).

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ZÉLIA DUNCAN - Mal menor (de Itamar Assumpção)

Dedico essa música a cada um dos meus netos amados:
Henrique, Pedro, Marcos, Manuela e Francisco



Mal Menor
Composição Itamar Assumpção 
Interpretação Zélia Duncan

Você vai notar olhando ao redor
Que sou dos males o menor
Pode até contar com o meu amor
Naquilo que seja lá o que for

Sofrer é antigo por isso que digo
Basta estar vivo para correr perigo
Pra tudo conte comigo
Darei meu abrigo se quiser abrigo
Se for pra brigar por você também brigo
Pra tudo conte comigo

Você vai notar olhando ao redor
Que sou dos males o menor
Pode até contar com o meu amor
Naquilo que seja lá o que for

Minha flor de trigo meu licor de figo
Diga aonde irás que é para lá que eu sigo
Pra tudo conte comigo
Eu quero estar contigo meu sexto sentido
Serei inimigo dos teus inimigos
Pra tudo conte comigo


*        *        *