Ainda consigo me surpreender desagradavelmente com o que estamos presenciando em termos de leitura, cultura e 'informação'.
Há algum tempo venho me sentindo sempre mais isolada, apartada mesmo, desse mundo que se transforma com tamanha rapidez - não sei se para melhor, em que pese o desenvolvimento tecnológico.
Esta notícia realmente representa o fim de uma tentativa para não sucumbir aos ataques gratuitos da ignorância coletiva avassaladora.
Poucos são os que se empenham em melhorar esses tempos de mediocridade e imediatismo.
José Castello é um deles. Seu texto, sempre atual, moderno no que tem de melhor essa palavra, nos direciona para longe do lugar comum, da estupidez e grosseria agora vigentes.
Resta-nos desejar-lhe mais sucesso ainda e pedir-lhe que nos informe onde poderemos encontrá-lo.
Sueli
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Hora da despedida
por José Castello - Jornal O Globo - Segundo Caderno - 12/09/2015 12:00
Não é um momento fácil - nunca é.
Mas ele se agrava porque, com o fechamento do "Prosa", incorporado ao "Segundo Caderno", desaparece um último posto de resistência na imprensa do sudeste brasileiro.
Os suplementos de literatura e pensamento já não existem mais. Um a um, foram condenados e derrotados pela cegueira e pela insensatez dos novos tempos.
Comandado pela vigorosa Manya Millen, o "Prosa" resistia como um último lugar de luta contra a repetição e a dificuldade de pensar com independência. Isso, agora, também acabou.
Nosso mundo se define pelo achatamento e pela degola.
No lugar do diálogo, predominam o ódio e o desejo de destruição.
No lugar da tolerância, a intolerância e a rispidez, quando não a agressão gratuita.
É o mundo do Um - em que todos dizem as mesmas coisas, usando quase sempre as mesmas palavras. Um mundo em que a verdade, que todos ostentam, de fato agoniza.
Nesse universo, a literatura se impõe como um reduto de resistência.
A literatura é o lugar do diálogo, do múltiplo, da diferença.
Não é porque gosto de Clarice que devo odiar Rosa. Não é porque amo Pessoa que devo desprezar Drummond. Ao contrário: na literatura (na arte) há lugar para todos.
Uma pena que o "Prosa" se acabe justamente em um momento em que nos sentimos espremidos por vozes que repetem, sempre, os mesmos ataques e as mesmas agressões.
Nesse mundo de consensos nefastos e de clichês que encobertam a arrogância, nesse mundo de doloroso silêncio que se apresenta como gritaria, a literatura se torna um lugar cada vez mais precioso. Nela ainda é possível divergir. Nela ainda é possível trocar ideias com lealdade e dialogar com franqueza.
Sabendo que o diálogo, em vez de sinal de fraqueza, é prova de força. Lá se vai o "Prosa" com tudo o que ele significou de luta e de aposta na criação.
A meus leitores, que me acompanharam lealmente durante mais de oito anos, só posso dizer obrigado.
E dizer, ainda, que conservem a coragem porque a pluralidade e a liberdade vencerão o escândalo e a cegueira.
Apesar de tudo o que se diz e de tudo o que se destrói, ainda acredito muito no Brasil. É com essa aposta não apenas no futuro, mas sobretudo no presente, que quero me despedir de minha coluna e encerrar esse blog.
Aos leitores, fica a certeza de que certamente nos encontraremos em outros lugares.
Nem a loucura do nazismo, com suas fogueiras de livros, conseguiu destruir a literatura.
Não tenho dúvidas também: nesse mundo de estupidez e insolência, ela não só sobreviverá, como se tornará cada vez mais forte.
* * *
José Castello é escritor e jornalista.
Autor, entre outros, de “Ribamar”, Prêmio Jabuti de “romance do ano” em 2011, “Vinicius: o poeta da paixão” (Jabuti de “ensaio do ano” em 1995) e “A literatura na poltrona.
É Mestre em Comunicação pela UFRJ
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