quarta-feira, 27 de julho de 2016

Apelo interessante - Gabriel Camões

Não troque sua avó por um iPhone
Gabriel Camões - na página 'Ornitorrinco'



Não troque. Não troque. Não troque. Desculpe o tom repetitivo. E aqui me dirijo especialmente, mas não exclusivamente, aos que estão abaixo dos 30. 
Por gentileza, eu peço encarecidamente que você não troque. Aconteça o que acontecer, não cometa esse erro. Não troque sua vó por um iPhone. Tampouco por um smartphone, tablet ou algo parecido. Não faça isso com você. Não faça isso com ela. Simplesmente não faça. 

Sei que é muito tentador enfiar a mão no bolso ao sentir aquela tremedeira na perna ou no peito provocada por seu aparelho. Para muitos tornou-se um chamado irresistível escutar aquele assobio feio que nem de longe pode ser comparado ao canto de um sabiá. Mas, quando isso acontecer, e você estiver ao lado de sua avó, ignore. Esqueça. Resista. Atire longe o aparelho, se preciso for.

Vi esses dias uma imagem circulando na internet com uma família reunida na sala e que todos, com exceção de uma velha senhora, estavam mergulhados e absorvidos pelas telas dos seus respectivos celulares. 
Os olhos daquela senhora, buscando encontrar o olhar cúmplice de um filho, uma nora, uma filha, um neto, um genro, se tornaram uma ilha de solidão, mesmo que apenas alguns centímetros a separassem de alguém da família dela. 
Mesmo que seja só uma montagem. Uma encenação. Uma brincadeira. Há uma verdade dolorosa naquela cena.
Em princípio, ao ver aquela imagem, achei até engraçado. Ri. Pensei nessa questão do choque de gerações, da dificuldade dos mais velhos com a tecnologia, enfim. Mas pensando melhor, eu acho que os mais velhos não tem qualquer dificuldade com a tecnologia. Quem tem dificuldade com tecnologia são os que a usam e os que se tornam escravos e dependentes dela. 

Tenho uma avó que não enxerga bem as coisas, mas enxerga muito bem a vida. E mesmo com esta limitação, ela é uma das leitoras mais ávidas e uma das maiores amantes da poesia que eu conheço. Não acredito que ela tenha dificuldades com a tecnologia. Ela simplesmente decidiu envolver-se com a tecnologia até certo ponto e isso para ela basta.

Portanto, volto a insistir, não troque sua avó por um iPhone. Nem o seu avô. 
Num jantar em família, numa festa de aniversário, na noite de natal, numa quarta-feira qualquer, num almoço de domingo, escolha o olhar de sua avó e as novidades que ela tem para você. 
Se você não tiver uma avó ou avô, dê um jeito. Torne-se neta do avô do seu namorado ou neto da avó de sua esposa. Serve também uma tia-avó ou ainda um tio-avô. Serve um vizinho velhinho que costuma sorrir ao te encontrar e que faz sempre questão de tratar você com educação. Conheça uma senhora ou um senhor e descubra o que ele ou ela tem a lhe ensinar. Se vire. Encontre alguém. Viva essa experiência.

Não existem aplicativos, recursos ou ferramentas que se comparem aos poemas que minha Vó Márcia já me apresentou. 
Nenhum design de celular que chegue perto da sua elegância ou da beleza dos seus olhos. Tampouco que se aproximem do sabor do beijú, do chimango ou do bolo de carimã de minha Vó Zezé. Nada que ganhe mais a minha atenção do que o seu bom humor e suas tiradas. 
Não troco iPhone nenhum pelas histórias e aventuras de meu Vô Dinho, suas invenções, seus cucurutes e tamboretes. 
Também não troco pelas anedotas de meu Vô Camões, por seu amor por Caymmi, sua voz de cantador e o violão mais macio da Bahia. Nem me atrevo a trocar. Não sou bobo. Não a este ponto.

Dito isto, me atenho agora à realidade em que me encontro. É preciso primeiro reconhecer que eu sou um ser privilegiado por ter 31 anos e ainda ter minhas duas avós e meus dois avôs vivos e lúcidos. Isso, meus caros, como diria Sílvio Santos, “vale mais do que dinheiro”. Vale mais do que ganhar quatro vezes na loteria. Uma mega-sena em cada um. Camões. Marcinha. Zezé. Dinho. Nomes e amores.

Hoje, portanto, deixo a bateria do meu celular descarregar e esqueço onde deixei o carregador. 
A energia que me interessa é movida apenas pelo amor e pela admiração que tenho por esses quatro. Aconteça o que acontecer, não os trocarei por iPhone, smartphone ou nada parecido. 
Cada almoço e cada encontro, um bilhete premiado. 
Portanto, aqui repito e insisto, transformando conselho em ordem: não troque sua avó por um iPhone.


*            *            *

domingo, 24 de julho de 2016

Catarse - Luiz Medina


CATARSE
Luiz Medina

Adoro falar sozinho.
Não preciso dizer entre dentes.
Xingo o chato do vizinho,
o congresso, o presidente...
É uma catarse fenomenal,
quase um gozo que ninguém viu.
Mando tudo que me faz mal
para a puta que pariu.
E mesmo ao falar baixinho,
sento a língua, qual porrete.
Adoro falar sozinho.
É gostoso pra cacete!

*            *           * 

terça-feira, 19 de julho de 2016

Jardineiro sem jeito - Luiz Medina

JARDINEIRO SEM JEITO
Luiz Coelho Medina - poeta contemporâneo - Nova Iguaçu-RJ


Nunca tive
um amor perfeito,
sempre tentei...
Não teve jeito.

Rosa, dália, jasmim,
cravo, lírio e até daninha...
Tinha um defeito o jardim:
O amor perfeito, não vinha.

Enxerto, fertilizante,
adubo, água de leito...
Cuidado a todo instante
e nada de amor perfeito.

Por mais carinho, herbicida,
fiz tudo certo e direito:
Orquídea, antúrio, margarida...
Só não vinha o amor perfeito.

Nunca tive 
um amor perfeito,
sempre tentei...
Não teve jeito,
sempre murcharam.
Morreram os que plantei 
no chão, 
e os que no peito 
brotaram.
Não teve jeito.
Teve não...

*            *            *

segunda-feira, 18 de julho de 2016

Cecília Meireles - História de uma letra

História de uma letra
Cecília Meireles


Muita gente me pergunta se deixei de escrever o meu sobrenome com letra dobrada devido à reforma ortográfica; e quando estou com preguiça de explicar, digo que sim. 
Mas hoje tomo coragem, abalanço-me a confessar a verdade, que talvez não interesse senão aos meus possíveis herdeiros.
A verdade nunca é simples, como se imagina. E em primeiro lugar, devo dizer que o meu sobrenome simplificado só vale na literatura. Nos documentos oficiais prevalece a forma antiga, e eu por mim gosto tanto da tradição que não me importava nada carregar um ípsilon, um th, todas as atrapalhações possíveis que enrugam e encarquilham  um idioma.
Por outro lado, as reformas ortográficas são sempre tão arrevesadas que já perdi as esperanças de estar algum dia completamente em condições de escrever sem erros, descansando assim no tipógrafo e no revisor, que são os grandes responsáveis pelas nossas faltas e pelas nossas glórias. 
Não foi, portanto, por afeição às reformas  que sacrifiquei uma letra do meu nome. A história é mais inverossímil.

Todos na vida atravessamos certas crises. Dever-se-ia mesmo escrever sobre a gênese, desenvolvimento, apogeu e fim das crises. 
Se uma pessoa está sem emprego, o natural é que se empregue. Se está doente, o natural é que morra ou se cure. 
Mas o fenômeno da crise é importante precisamente por ser o contrário do natural. De modo que se a pessoa está desempregada, não há maneira de arranjar emprego, e se está doente não há maneira de se curar, etc...
As crises são muito variadas. Há crises sentimentais, econômicas, de inspiração, de talento, de prestígio - e o povo classifica essa situação, que ele, em sua sabedoria, já observou, com o fácil nome de azar.
O azar não é lógico. Isso é que o torna desesperador. 
A pessoa sai de casa, bem com a sua consciência, com as faculdades mentais em perfeita ordem, os músculos, os nervos, tudo bem governado, atravessa a rua como um cidadão correto, observando o sinal, e quando chega do outro lado, apanha na cabeça um tijolo que um operário, inocente, deixou cair do sétimo andar de uma construção.

Naturalmente, todo o mundo tem refletido sobre as razões secretas dessas coisas inexplicáveis. 
E foi assim que, com o correr do tempo, se chegou à caracterização de um certo número de fatos e objetos que servem de prenúncio ao azar: espelhos quebrados, relógios parados, sal entornado na mesa, sapato emborcado, tesoura aberta, gato preto, mariposas, sexta-feira dia treze, mês de agosto, gente canhota e estrábica, vestido marrom, para só falar dos principais.

Penetrando mais no estudo de todas essas supertições, pessoas entendidas têm procurado explicá-las pelas correlações existentes com as crenças do paganismo, estas por sua vez baseadas no empirismo e na ignorância dos nossos antepassados, e assim por diante, o que não impede que as pessoas ainda hoje se benzam, quando bocejam, para que o demônio não lhes entre pela boca; e não cruzem as mãos, quando se cumprimentam, para não atrapalharem algum matrimônio, e não se deitem com os pés para a rua, e não façam muitas outras coisas, só pelo medo das suas consequências ocultas.

Outras pessoas, igualmente entendidas, dão rumo diverso aos seus estudos, descobrem o entrelaçamento das causas e efeitos universais, chegam até a afirmar que tudo quanto nos acontece nesta encarnação é fruto remoto de encarnações anteriores, e respeitam o que diz um provérbio oriental - que o simples roçar da roupa de um passante, na nossa roupa, é indício de alguma proximidade de vidas, em tempos imemoriais.

E há os que seguem o caminho dos astros, e com uma circunferência, umas retas, uns planetas, uns cálculos, dizem e predizem os nossos destinos,com todas as suas inesperadas trajetórias.
E há os que lêem nas linhas das mãos, e contam as nossas viagens, os nossos padecimentos de fìgado, o que vamos fazer daqui a vinte anos, e o minuto em que empalidece a nossa estrela...

Está claro que creio em tudo isso. Eu justamente creio em tudo. Creio até no contrário disso. A minha faculdade de crer é ilimitada.
Não compreendo por que as pessoas crêem numas coisas e noutras não. Tudo é crível. Principalmente o incrível. Não estou fazendo paradoxo. A vida é que já é por si mesma paradoxal, desde que seja vista não apenas pela superfície.

Ora, uma vez, todas as coisas começaram a correr contra mim. 
Fazendo a mais profunda e leal introspecção, estou bem certa de que não merecia tanto. 
Se punha roupa branca, chovia; se precisava ver a hora, o relógio estava parado; muitas coisas pequenas, assim e outras maiores, já com intervenção humana, e que, por isso, não é necessário contar.
Então, considerando que tal concordância de acontecimentos desagradáveis devia ter uma razão secreta, pus-me a procurá-la.
Ao contrário do que geralmente se faz, comecei por atribuir a mim mesma a razão dos meus males. 
É certo que todos temos muitos defeitos. Mas nunca me dei ao luxo de ter tantos que justificassem a conspiração que se fazia contra mim.
Admitida a minha inocência, passei ao exame das circunstâncias que por acaso estivessem sob a minha responsabilidade. 
Nem espelho partido, nem vestido marrom nem gato preto nem número fatídico na porta.



E assim descendo de observação em observação, e consultando algum conhecido - e os nossos conhecidos sempre sabem essas coisas ocultas e se não nos ajudam com as suas luzes é pela timidez em não acreditarem o momento propício - passei a analisar o meu nome.
Esqueci de dizer que estava disposta a todos os despojamentos. Se a culpa fosse de algum mau sentimento, de alguma ação malvada, eu me castigaria energicamente. E até para me estimular recordava o exemplo daquela senhora americana que arrancou um olho e cortou a mão, convencida de que esses dois fragmentos do seu corpo estavam estragando a sua alma.



Foi nessa ocasião que me  explicaram o valor cabalístico das letras, e a razão por que muitas pessoas mudam de nome, trocando aquele que lhes foi dado por outro em que haja uma combinação de valores mais favorável aos seus destinos.
Todos os conhecimentos têm uma profunda sedução. Quem conseguisse saber tudo ficava igual a Deus. Por isso é que muitos são de opinião que se saiba o menos possível, para não ter a mesma sorte de Eva, que logo no princípio do mundo estragou o Paraíso com o pecado do saber.
Digo isto porque um tratado de biologia me atrai com a mesma força que um volume de ciências ocultas, e os números e as letras me parecem tão organizados, tão sensíveis, tão vivos, tão poderosos, enfim, como um animal, uma planta, um átomo.

Naturalmente, desmontei o meu nome, peça por peça, calculei, pesei, refleti, devo ter chegado a alguma conclusão de que já não me lembro, e não tenho a impressão de que os meus cálculos fossem assim desfavoráveis. Mas pelo sim, pelo não, como havia uma letra disponível, achei melhor sacrificar essa letra.
Há os que sacrificam os filhos, os carneiros, as aves, e há os que sacrificam o seu coração. Sacrifiquei o meu. Porque eu gostava de todas as minhas letras, fervorosamente. Ter de cortar uma, não foi assim tão fácil como as reformas ortográficas ordenam. 
Uma letra é um signo, é uma coisa misteriosa que as gerações vêm carregando consigo, modificando de longe em longe, por mão inexperiente, por súbito esquecimento, por ignorância de algum escriba emprestado.
Deu-me um trabalho muito grande, ficar sem essa letra. Quando olhava para o meu nome sem ela, sentia como se me faltasse um pedaço, como se estivesse realmente mutilada, sem a mão ou sem o olho. Consolava a letra perdida. Escrevia-a sozinha, do lado, sorria-lhe, contava-lhe coisas, para distraí-la. Tudo era muito infantil e muito triste. A pobrezinha ficava para trás, e dava-me saudade.
Recapitulando estas coisas, sinto-me entristecer, e preciso recobrar a minha força de vontade para não alterar outra vez o sobrenome.

Afinal, como último trabalho convincente, estabelecemos este acordo. A letra não ficaria perdida: seria usada nos documentos oficiais, nesses lugares respeitáveis em que a firma é a garantia da nossa pessoa recebendo e pagando os lugares que nos vemos que merecem a consagração e a estima unânimes dos nossos colegas humanos.
Quanto as coisas literárias, essas efêmeras coisas pelas quais vamos morrendo dia a dia, não são assim de tal modo graves que precisem da firma autêntica, daquela firma por que os juízes nos podem perguntar um dia, brandindo um papel pavoroso e fulminante: "Dize, bandido, foste tu que assinaste este documento?" Não,as coisas literárias não chegam a esse ponto. O mais que nos pode acontecer é tirarem o nome que escrevemos no fim e substituírem-no por outro, sem juiz, sem fulminação, sem defesa...
Isto posto, a letra abandonada e eu nos abraçamos ternamente, e nos separamos. 
Como era uma letra suave, terá querido dizer com o seu romantismo: " Quero apenas que sejas menos infeliz. Acompanhei-te  durante tanto tempo! Tiveste tanta dificuldade em aprender a escrever-me...Pensavas com inocência no mistério das letras dobradas ... Sentias orgulho, na escola, por essa letra dobrada no nome... Mas talvez eu esteja pesando demais na tua vida. Não fiques triste. Adeus"

Fiquei muito triste. Faltava-me a letra. Já não era como se me faltasse um pedaço de mim, - mas, um parente, um amigo extraordinário.
A minha vida, porém, mudou tanto que, por mais saudade que me venha dessa letra perdida, não me animo a fazê-la voltar.
E está feita a confissão.

Como se vê, uma história longa, que não se pode repetir a cada instante. Principalmente porque é uma história íntima, e ninguém deve cortar as letras do seu nome só por ter visto outras pessoas fazê-lo. E fica explicado para sempre que assino deste modo por motivos sobrenaturais, fantásticos, como quiserem, mas não pela reforma ortográfica, aliás muito cautelosa com os nomes próprios, respeitando-os tanto quanto me parece deverem ser respeitados, principalmente pelos mistérios que dentro deles vão navegando.




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sábado, 2 de julho de 2016

Depois da Guerra - Vinícius de Moraes

Depois da Guerra 
Vinicius de Moraes


Depois da Guerra vão nascer lírios nas pedras, grandes lírios cor de sangue, belas rosas desmaiadas. 
Depois da Guerra vai haver fertilidade, vai haver natalidade, vai haver felicidade. 
Depois da Guerra, ah meu Deus, depois da Guerra, como eu vou tirar a forra de um jejum longo de farra!

Depois da Guerra vai-se andar só de automóvel, atulhado de morenas todas vestidas de short.
Depois da Guerra, que porção de preconceitos vão se acabar de repente com respeito à castidade! Moças saudáveis serão vistas pelas praias, mamães de futuros gêmeos, futuros gênios da pátria. Depois da Guerra, ninguém bebe mais bebida que não tenha um bocadinho de matéria alcoolizante.
 A coca-cola será relegada ao olvido, cachaça e cerveja muita, que é bom pra alegrar a vida! 

Depois da Guerra não se fará mais a barba, gravata só pra museu, pés descalços, braços nus. 
Depois da Guerra, acabou burocracia, não haverá mais despachos, não se assina mais o ponto. Branco no preto, preto e branco no amarelo, no meio uma fita de ouro gravada com o nome dela. 
Depois da Guerra ninguém corta mais as unhas, que elas já nascem cortadas para o resto da existência. 

Depois da Guerra não se vai mais ao dentista, nunca mais motor no nervo, nunca mais dente postiço. Vai haver cálcio, vitarnina e extrato hepático correndo nos chafarizes, pelas ruas da Cidade. 

Depois da Guerra não haverá mais Cassinos, não haverá mais Lídices, não haverá mais Guernicas. Depois da Guerra vão voltar os bons tempinhos do carnaval carioca com muito confete, entrudo e briga. 
Depois da Guerra, pirulim, depois da Guerra, vai surgir um sociólogo de espantar Gilberto Freyre. Vai se estudar cada coisa mais gozada, por exemplo, a relação entre o Cosmos e a mulata. Grandes poetas farão grandes epopéias, que deixarão no chinelo Camões, Dante e Itararé. 

Depois da Guerra, meu amigo Graciliano pode tirar os chinelos e ir dormir a sua sesta. 
Os romancistas viverão só de estipêndios, trabalhando sossegados numa casa na montanha. 
Depois da Guerra vai-se tirar muito mofo de homens padronizados pra fazer penicilina. 

Depois da Guerra não haverá mais tristeza: todo o mundo se abraçando num geral desarmamento. Chega francês, bate nas costas do inglês, que convida o italiano para um chope Alemão. 

Depois da Guerra, pirulim, depois da Guerra, as mulheres andarão perfeitamente à vontade. Ninguém dirá a expressão "mulher perdida", que serão todas achadas sem mais banca, sem mais briga. 

Depois da Guerra vão se abrir todas as burras, quem estiver mal de cintura, logo um requerimento. Os operários irão ao Bife de Ouro, comerão somente o bife, que ouro não é comestível. Gentes vestindo macacões de fecho zíper dançarão seu jiterburgue em plena Copacabana. Bandas de música voltarão para os coretos, o povo se divertindo no remelexo do samba. E quanto samba, quanta doce melodia, para a alegria da massa comendo cachorro-quente! 

O poeta Schmidt voltará à poesia, de que anda desencantado e escreverá grandes livros. 
Quem quiser ver o poeta Carlos criando, ligará a televisão, lá está ele, que homem magro! 
Manuel Bandeira dará aula em praça pública, sua voz seca soando num bruto de um megafone. Murilo Mendes ganhará um autogiro, trará mensagens de Vênus, ensinando o povo a amar. 
Aníbal Machado estará são como um perro, numa tal atividade que Einstein rasga seu livro. 
Lá no planalto os negros nossos irmãos voltarão para os seus clubes de que foram escorraçados por lojistas da Direita (rua). 

Ah, quem me dera que essa Guerra logo acabe e os homens criem juízo e aprendam a viver a vida. No meio tempo, vamos dando tempo ao tempo, tomando nosso chopinho, trabalhando pra família. 
Se cada um ficar quieto no seu canto, fazendo as coisas certinho, sem aturar desaforo; se cada um tomar vergonha na cara, for pra guerra, for pra fila com vontade e paciência - não é possível! 

Esse negócio melhora, porque ou muito me engano, ou tudo isso não passa, de um grande, de um doloroso, de um atroz mal-entendido!


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