Ilustração da inglesa Cathrine Blan
Adriano Dias - página Semema
Ontem eu me distraí
e te deixei cair
do meu coração.
Foi uma loucura, desde então,
um fuzuê danado dentro de mim:
primeiro foste parar no meu rim,
encharcado, borrachudo.
Passei a beber de tudo,
para vencê-lo pelo inchaço,
mas tu me escorregaste para o baço,
aquartelada com as hemáceas que ali faço,
bem quentinha.
Soquei ali com toda força que tinha,
como um lutador a se autoflagelar
e joguei-te para a vesícula biliar.
Arranhando-te em inoportunas pedras,
fugiste logo para as pernas
e corri muito a exauri-las de repentino,
fustigando-te ao meu intestino,
ambiente demais de latrino
para alguém como tu és,
e logo escapaste para meus pés.
Mirei numa parede ao dispor,
fechei os olhos à dor
e enfiei-lhe um baita chutão,
catapultando-te ao meu pulmão
(o direito).
Acendi um cigarro atrás do outro
e, tossindo feito louco,
senti teu deslizar sorrateiro,
fazendo-se de santa,
ao espaço derradeiro de minha garganta.
Estavas perto de fugir permanentemente,
isso eu não suportaria, não,
e preparei, rapidamente,
um gargarejo de suco de limão
com alho (apenas um dente) e salitre.
Gorgolejei para repelir-te
pela acidez tamanha,
devolvendo-te atordoada às minhas entranhas.
Daí, escalaste-me feito montanha,
ao único órgão onde pudeste repousar,´
única morada, único lugar
onde todas minhas maravilhas estão,
onde vivo sempre,
mais visito e tão quente,
vasto, infinito e permanente,
quanto o coração.
Vives vasta comigo em minha mente, desde então.
* * *