Não troque sua avó por um iPhone
Gabriel Camões - na página 'Ornitorrinco'
Não troque. Não troque. Não troque. Desculpe o tom repetitivo. E aqui me dirijo especialmente, mas não exclusivamente, aos que estão abaixo dos 30.
Por gentileza, eu peço encarecidamente que você não troque. Aconteça o que acontecer, não cometa esse erro. Não troque sua vó por um iPhone. Tampouco por um smartphone, tablet ou algo parecido. Não faça isso com você. Não faça isso com ela. Simplesmente não faça.
Sei que é muito tentador enfiar a mão no bolso ao sentir aquela tremedeira na perna ou no peito provocada por seu aparelho. Para muitos tornou-se um chamado irresistível escutar aquele assobio feio que nem de longe pode ser comparado ao canto de um sabiá. Mas, quando isso acontecer, e você estiver ao lado de sua avó, ignore. Esqueça. Resista. Atire longe o aparelho, se preciso for.
Vi esses dias uma imagem circulando na internet com uma família reunida na sala e que todos, com exceção de uma velha senhora, estavam mergulhados e absorvidos pelas telas dos seus respectivos celulares.
Os olhos daquela senhora, buscando encontrar o olhar cúmplice de um filho, uma nora, uma filha, um neto, um genro, se tornaram uma ilha de solidão, mesmo que apenas alguns centímetros a separassem de alguém da família dela.
Mesmo que seja só uma montagem. Uma encenação. Uma brincadeira. Há uma verdade dolorosa naquela cena.
Em princípio, ao ver aquela imagem, achei até engraçado. Ri. Pensei nessa questão do choque de gerações, da dificuldade dos mais velhos com a tecnologia, enfim. Mas pensando melhor, eu acho que os mais velhos não tem qualquer dificuldade com a tecnologia. Quem tem dificuldade com tecnologia são os que a usam e os que se tornam escravos e dependentes dela.
Tenho uma avó que não enxerga bem as coisas, mas enxerga muito bem a vida. E mesmo com esta limitação, ela é uma das leitoras mais ávidas e uma das maiores amantes da poesia que eu conheço. Não acredito que ela tenha dificuldades com a tecnologia. Ela simplesmente decidiu envolver-se com a tecnologia até certo ponto e isso para ela basta.
Portanto, volto a insistir, não troque sua avó por um iPhone. Nem o seu avô.
Num jantar em família, numa festa de aniversário, na noite de natal, numa quarta-feira qualquer, num almoço de domingo, escolha o olhar de sua avó e as novidades que ela tem para você.
Se você não tiver uma avó ou avô, dê um jeito. Torne-se neta do avô do seu namorado ou neto da avó de sua esposa. Serve também uma tia-avó ou ainda um tio-avô. Serve um vizinho velhinho que costuma sorrir ao te encontrar e que faz sempre questão de tratar você com educação. Conheça uma senhora ou um senhor e descubra o que ele ou ela tem a lhe ensinar. Se vire. Encontre alguém. Viva essa experiência.
Não existem aplicativos, recursos ou ferramentas que se comparem aos poemas que minha Vó Márcia já me apresentou.
Nenhum design de celular que chegue perto da sua elegância ou da beleza dos seus olhos. Tampouco que se aproximem do sabor do beijú, do chimango ou do bolo de carimã de minha Vó Zezé. Nada que ganhe mais a minha atenção do que o seu bom humor e suas tiradas.
Não troco iPhone nenhum pelas histórias e aventuras de meu Vô Dinho, suas invenções, seus cucurutes e tamboretes.
Também não troco pelas anedotas de meu Vô Camões, por seu amor por Caymmi, sua voz de cantador e o violão mais macio da Bahia. Nem me atrevo a trocar. Não sou bobo. Não a este ponto.
Dito isto, me atenho agora à realidade em que me encontro. É preciso primeiro reconhecer que eu sou um ser privilegiado por ter 31 anos e ainda ter minhas duas avós e meus dois avôs vivos e lúcidos. Isso, meus caros, como diria Sílvio Santos, “vale mais do que dinheiro”. Vale mais do que ganhar quatro vezes na loteria. Uma mega-sena em cada um. Camões. Marcinha. Zezé. Dinho. Nomes e amores.
Hoje, portanto, deixo a bateria do meu celular descarregar e esqueço onde deixei o carregador.
A energia que me interessa é movida apenas pelo amor e pela admiração que tenho por esses quatro. Aconteça o que acontecer, não os trocarei por iPhone, smartphone ou nada parecido.
Cada almoço e cada encontro, um bilhete premiado.
Portanto, aqui repito e insisto, transformando conselho em ordem: não troque sua avó por um iPhone.
* * *