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Arte de Voider Sun |
Enquanto chorou gotas iluminadas,
mínimas entre as lágrimas,
despertou apenas certa curiosidade,
nenhum cientista levou a sério,
relegando a pesquisa do mistério
para outro dia, quem sabe.
Mas a moça insistisse serem estrelas
vindas do céu que sonhava o tempo todo
causou um crescente alvoroço,
pois, embora fossem pequenas,
conforme o volume da emoção que tivesse
seu rosto encharcava em pontos brilhantes
de um modo como não fora visto nunca antes,
exceto quem olhasse o manto celeste.
E como acontece à nossa raça,
quando perante tal tipo de fenômeno,
sedentos por milagres que somos,
aguardando ansiosos por quem os faça,
cresceu no entorno da moça, como fumaça,
um absorvente incômodo,
inebriante, conjurando em todos
o impulso que nos produz a fé,
como também o delírio e o desespero até.
Houve quem arvorasse orientar os ritos
lembrasse profecias,
batucassem ritmos esquisitos,
convencesse ter visões dos próximos dias,
outros diziam ter visto,
com aqueles olhos maníacos,
na face estelar da moça,
a organização dos signos do zodíaco,
ou quem decidisse rasgar-lhe os globos,
alegando ouvir vozes mais acres, sons tenebrosos,
exigindo sangue, sacrifício, as carnes suas...
Foi quando ela chorou as luas,
para encanto da plateia circundante!
Não só uma, como duas,
a cheia e a minguante.
E a luz serena que emanou no mesmo instante,
contínua, cálida, envolvente,
tornou todo desespero caos culto de antes
em uma plenitude jamais experimentada.
E porque nessas horas não cabe mais nada,
ninguém reparou o sumiço da moça,
desfez-se em noite e lágrimas escuras,
restando ao chão apenas uma enorme poça,
espelhando um impossível céu de duas luas.
* * *
Adriano Dias - na página 'Semema'