quinta-feira, 31 de dezembro de 2015

Sanzaru - Mitologia japonesa

Os três macacos sábios
Mizaru, Kikazaru e Iwazaru
Silvia Kawanami - Mitologia Japonesa

 Os três macacos sábios 

Significado de Mizaru 見 ざる, Kikazaru 聞か ざる, Iwazaru 言わ ざる

Literalmente significa: miru=olhar, kiku=ouvir, iu=falar e zaru=negar, que pode ser traduzido como “Não olhe para o mal, não escute o mal, não pronuncie o mal”.

Embora tenha diversas interpretações, eu acredito que se refira ao fato que se não praticarmos o mal aos outros, manteremos o mal distantes de nós mesmos.

Neste provérbio antigo, vemos três macaquinhos associados a ele.
Cada um complementa o ditado popular com um gesto diferente: Um tampa os olhos, o do meio tampa os ouvidos e o outro tampa a boca.
Mas de onde surgiu essa frase? O que ela realmente quer dizer?
Bom, ao que parece, sua origem é chinesa, porém é quase certo que foi no Japão que ela ganhou o mundo e se tornou um ditado popular ou um provérbio japonês, que no Japão são chamados de Kotowaza.

A relação do ditado com os macaquinhos seria devido a um jogo de palavras.
É que “Zaru” se usa no final dos verbos no Japão e sua fonética soa parecido com “Saru”, que é macaco em japonês.
Existe uma estátua dos três macacos no Santuário Toshougu, na cidade de Nikko, na qual ilustram a porta do Estábulo Sagrado.

Sanzaru, os três macacos sábios
Sanzaru, os três macacos sábios

A origem dos três macacos sábios (Sanzaru / 三猿)

 A filosofia por trás do simbolismo dos macacos vem de uma lenda Tendai-budista, na qual os macacos são usados para representar o ciclo de vida do homem.
O provérbio “não veja o mal, não ouça o mal, não fale o mal” é chamada no Japão de “regra de ouro”, onde se se encontra outros ensinamentos que ajudam a promover harmonia entre as pessoas: Não faça aos outros o que não gostaria que fizessem a você.
Segundo a religião budista, os gestos dos três macacos representam a divindade de seis braços Vajrakilaya, cujo principal ensinamento é não ouvir, ver ou falar mal, pois dessa forma, nós mesmos seremos poupados do mal.
Em outras interpretações dizem que as estátuas dos Três Macacos Sábios simbolizam paz e harmonia, protegem o lar das energias ruins e ajuda a evitar que o mal se espalhe.

Eles também são chamados de “Os Três Macacos Místicos” (Sambiki Saru) e além do Budismo Tendai, o macaco tem forte ligação com o Xintoísmo HIE.
Há festivais importantes, como alguns que ocorrem  durante o ano do macaco (a cada 12 anos) e um festival especial é comemorado todos os anos, o Festival de Koshin.

Os três macacos sábios


Festival Koshin (Dia do Macaco)

O festival Koshin é conhecido como Dia do Macaco.
Fala sobre uma divindade chamada Koshin que tinha três macacos como mensageiros. Em algumas versões, os três macacos estão representados como três vermes que vivem dentro de nós mesmos, na qual registram tudo de bom e de mau que fazemos.

No 60° dia do calendário, enquanto as pessoas dormem, os três vermes saem e vão até o deus Koshin, que julgará e punirá a pessoa conforme o que foi relatado pelos três vermes.
Para evitar um possível castigo, portanto, é preciso ficar acordado para evitar que os vermes saiam de dentro das pessoas e relatem os maus feitos a Koshin.

Por causa dessa lenda de origem no taoismo chinês, antigamente famílias e amigos se reuniam para ficar em vigília durante a noite inteirinha, que durava desde o início da noite da véspera do Festival Koshin até o amanhecer no outro dia, onde passavam o tempo bebendo, comendo e conversando para se manterem acordados.

Esse provérbio “Mizaru, Kikazaru e Iwazaru”, “Não olhe para o mal, não escute o mal, não pronuncie o mal”, que em inglês é conhecido como “See no evil, Hear no evil, Speak no evil” serve como uma boa reflexão nesse início de ano, como uma forma de olharmos para dentro de nós mesmos, afastando tudo que nos faça mal e nos dando a chance de sermos cada dia melhores do ponto de vista espiritual.

Mizaru Kikazaru Iwazaru

sábado, 5 de dezembro de 2015

Cultura inútil

Cultura inútil
Leonardo von Mühlen - em seu blog 'vilmetáfora'



Recorrentemente, deparo-me com o termo “Cultura Inútil” nos mais diversos círculos que frequento. Proferem-no cabeças pensantes e não pensantes; mentes conservadoras e progressistas; indivíduos cultos e eruditos, personagens néscios e ignorantes. Enquanto eu os escuto discorrer sobre a inutilidade de tais e tais “culturas”, fico a me questionar:

Cultura tem mesmo de ser útil?
Qual seria a utilidade da cultura?
Teria a cultura um objetivo a ser alcançado, uma meta a ser atingida?

Nesse meu solitário devaneio, que ora me atrevo compartilhar, receio desconfiar que cultura e utilidade não guardam relação lá muito amigável entre si. Penso, até, em arriscar dizer que cultura, se for útil, sequer é cultura, mas minha pouca ousadia, de momento, não me autoriza tal decreto. Sigamos, então, na linha de que cultura, para ser cultura, dispensa o caráter de utilidade.

Ora, cultura não precisa ser uma ferramenta ou um instrumento, tampouco produzir resultados materiais, pois, para tanto, temos a figura do conhecimento, cujo objetivo é, aí sim, produzir algo, criar, modificar, promover evolução e aperfeiçoamento, gerar resultados corpóreos e visíveis – tais incumbências pertencem-lhe exclusivamente. Este sim, o conhecimento, pode ser qualificado como útil ou inútil; a cultura, jamais. Ela estará sempre léguas acima destas frivolidades.

A cultura, na acepção aqui proposta, sinto-a muito mais próxima da sabedoria do que do conhecimento. Numa ótica mais lírica, percebo a cultura como um valor interno, íntimo, algo como recitar um soneto para si mesmo, em suaves murmúrios; já o conhecimento, percebo-o como um livro de cabeceira do qual se lança mão em noites insones. É complexo de se entender – nem sei se, mesmo eu, entendo –, mas sinto essas duas grandezas abstratas assim, quase antagônicas, porém complementares.

A cultura me completa, alimenta-me a alma, transforma-me e, permitam-me um clichê, torna-me mais feliz. Então, novamente pergunto: qual a utilidade de tudo isso? O que pode haver de útil, de proveitoso, de lucrativo em ser feliz, em sentir-se completo e de alma transformada? Absolutamente nada! A cultura, sob as mais variadas formas – literatura, música, teatro... – não produz nada de concreto, é formidavelmente inútil. É algo belo – por vezes, nem tanto – com o que nos comprazemos, deleitamo-nos; é algo que diz precisamente quem somos, porque e como; aponta caminhos e também os constrói; oxigena existências. O conhecimento, por sua vez, apenas facilita.

Em tempo, lembrei-me de outra questão relevante: a cultura nunca será útil ou inútil, contudo, pode-se, eventualmente, qualificá-la de fútil, não por antonímia à utilidade, mas por ter valor cultural questionável, pueril, superficial. Observem que a erroneamente difundida “cultura útil” (quando se fala em “cultura inútil”, pressupomos a existência de uma “cultura útil”, o que produz essa falsa dicotomia) é tão inerentemente contraditória quanto o “conhecimento inútil”. A cultura é um ente de natureza maravilhosamente inútil, enquanto o conhecimento traz a utilidade, a proficuidade, na sua essência. O conhecimento confere poder; a cultura faz transcender.

Tomei coragem: cultura, se for útil, não é cultura; conhecimento, se for inútil, não é conhecimento. Decreto: toda cultura é inútil, todo conhecimento é útil, sob pena de, em não assim os sendo, não existirem como tais.

Fica o dito pelo não dito. Encontro-me, a partir de já, receptivo às pedras.

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