2016: 60 anos de Grande Sertão: Veredas,
de João Guimarães Rosa
1956-2016: 60 anos da obra Grande Sertão:Veredas, lançado em maio de 1956, é o único romance escrito por João Guimarães Rosa, publicado no mesmo ano da obra "Corpo de Baile".
E nele há de tudo como afirma o professor e crítico literário Antônio Cândido: "Grande sertão: veredas é desses livros inesgotáveis, que podem ser lidos como se fossem uma porção de coisas: romance de aventuras, análise da paixão amorosa, retrato original do sertão brasileiro, invenção de um espaço quase mítico, chamada à realidade, fuga da realidade, reflexão sobre o destino do homem, expressão de angústia metafísica, movimento imponderável de carretilha entre real e fantástico e assim por diante."
Grande Sertão: Veredas obra-prima, traduzida para muitas línguas, é uma narrativa em que a experiência de vida e de texto fundem-se numa obra fascinante, permanentemente desafiadora.
O romance constrói-se como uma longa narrativa oral.
Riobaldo, um velho fazendeiro, ex-jagunço, conta sua experiência de vida a um interlocutor, que jamais tem a palavra e cuja fala é apenas sugerida.
Conta histórias de vingança, seus amores, perseguições, lutas pelos sertão de Minas, Goiás, e sul da Bahia, tudo isso entremeado de reflexões.
“Conhecê-lo assim como ler e reler suas obras, foi um dos grandes privilégios de minha vida. Quem tem hábito de leitura e ainda não leu Guimarães Rosa não sabe o que está perdendo.”
- José Mindlin – Bibliófilo, in: Revista da Cultura nº 12 - julho 2008.
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ALGUNS AFORISMOS EM "GRANDE SERTÃO: VEREDAS"
"O senhor vê: o remôo do vento nas palmas dos buritis todos, quando é ameaço de tempestade. Alguém esquece isso? O vento é verde. Aí, no intervalo, o senhor pega o silêncio põe no colo."
"De qualquer pano de mato, de de-entre quase cada encostar de duas folhas, saíam em giro as todas as cores de borboletas. Como não se viu, aqui se vê. Porque, nos gerais, a mesma raça de borboletas, que em outras partes é trivial regular – cá cresce, vira muito maior, e com mais brilho, se sabe; acho que é do seco do ar, do limpo, desta luz enorme. Beiras nascentes do Urucuia, ali o povi canta altinho."
"Calados. Me alembro, ah. Os sapos. Sapo tirava saco de sua voz, vozes de osga, idosas. Eu olhava para a beira do rego. A ramagem toda do agrião – o senhor conhece – às horas dá de si uma luz, nessas escuridões: folha a folha, um fosforém – agrião acende de si, feito eletricidade. E eu tinha medo. Medo em alma."
"E nisto, que conto ao senhor, se vê o sertão do mundo. Que Deus existe, sim, devagarinho, depressa. Ele existe – mas quase só por intermédio da ação das pessoas: de bons e maus. Coisas imensas no mundo. O grande-sertão é a forte arma. Deus é um gatilho?"
“Noite é p’ra surpresas de estratagemas, noite é de bicho no usável...”
“Vender sua própria alma... Invencionice falsa! E, alma, o que é? Alma tem de ser coisa inteira supremada, muito mais do de dentro, e é só, do que um se pensa: ah, alma absoluta! Decisão de vender alma é afoitez vadia, fantasiado de momento, não tem a obediência legal."
“Só outro silêncio. O senhor sabe o que o silêncio é? É a gente mesmo, demais.”
João Guimarães Rosa entre os Vaqueiros em Expedição pelo Sertão das Gerais - foto Eugênio Silva - Revista 'O Cruzeiro' 1952. |
RELEMBRANDO ALGUMAS CRÍTICAS A OBRA
"A experiência documentária de Guimarães Rosa, a observação da vida sertaneja, a paixão pela coisa e o nome da coisa, a capacidade de entrar na psicologia do rústico - tudo se transformou em significado universal graças à invenção, que subtrai o livro da matriz regional, para fazê-lo exprimir os grandes lugares-comuns, sem os quais a arte não sobrevive: dor, júbilo, ódio, amor, morte, para cuja órbita nos arrasta a cada instante, mostrando que o pitoresco é acessório, e na verdade, o Sertão é o Mundo.”
- Antônio Cândido
"A raridade com que se entremostra nas seiscentas páginas de Grande Sertão: Veredas valoriza a presença do mar como símbolo cujo sentido não se revela claramente, mas que roça com um largo sopro de poesia trechos de grande intensidade emocional.Romance de rios, romance de afluentes espraiados no sertão, sem saída para o oceano, o mar nele aparece como o grande desconhecido, mistério que se associa à morte, à eternidade, ao fim de tudo, quando a vida deságua no infinito."
- Manoel Cavalcante Proença
"Tenho medo de tentar comparações. Não direi, por isso, que a obra de Guimarães Rosa é a maior da literatura brasileira de todos os tempos. Direi porém que nenhuma outra, de nenhum escritor, me deu até hoje, entre brasileiros, a mesma ideia de tratar-se de criação absolutamente genial."
- Sérgio Buarque de Hollanda
"Guimarães Rosa é épico, em tom maior, caudaloso rio como o São Francisco, amplo painel que trata de temas míticos, místicos e metafísicos que atravessam a literatura desde sempre."
- Affonso Romano de Sant’Anna em entrevista ao IHU On-Line/Unisinos.
"A aliteração é um dos recursos poéticos mais importantes empregados por Guimarães Rosa [...] Ela se estende desde a simples reduplicação de um fonema ou uma sílaba até a repetição de vocábulos ou expressões inteiros (qual e qual) e serve geralmente ao propósito de reforçar o conteúdo expressional através da criação de uma atmosfera sugestiva."
- Eduardo Faria Coutinho, 1968.
Guimarães Rosa, por Felipe Stetani
(desenho de 2016)
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