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"Pode ser a Gota D'Água"
A tragédia está anunciada.
A tragédia é uma morte anunciada pelo vento.
A fome e a miséria, tragédias infelizes do cotidiano. As trocas desiguais e a ausência de renda, uma anunciação do fim.
É assim que a vida de Joana e de seus dois filhos têm fim na peça do paraibano Paulo Ponte em parceria com Chico Buarque, escrita e encenada em 1975, pela grande Bibi Ferreira.
Entre a dureza da vida, que como um rolo compressor vai desfazendo os sonhos da sociedade e as tentativas de viver um mundo melhor, Joana nos avisa: “qualquer desatenção, faça não. Pode ser a gota d’ água”, e assim ela traça, com arame, sangue e veneno, um destino cruel, mas que só não é mais dilacerante do que a triste sina de viver as microtragédias diárias dessa terra de ninguém chamada Brasil.
Os atos de desencantamento pelo mundo e o entristecimento de perceber que nem o amor, por mais puro que seja, sobrevive quando a desgraça bate à sua porta, fazem Joana repensar a sua estadia no mundo.
É assim que, com delicadeza de quem parece ser uma mulher, Chico Buarque nos expõe a fragilidade da troca e da traição perpetradas por Jasão, esposo de Joana na dolorosa “Gota d’água”.
Não há do que se refazer quando se nasce com o compromisso de morrer. A frase pode ser dura, mas é nesse cenário, real e fatídico que muitas senhoras, mães de família, “sobre vivem” em nosso país. Joana é um exemplo teatral de uma realidade que convence pelo nível de sinceridade e aproximação. Que mulher é essa que tem que se perder para se encontrar? Que tem que se descobrir para se desencobrir?
Quando pensamos em Joana, também pensamos em “Angélica”, mãe do Stuart, que “mora na escuridão do mar”.
Preso e torturado pela ditadura, teve seu corpo lançado ao mar, como em desova. Pensamos no pedaço de cada uma de nós, quando ela nos fala “que a saudade é o revés de um parto. A saudade é arrumar o quarto do filho que já morreu”.
Ser mulher nessa sociedade é saber “perder” o tempo inteiro.
Perde-se um filho, perde-se a dignidade na violência, perde-se o respeito na passada de mão dentro do ônibus. É sempre perder. Perder a jovialidade. Perder o próprio nome, quando nos tornamos “mãe de alguém”. Perder sangue todo mês. As vezes, perder de gozar. Perde-se o encanto pela vida quando a vida não mais encanta.
Mais do que ninguém, Chico, enquanto poeta e, por isso, mulher, nos fala tão alto sobre nossa natureza e nossos caminhos de pedra.
Ele sabe e entende o trajeto da perda: ser mulher o tempo inteiro, na multidão, nos compromissos, nas torturas do dia a dia, na ausência e na saudade é delirar de dor intermitentemente.
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