quarta-feira, 8 de agosto de 2012

GUIMARÃES ROSA - Primeiras estórias


"Primeiras estórias" 
12ª ed. Rio de Janeiro, J.Olympio, 1981
Guimarães Rosa

Livro publicado em 1962, traz vinte e uma narrativas preocupadas em tematizar, simbolicamente, os segredos da existência humana. Pertence ao terceiro movimento do Modernismo Brasileiro.
Neste post, selecionei trechos dos cinco primeiros contos.


(...) "Mal podia com o que agora lhe mostravam, na circuntristeza: o um horizonte, homens no trabalho de terraplenagem, os caminhões de cascalho, as vagas árvores, um ribeirão de águas cinzentas, o velame-do-campo apenas uma planta desbotada, o encantamento morto e sem pássaros, o ar cheio de poeira.  
Sua fadiga, de impedida emoção, formava um medo secreto: descobria o possível de outras adversidades, no mundo maquinal, no hostil espaço; e que entre o contentamento e a desilusão, na balança infidelíssima, quase nada medeia."  
"As margens da alegria", p.6

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(...) "Só aí se chegou, beirando-me a janela, aceitava um copo d'água. Disse-me : - "Não há como que as grandezas machas duma pessoa instruída!" 
Seja que de novo, por um mero se torvava? Disse: - "Sei lá, às vezes o melhor mesmo pra esse moço do Governo, era ir-se embora, sei não..."  Mas mais sorriu, apagara-se-lhe a inquietação. Disse : - "A gente tem cada cisma de dúvida boba, dessas desconfianças... Só pra azedar a mandioca..."  
Agradeceu, quis me apertar a mão. Outra vez, aceitaria de entrar em minha casa. Oh, pois.
Esporou, foi-se, o alazão, não pensava no que o trouxera, tese para alto rir, e mais, o famoso assunto."
"Famigerado", p. 12

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(...) " Ele se sacudiu, de um jeito arrebentado, desacontecido, e virou, pra ir-s'embora.  Estava voltando para casa, com se estivesse indo para longe, fora de conta.
Mas, parou.  Em tanto que se esquisitou, parecia que ia perder o de si, parar de ser.  Assim num excesso de espírito, fora de sentido.  
E foi o que não  se podia prevenir: quem ia fazer siso naquilo?  Num rompido - ele começou a cantar, alteado, forte, mas sozinho para si - e era a cantiga mesma, de desatino, que as duas tanto tinham cantado. Cantava continuando."
"Sorôco, sua mãe, sua filha" , p.16

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(...) "Conversávamos, agora. Ela apreciava o casacão da noite, - "Cheiinhas!" - olhava as estrelas, deléveis, sobre-humanas.  Chamava-as de "estrelinhas pia-pia".  Repetia: - "Tudo nascendo!" - essa sua exclamação dileta, em muitas ocasiões, com o deferir de um sorriso. 
E o ar.  Dizia que o ar estava com cheiro de lembrança. - "A gente não vê quando o vento acaba..."   Estava no quintal, vestidinha de amarelo. O que falava, às vezes era comum, a gente é que ouvia exagerado: - "Alturas de urubuir..."  Não dissera só: - " ...altura de urubu não ir..."   
O dedinho chegava quase no céu.  Lembrou-se de: - "Jabuticaba de vem-me-ver..."  Suspirava, depois: - "Eu quero ir para lá."  - Aonde?  - "Não sei." 
Aí, observou: - "O passarinho desapareceu de cantar..."   De fato, o passarinho tinha estado cantando, e, no escorregar do tempo, eu pensava que não estivesse ouvindo;  agora, ele se interrompera. "
"A menina de lá", p. 18

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(...) "Demos, os Dagobés, gente que não prestava. Viviam em estreita desunião, sem mulher em lar, sem mais parentes, sob a chefia despótica do recém-finado.  Este fora o grande pior, o cabeça , ferrabrás e mestre, que botara na obrigação da ruim fama os mais moços - 'os meninos', segundo seu rude dizer."
"Os irmãos dagobé", p. 22

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