terça-feira, 17 de setembro de 2013

ADÉLIA PRADO - Dona Doida

Dona Doida
Adélia Prado

Uma vez, quando eu era menina, choveu grosso
com trovoadas e clarões, exatamente como chove agora.
Quando se pôde abrir as janelas,
as poças tremiam com os últimos pingos.

Minha mãe, como quem sabe que vai escrever um poema,
decidiu inspirada: chuchu novinho, angu, molho de ovos.

Fui buscar os chuchus e estou voltando agora,
trinta anos depois.  Não encontrei minha mãe.
A mulher que me abriu a porta, riu de dona tão velha, 
com sombrinha infantil e coxas à mostra. 

Meus filhos me repudiaram envergonhados,
meu marido ficou triste até a morte,
eu fiquei doida no encalço.

Só melhoro quando chove.

*            *            *

In: "Poesia Reunida",  p. 108.

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