sexta-feira, 4 de novembro de 2011

VICTOR HUGO

O Interior da Alma
            Victor Marie Hugo
            (França, 1802-1885)


O olho do espírito em parte nenhuma pode encontrar mais deslumbramentos, nem mais trevas, do que no homem, nem fixar-se em coisa nenhuma, que seja mais temível, complicada, misteriosa e infinita. Há um espetáculo mais solene do que o mar, é o céu; e há outro mais solene do que o céu, é o interior da alma.

Fazer o poema da consciência humana, mas que não fosse senão a respeito de um só homem, e ainda nos homens o mais ínfimo, seria fundir todas as epopeias numa epopeia superior e definitiva.

A consciência é o caos das quimeras, das ambições e das tentativas, o cadinho dos sonhos, o antro das ideias vergonhosas: é o pandemónio dos sofismas, é o campo de batalha das paixões.

Penetrai, a certas horas, através da face lívida de um ser humano, e olhai por trás dela, olhai nessa alma, olhai nessa obscuridade. Há ali, sob a superfície límpida do silêncio exterior, combates de gigante como em Homero, brigas de dragões e hidras, e nuvens de fantasmas, como em Milton, espirais visionárias como em Dante.

Sombria coisa esse infinito que todo o homem em si abarca, e pelo qual ele regula desesperado as vontades do seu cérebro e as ações da sua vida!
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A Verdadeira Divisão Humana

Você é um daqueles a quem se chama feliz?
Pois bem, você está triste todos os dias. Cada dia tem uma grande amargura e um pequeno cuidado. Ontem tremia pela saúde de alguém que lhe é caro, hoje receia pela sua própria saúde; amanhã será uma inquiteação de dinheiro, depois a diatribe de um caluniador ou a infelicidade de um amigo, mais tarde o mau tempo que faz, qualquer coisa que se quebrou ou se perdeu, uma vez um prazer que a sua consciência e a coluna vertebral reprovam, outra vez a marcha dos negócios públicos. Isto sem contar as penas de coração. E assim sucessivamente.

Uma nuvem que se dissipa e outra que se forma logo. Apenas um dia em cem de plena felicidade e cheio de sol. E você é desse pequeno número que é feliz! Quanto aos outros homens, envolve-os a noite estagnante.

Os espíritos refletidos usam pouco desta locução: os felizes e os infelizes. Neste mundo, evidentemente vestíbulo de outro, não há felizes.

A verdadeira divisão humana é esta: os iluminados e os tenebrosos.

Diminuir o número dos tenebrosos e aumentar o dos iluminados, eis o fim. É por isso que nós gritamos: ensino, ciência! Aprender a ler, é alumiar com fogo; toda a sílaba soletrada cintila.

De resto, quem diz luz não diz, necessariamente, alegria. Também se sofre com a luz; em demasia queima. A chama é inimiga da asa. Queimar-se sem deixar de voar, é o prodígio do gênio.

Quando amar, sofrerá ainda. O dia nasce em lágrimas. Os iluminados choram quando mais não seja sobre os tenebrosos.
In 'Os Miseráveis'

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