Um livro deve ser… – Kafka
Adriel Dutra - na página 'Fãs da Psicanálise' - 1 de fevereiro de 2016
Ilustração: Teresa Wiles |
Nunca duvidemos da potência de um livro, um livro pode mudar rumos – me lembro como perdi o rumo no primeiro parágrafo de “O Anti-Édipo” de Deleuze & Guattari e nunca mais fui o mesmo, primeiro parágrafo!
Um livro pode nos fazer acontecer de modos radicalmente diferentes daqueles que querem que sejamos… um livro que provoque pensamentos, pois o pensamento é uma grande potência.
Nós quase não nos damos conta de que o pensamento é uma grande potência porque, afinal, “pensar é tão natural” – pensamos.
Talvez demos pouco valor ao pensamento porque estamos desacostumados a pensar, desacostumados a pensar e muito acostumados a pensar o já pensado – reproduzir.
Não que precisemos inventar a roda a todo instante, mas perceber as afetações e as relações que estabelecemos com o pensamento, o corpo e nossos modos de existir junto aos acontecimentos do mundo.
Fora disso estamos apenas reproduzindo o que já está pensado.
Precisamos provocar o pensamento ou a gente vai se entupir de lixo despejado diariamente pela mídia, pela religião, pelo estado, pela economia, pelos especialistas… por todo tipo de gente que quer fazer da vida um grande negócio, e isso envenena a vida, é tóxico.
Livro não é a única coisa que nos provoca, mas é uma das fundamentais. E não o livro pelo livro, não a quantidade, a lista de leitura do mês, a lista dos 5 maiores maiores escritores de literatura, a lista dos mais vendidos, a lista dos indicados … não! precisamos de um livro desses que Kafka chama de um machado para o mar congelado que há dentro de nós.
Um machado para nos arrancar do círculo pessoal a que estamos habituados, das conversações edipianas do almoço familiar de domingo, da nossa falsidade diária com que nos cumprimentamos no trabalho e nos elevadores – um machado… para descobrir a grande potência do pensamento!
A pergunta espinozana para o corpo, nas devidas proporções, também caberia aqui: o que pode um livro?
"É bom quando nossa consciência sofre grandes ferimentos, pois isso a torna mais sensível a cada estímulo.
Penso que devemos ler apenas livros que nos ferem, que nos afligem.
Se o livro que estamos lendo não nos desperta como um soco no crânio, por que perder tempo lendo-o? Para que ele nos torne felizes, como você diz?
Oh Deus, nós seríamos felizes do mesmo modo se esses livros não existissem.
Livros que nos fazem felizes poderíamos escrever nós mesmos num piscar de olhos.
Precisamos de livros que nos atinjam como a mais dolorosa desventura, que nos assolem profundamente – como a morte de alguém que amávamos mais do que a nós mesmos –, que nos façam sentir que fomos banidos para o ermo, para longe de qualquer presença humana – como um suicídio.
Um livro deve ser um machado para o mar congelado que há dentro de nós. " F. KAFKA
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