Elogio da solidão que nos une e nos separa
André J.Gomes - Revista Bula, 12 de maio 2014
Não me pergunte por quê. Eu não sei responder e você vai achar que é indelicadeza minha, mas é nada senão a mais sincera incapacidade. Não consigo, não dá.
Minha bicicleta não tem garupa, é veículo de um sozinho, descendo uma estradinha esburacada com um equilíbrio tão delicado que é preciso manter as duas mãos no guidão o tempo todo, sabe? Descobri que posso lhe dar uma delas agora e logo tenho de soltar. Não por nada. É só para não me esborrachar no chão.
E acredite: se eu não largar a sua mão, você vai cair também.
Acontece sempre. Vira e mexe, meu balão excede a capacidade de carga e começa a descer.
É quando você deve pular de volta para o seu.
Só assim, você aí, eu aqui, cada um de nós em seu próprio balão, ganharemos o céu de novo. Subiremos para além das nuvens, acima das tempestades e turbulências, onde o ar é raro mas é feito para quem aprende a respirar devagar e sempre.
Lá em cima, o céu do dia é azul, azul que dói. O sol é franco, o vento é calmo e o silêncio é doce e bom.
À noite, é tanta estrela mais perto que a gente aprende a olhar aos pouquinhos.
E tem a lua enorme comandando as marés aqui embaixo, inspirando os amantes, fazendo a festa de quem sonha. Como você e eu.
Cá embaixo, meu barquinho estreito, frágil, não suporta mais de um por muito tempo. Qualquer elemento novo é capaz de virá-lo de pronto. E iríamos os dois para a água.
Daqui, no leme grosseiro da minha embarcação solitária, olho para cima com ares de nostalgia.
Sou criatura das rodas gigantes, dos teleféricos e montanhas russas.
Sonho com as alturas e o silêncio.
Sou dessa gente que anda só.
Ouviu? A voz da moça no aeroporto anuncia a hora do voo. Última chamada. Passageiros com destino ao logo mais, embarque imediato no primeiro portão aberto.
Meu avião já está ali, pousado, me esperando com a perfeição e a generosa complexidade dos aviões de papel. Mas só cabe um.
Não é por mal. É por defeito de nascença.
Eu sou dessa gente que anda só.
Gente rarefeita, imperfeita, escassa e com tão pouco para dar.
Vou, vamos, aos pouquinhos, com o vento farto e os amigos raros, cada um em sua bicicleta sem garupa, seu balão instável, seu barquinho pessoal e intransferível, sua aeronave de jornal.
Assim, voando sós por aí, você e eu já nos encontramos um dia.
Assim haveremos de nos reunir. Livres, fortes, seguros. Donos de nossas embarcações, acima das imposições, das cobranças e dos pesos da vida burocrática e normativa de ontem, de hoje e de amanhã.
Felizes no leme de nossos destinos. Porque temos nada senão a mais sincera incapacidade.
Porque somos dessa gente que anda só.
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