quinta-feira, 16 de abril de 2015

JOSEANE MAYTÊ - "Carpe diem-se"

"Carpe diem-se"
Joseane Maytê - em 'Obvious - recortes'

Certa feita, enquanto planejava uma aula sobre VIDA (sem trocadilho!) para crianças, me veio à cabeça o tempo. 
Idealizei por um momento uma dinâmica em que eu pudesse demonstrar para elas que o valor da vida está associado ao valor que damos ao nosso tempo, uma analogia, talvez, ao filme “O preço do Amanhã”, aquele em que o Justin Timberlake aparece na pele do rebelde e lindo Will, película na qual valem as máximas “não perca de tempo" ou "tempo é dinheiro". 

Na proposta, as crianças teriam um tempo para pintar, com esmero, diversos desenhos, atentas às cores e aos contornos sugeridos para cada figura. 
Esse tempo, porém, seria muito pequeno para tão perfeito traçado e preenchimento, assim como ocorre na vida. 
Não há tempo suficiente para aprendermos tudo, até mesmo porque não sabemos quanto tempo temos. 
Frequentemente nos damos conta do quanto falíveis e mortais somos (me acontece quando perco pessoas queridas), mas esse aprendizado é tão fugaz quanto o próprio senhor das horas... voa! 
E aí, voltamos para as nossas atividades e atribuições cotidianas, esquecendo-nos do principal: viver (você não leu sobreviver!). 
Atropelamos o tempo e somos atropelados pela vida (ou seria o contrário?). Entramos “verdes” na faculdade, na profissão, nas nossas relações pessoais. 
Tombamos, “grises”, levantamos e partimos para o próximo desenho, com mais esmero, com melhores traços, é bem verdade! E, então, nos perdemos novamente em afazeres, em escritórios, em demandas acadêmicas, em reclamações outras, negligenciando boas risadas, manhãs de sol, noites de pizza, tardes de brigadeiro com as amigas, a companhia mais afável da família e os arroubos das paixões.

Esquecemo-nos de ser como as crianças, leves, verdadeiras, coloridas... Por isso, queria dizer às crianças o quão generosa é a energia lá de cima – seja lá qual for o nome que queiram dar a ela - com as oportunidades concedidas, ainda que estejamos despreparados para aproveitá-las. 
Queria que elas percebessem que haverá possibilidades inúmeras de um bom acabamento dos seus muitos desenhos, mas que isso também passará, não será para sempre. 
Queria que entendessem o quanto é importante valorizar cada pintura, cada detalhe, cada textura, assim como os momentos dessa vida, porque quando o TIC TAC ecoa já não é possível voltar e fazer melhor. 
Queria, na verdade, dizer: não percam tempo, não se deixem descolorir, não deixem a vida passar, porque diferente do filme, não temos chances para ganhar tempo, não há acréscimos; há, sim, histórias bem vividas, narrativas bem contadas, pessoas bem amadas e TEMPO, sem dúvida, decorrido. 
Queria dizer às crianças, sobretudo àquelas que ainda existem em nós: Aproveitem os dias! Apreciem o presente! “Carpe diem-se”!

*        *        *

terça-feira, 14 de abril de 2015

ADRIANO DIAS - "E eu, de novo, tentando fazer em versos..."


Tela de Tahis Dz

E eu, de novo, tentando fazer em versos
os pedaços dispersos
que apreendo de quem é você, 
cuja beleza, 
poesia viva, 
quero tornar letra, subjetiva,
mas a arapuca da palavra, sem escolha, 
sabota meu projeto
tão logo toco a tinta na folha
e tudo que era você por completo,
e me dominava ainda agorinha, 
acaba emoção de esteta, 
e mais,
enquanto o texto por si, caminha,
nada perto do que era antes,
eu, apaixonado pelos termos,
melodia das vogais,
pelo ritmo das consoantes,
mergulho no inebriante precipício que só vemos
no exercício da criação da arte.

E esse novo fracasso,
o presente poema que faço
e as delícias de compô-lo,
muito mais que consolo,
proporciona o mesmo nível epifânico de deleite
que tenho ao ver seu rosto, corpo inteiro,
ouvir o canto, sentir seu cheiro.

Nem espero que entenda, tampouco que aceite,
mas saiba que ainda mais lhe devo 
na contabilidade dos prazeres que me desperta!
Agora, além de sua realidade concreta,
o gozo de contemplar seu relevo,
soma-se a transcendência a que me elevo,
quando aqui me faço poeta!

*    *    *
Adriano Dias - página 'Semema'

quinta-feira, 2 de abril de 2015

Sonhos que não envelhecem - Eberth Vêncio

Lista dos sonhos que nunca envelhecem
Eberth Vêncio - colunista 'Revista Bula'

Nem sei por onde começar.

Fazer um recall da Big Bang. 
Disputar o céu com os pássaros usando apenas as minhas asas de cobra.
Morrer pela boca num beijo bem velhinho dormindo num dia de domingo e despertar no paraíso com a cabeça repousada no colo da vovó com Deus uma mulher (que surpresa incrível!) a coar o café.
Enterrar pessoas só de brincadeirinha única e exclusivamente na areia. 
Construir castelos na praia sem ter medo da maré.

Voar na maionese: cantar “Blackbird” em dueto com Paul McCartney. Ser o quinto beatle. 
Caminhar pela zona do baixo meretrício com a autoestima em alta. 
Apaixonar-me pela prostituta tímida meiga bonita e tirá-la daquele lugar. 
Casar uma aposta com véu e grinalda.
Roubar flores no jardim da minha vizinha rabugenta onde hoje levantam duas torres monumentais com oito apartamentos por andar três vagas na garagem e nenhuma rosa para ser cobiçada. 
Ser reconhecido como um poeta.

Ficar famoso o suficiente para que todos prestem atenção quando eu disser em rede nacional “Eu preciso de um pouco mais de respeito”. Então pedir que me esqueçam. 
Me mandar do planeta num foguete para a lua. Flutuar com a consciência tranquila na gravidade zero. 
Engravidar um grande amor no banco de couro de um Maverick quatro cilindros ao som de “Born to be wild”. 
Rir de tudo que não tiver a menor graça. 
Plantar bananeira no meio da rua e semáforos no pomar.

Almoçar em casa todo santo dia. Ir a pé pro trabalho. 
Acordar no meio de um enorme problema e constatar que tudo não passava de um pesadelo. 
Ouvir na cama os segredos picantes que os seus grandes lábios têm pra me contar. 
Morar em casa própria tipo rancho à beira de um lago e ter um monte de filhos com uma pá mecânica. 
Lavar a minha égua no Poema Sujo. 
Cuspir com classe e estilo do alto da Torre Eiffel. 
Gritar na Wall Street que dinheiro não traz felicidade. 
Cavar um túnel até fugir da prisão chegar ao Japão ou fazer calos nas mãos o que acontecer primeiro. Matar a curiosidade: fazer sexo com uma japonesa.

Desvendar os segredos da maçonaria. 
Descobrir a cura para o câncer da corrupção. 
Decorar a última parte do Hino Nacional. 
Beber leite misturado com manga e não enlouquecer. 
Passar no vestibular da vida. 
Ter uma árvore. Plantar um livro. Escrever um filho. 
Investir num consórcio operar o períneo fazer uma lipo levantar os peitinhos e de quebra entender as mulheres. 
Juntar meu primeiro milhão de amigos. 
Ganhar na loteria dos pênaltis. 
Deitar e rolar com você para que os corpos não criem limo.

Acabar com a violência a miséria e as fronteiras entre os países para que o mundo seja finalmente um único quintal. 
Curar-me do sarcasmo e do cinismo. 
Sonhar sonhos mais factíveis. 
Amadurecer o suficiente mas sem cair de maduro. 
Crescer tornar-me um adulto resolvido e nunca mais querer ser alguém nessa vida além de eu mesmo.

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quarta-feira, 1 de abril de 2015

Especulações... - DRUMMOND


Especulações em torno da palavra homem
Carlos Drummond de Andrade

Mas que coisa é homem,
que há sob o nome:
uma geografia?
um ser metafísico?
uma fábula sem
signo que a desmonte?

Como pode o homem
sentir-se a si mesmo,
quando o mundo some?

Como vai o homem
junto de outro homem,
sem perder o nome?
E não perde o nome
e o sal que ele come
nada lhe acrescenta
nem lhe subtrai
da doação do pai?

Como se faz um homem?
Apenas deitar,
copular, à espera
de que do abdômen
brote a flor do homem?

Como se fazer
a si mesmo, antes
de fazer o homem?

Fabricar o pai
e o pai e outro pai
e um pai mais remoto
que o primeiro homem?

Quanto vale o homem?
Menos, mais que o peso?
Hoje mais que ontem?
Vale menos, velho?
Vale menos morto?
Menos um que outro,
se o valor do homem
é medida de homem?

Como morre o homem,
como começa a?
Sua morte é fome
que a si mesma come?
Morre a cada passo?
Quando dorme, morre?
Quando morre, morre?

A morte do homem
consemelha a goma
que ele masca, ponche
que ele sorve, sono
que ele brinca, incerto
de estar perto, longe?

Morre, sonha o homem?
Por que morre o homem?
Campeia outra forma
de existir sem vida?
Fareja outra vida
não já repetida,
em doido horizonte?
Indaga outro homem?
Por que morte e homem
andam de mãos dadas
e são tão engraçadas
as horas do homem?

mas que coisa é homem?

Tem medo de morte,
mata-se, sem medo?
Ou medo é que o mata
com punhal de prata,
laço de gravata,
pulo sobre a ponte?

Por que vive o homem?
Quem o força a isso,
prisioneiro insonte?
Como vive o homem,
se é certo que vive?
Que oculta na fronte?
E por que não conta
seu todo segredo
mesmo em tom esconso?

Por que mente o homem?
mente mente mente
desesperadamente?
Por que não se cala,
se a mentira fala,
em tudo que sente?

Por que chora o homem?
Que choro compensa
o mal de ser homem?
Mas que dor é homem?
Homem como pode
descobrir que dói?
Há alma no homem?
E quem pôs na alma
algo que a destrói?
Como sabe o homem
o que é sua alma
e o que é alma anônima?

Para que serve o homem?
para estrumar flores,
para tecer contos?
Para servir o homem?
Para criar Deus?
Sabe Deus do homem?
E sabe o demônio?
Como quer o homem
ser destino, fonte?
Que milagre é o homem?
Que sonho, que sombra?

Mas existe o homem?

*      *      *