terça-feira, 20 de janeiro de 2015

JOSÉ MONTEIRO FILHO - Uma crônica

Crônica do Professor Monteiro em "Agenda Cultural Sul Fluminense"



“ NÃO DEVIA... MAS... ”
Inspirado no [re]início das Aulas em 2014
(por Monteiro Filho, José)


Meu caro leitor, com estas palavras dou Boas Vindas aos abnegados professores e professoras, alunos e todos os heróis nacionais que labutam no esforço de produzir Educação.

Eu bem sei é que a gente se acostuma a tudo sim. Ainda que não devesse. 
A gente se acostuma às carências da escola pública e a ter coragem de continuar malhando em ponta de faca, tentando esconder o sol com a peneira. E, porque não tem jeito, a gente logo se acostuma às promessas demagógicas de nossas autoridades que nunca se concretizam. São tantas que já nos acostumamos com elas, esquecemo-nos dos alunos e eles nem percebem que estamos dentro de uma sala que parece mais improvisada, sucateada, para lhes passar receitas para o bolo do conhecimento, ainda que venham a deixá-lo solar ou queimar.

A gente se acostuma a dormir tarde e acordar cedo, preparando aulas inúteis e enfadonhas; a gente se acostuma a dormir um sono de pedra retangular, negra ou verde, porque a gente se habituou a carregar nas costas a sala, o colégio, as notas, a indisciplina, o atrevimento; afinal, nem tudo passa goela abaixo, não é mesmo? Aí a gente se acostuma a levar nos ombros todos os dramas da escola.

A gente se acostuma com os apelidos, mesmo que camuflados, de loucos, neuróticos, malucos, ultrapassados, mal resolvidos, odiados porque somos a extensão da chatice dos pais ou dos responsáveis. 

A gente se acostuma a ver a vida em gritos, ralhas e chamadas de atenção. 
A gente nem vê o dia passar ali fora da janela alta, disforme, emperrada sempre. 

A gente se acostuma a discutir, vez ou outra, teorias de mestres antigos e novidadeiros e a se angustiar com elas. 

A gente se acostuma com a sensação do ridículo que passam às nossas ações, aos nossos esforços estéreis. 

A gente se acostuma a (des)preparar os jovens para o futuro de dignidade incerta e a lastimar pelo minguado salário do interminável mês. 
E a gente se acostuma a teimar com as ridículas e inócuas greves... A tudo é possível se acostumar. E é o que mais sabemos fazer. Acostumamos a ser brasileiros... 

A gente se acostuma a trabalhar com esta juventude que, desde os tempos de Sócrates ( 470-399 a.C. ) adora o luxo, é mal educada, caçoa da autoridade e não tem o menor respeito pelos mais velhos. 

A gente se acostuma a ver nossos filhos tiranos, não cederem lugar para os idosos e nos responderem e não nos ouvirem, porque estão com os ouvidos ocupados ouvindo melodias musicais, com letras e conteúdos de qualidade altamente duvidosos. 

Já estamos acostumando a ceder nossa liderança em favor dos bate papos, e dos joguinhos dos celulares, dos facebooks, skypes, whats app, e outros aplicativos virtuais sobre os quais não exercemos quaisquer sinais de domínio. 
Por vezes, excepcionalmente, exercemos domínios muito limitados, pois, nosso tempo escasso, calculado, não garante espaço para o acompanhamento diuturno da evolução perene dos meios da comunicação virtual e globalizada. 

A gente se acostuma a duvidar do futuro com estes exemplares de jovens em nossas vidas. 

A gente se acostuma a ver nos jornais e revistas e na providencial internet livros sobre educação, longe das possibilidades de nossos bolsos e de nossas leituras. 

A gente se acostuma a ser classe sem identidade, união e representação sérias, justamente porque a sociedade não nos leva a sério. 

A gente, pois, se acostuma à desvalorização, a ser joguete e bandeirola em festas políticas. 

A gente se acostuma a coisas de mais e de menos. A ter “peninha” dos filhos dos outros, ainda que depenados em nossa dignidade profissional. 

A gente se acostuma a não ter fins de semana, pizzaria, shopping ou calçadões... A gente se acostuma a um cartãozinho só e a sofrer com o pagamento mínimo. 

A gente só se sente feliz na hora de dormir, pois, o sono, sem sonhos, mas, às vezes, com pesadelos, chega e derruba pesado. 

A gente se acostuma a falar pouco em casa, com a família, com os filhos... a gente se acostuma com a dor de garganta e com o cansaço das cordas vocais. 
Em casa elas devem ser poupadas para o dia de amanhã. 

A gente se acostuma a não ter vida própria; para quê, se nossa vida é para os outros?

Mas, apesar de tudo, a gente queria se acostumar com o fato de sermos os responsáveis pela formação de tantas e tantas gerações que nem dão conta disso. E nos acostumamos a defender nossa vida, apoiando-nos nesta verdade jamais abolida.

Acostumemo-nos, pois, a sobreviver na contramão dos fatos. 
Afinal, como professores, acostumamo-nos a professar verdades, ética, dignidade, respeito... e nos acostumamos a acreditar que um dia acontecerá o milagre da nossa epifania. Amém !




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