Mais tarde, tornamo-nos colegas de profissão; hoje, seguimos nos respeitando como amigos.
Muito agradecida, PROFESSOR JOSÉ MONTEIRO FILHO.
“ NÃO DEVIA... MAS... ”
(por Monteiro Filho, José)
Meu caro leitor, com estas palavras dou Boas Vindas aos abnegados professores e professoras, alunos e todos os heróis nacionais que labutam no esforço de produzir Educação.
Eu bem sei é que a gente se acostuma a tudo sim. Ainda que não devesse.
A gente se acostuma às carências da escola pública e a ter coragem de continuar malhando em ponta de faca, tentando esconder o sol com a peneira. E, porque não tem jeito, a gente logo se acostuma às promessas demagógicas de nossas autoridades que nunca se concretizam. São tantas que já nos acostumamos com elas, esquecemo-nos dos alunos e eles nem percebem que estamos dentro de uma sala que parece mais improvisada, sucateada, para lhes passar receitas para o bolo do conhecimento, ainda que venham a deixá-lo solar ou queimar.
A gente se acostuma a dormir tarde e acordar cedo, preparando aulas inúteis e enfadonhas; a gente se acostuma a dormir um sono de pedra retangular, negra ou verde, porque a gente se habituou a carregar nas costas a sala, o colégio, as notas, a indisciplina, o atrevimento; afinal, nem tudo passa goela abaixo, não é mesmo?
Aí a gente se acostuma a levar nos ombros todos os dramas da escola.
A gente se acostuma com os apelidos, mesmo que camuflados, de loucos, neuróticos, malucos, ultrapassados, mal resolvidos, odiados porque somos a extensão da chatice dos pais ou dos responsáveis.
A gente se acostuma a ver a vida em gritos, ralhas e chamadas de atenção. A gente nem vê o dia passar ali fora da janela alta, disforme, emperrada sempre.
A gente se acostuma a discutir, vez ou outra, teorias de mestres antigos e novidadeiros e a se angustiar com elas.
A gente se acostuma com a sensação do ridículo que passam às nossas ações, aos nossos esforços estéreis.
A gente se acostuma a (des)preparar os jovens para o futuro de dignidade incerta e a lastimar pelo minguado salário do interminável mês.
E a gente se acostuma a teimar com as ridículas e inócuas greves... A tudo é possível se acostumar. E é o que mais sabemos fazer. Acostumamos a ser brasileiros...
A gente se acostuma a trabalhar com esta juventude que, desde os tempos de Sócrates ( 470-399 a.C. ) adora o luxo, é mal educada, caçoa da autoridade e não tem o menor respeito pelos mais velhos.
A gente se acostuma a ver nossos filhos tiranos, não cederem lugar para os idosos e nos responderem e não nos ouvirem, porque estão com os ouvidos ocupados ouvindo melodias musicais, com letras e conteúdos de qualidade altamente duvidosos.
Já estamos acostumando a ceder nossa liderança em favor dos bate papos, e dos joguinhos dos celulares, dos facebooks, skypes, whats app, e outros aplicativos virtuais sobre os quais não exercemos quaisquer sinais de domínio. Por vezes, excepcionalmente, exercemos domínios muito limitados, pois, nosso tempo escasso, calculado, não garante espaço para o acompanhamento diuturno da evolução perene dos meios da comunicação virtual e globalizada.
A gente se acostuma a duvidar do futuro com estes exemplares de jovens em nossas vidas.
A gente se acostuma a ver nos jornais e revistas e na providencial internet livros sobre educação, longe das possibilidades de nossos bolsos e de nossas leituras.
A gente se acostuma a ser classe sem identidade, união e representação sérias, justamente porque a sociedade não nos leva a sério.
A gente, pois, se acostuma à desvalorização, a ser joguete e bandeirola em festas políticas.
A gente se acostuma a coisas de mais e de menos. A ter “peninha” dos filhos dos outros, ainda que depenados em nossa dignidade profissional.
A gente se acostuma a não ter fins de semana, pizzaria, shopping ou calçadões...
A gente se acostuma a um cartãozinho só e a sofrer com o pagamento mínimo. A gente só se sente feliz na hora de dormir, pois, o sono, sem sonhos, mas, às vezes, com pesadelos, chega e derruba pesado.
A gente se acostuma a falar pouco em casa, com a família, com os filhos... a gente se acostuma com a dor de garganta e com o cansaço das cordas vocais. Em casa elas devem ser poupadas para o dia de amanhã.
A gente se acostuma a não ter vida própria; para quê, se nossa vida é para os outros?
Mas, apesar de tudo, a gente queria se acostumar com o fato de sermos os responsáveis pela formação de tantas e tantas gerações que nem dão conta disso. E nos acostumamos a defender nossa vida, apoiando-nos nesta verdade jamais abolida.
Acostumemo-nos, pois, a sobreviver na contramão dos fatos.
Afinal, como professores, acostumamo-nos a professar verdades, ética, dignidade, respeito... e nos acostumamos a acreditar que um dia acontecerá o milagre da nossa epifania. Amém !
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