Além de gostar também da escrita do cronista.
Coluna da Revista "O Globo" (26/1/2014)
Santos
Artur Xexéo
O Rio é uma cidade de santos. Não, não falo de nossos administradores, de nossos políticos, que esses têm muito pouco de santidade.
Falo de santos mesmos. Daqueles que nos protegem. Daqueles a quem fazemos promessas. Daqueles que respeitamos.
Esta semana mesmo homenageamos São Sebastião. Com feriado e procissão. Ele merece. Afinal, é o santo cujo nome se mistura ao de nossa cidade - a mui leal e heroica São Sebastião do Rio de Janeiro -, é o nosso padroeiro. Digamos que é o nosso santo oficial.
Mas, verdade seja dita, ele tem seus rivais. Como São Jorge, que é tão popular que ganhou um feriado só para ele também. Não é padroeiro da cidade - na verdade, ele é o patrono do Reino Unido e, por aqui, da Polícia Militar e do Corpo de Bombeiros - , não é nosso santo oficial, mas é, por lei, lembrado por todos os habitantes do Rio a cada 23 de abril. Tal feriado foi obra de um vereador e, depois, deputado do PT que usava o santo como cabo eleitoral.
A lei instituindo a folga obrigatória no seu dia foi uma espécie de retribuição santificada.
Não sei se o santo gostou.
O deputado acabou condenado por crime de formação de quadrilha e foi expulso do partido.
São Jorge é muito seletivo na escolha de suas companhias.
Tem também o São José, que, coitado, mesmo sendo popularíssimo ainda não ganhou um feriado só para ele.
Mesmo assim, a cidade para no dia 19 de março e muita gente não vai trabalhar sem antes dar uma passadinha na igreja que leva seu nome.
Lá em casa, nenhum desses três santos tem muito ibope.
O santo protetor na minha família sempre foi Santo Antônio.
Não sei por quê. Quer dizer, sei muito bem que nos tornamos devotos do santo por influência da minha avó.
Já como começou a devoção de minha avó, isso eu nunca soube. Não tem nada a ver com as capacidades casamenteiras do santo. Lá em casa, ele era muito mais solicitado por outra qualidade, a de ajudar a encontrar coisas perdidas.
Quando vim para o Rio, para fazer vestibular, morei um tempo com essa avó.
Não me lembro de ter saído de casa uma vez sequer sem que ela gritasse quando eu chegava à porta: “Vai com Deus, nossa Senhora e Santo Antônio.”
Sempre que eu viajava, ela dava um jeito de enfiar na minha bagagem uma imagem em miniatura do santo. Eu nem percebia. Ficava surpreso, quando desfazia a mala, ao encontrar, a imagem, que, com o tempo, foi se tornando familiar.
Na primeira vez em que fui à Europa, minha avó me deu uma nota de dez cruzeiros e me fez um pedido.
- Passa na igreja de Santo Antônio e deixa essa esmola.
Não tinha intenção de perder tempo com esse desvio na minha passagem pela Itália. Mas prometi a ela que cumpriria a tarefa.
Durante minhas férias, foi batendo um sentimento estranho.
Passei por Roma, por Siena, por Florença... e, a cada cidade que eu visitava, aumentava a minha culpa por não estar cumprindo o desejo da minha avó. Em Ferrara, entreguei os pontos.
Acordei cedo, fui de trem até a cidade de Pádua, procurei pela igreja do santo que protegia a cidade, deixei os dez cruzeiros.
Voltei em paz e pude aproveitar o resto das férias.
Mesmo depois de minha avó morrer, continuei incluindo uma imagem de Santo Antônio nas bagagens de minhas viagens.
Não sei quando parei de fazer isso, mas, recentemente, percebi que não viajo mais com ela. Na verdade, nem tenho mais imagens de Santo Antônio em casa.
Mas tem algo que não mudou. Sempre que saio, logo depois de fechar a porta de casa, ainda ouço em algum lugar do meu coração uma voz que grita: “Vai com Deus, nossa Senhora e Santo Antônio.”
Minha vó deixou o santo me acompanhando.
* * *
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