Elenízia Bernardes - junho 19, 2016 - Revista Pazes
Origem: Brasil
Safra: 1956
Características: Denso, intenso. Arrebatador! Sua força – ora brutal ora suave – vulnerabiliza-nos, quase lírica. Encorpada. Frutada. Harmônica. Plena. Rubra… Nua!
Não por acaso, alguns críticos consideram-na uma das mais belas obras já produzidas pela literatura lusófona.
Rosa destila-nos nas veias a fantástica saga de Riobaldo, jagunço que, em meio às pelejas do sertão, apaixona-se por um dos cangaceiros de seu bando.
Diadorim tem “a cintura fina, as pestanas compridas, os olhos moços, a boca melhor bem feita”.
Neste cenário de lutas e amores, quer pela habilidade do autor em descrever minúcias quer por sua impressionante capacidade de síntese, o livro nos traga de um só gole. Transporta-nos para os sertões que nos habitam, a despeito da memória, em áridos rastros da vida que ali se insinua. Trôpega de violenta espera. Vítima de amor e poesia.
Recomendações: Como todo bom vinho, “Grande Sertão: Veredas” foi feito para ser sorvido lentamente, em locais calmos, sob luz suave e afetuosa.
Abaixo delicadas doses. Evoé!
Sobre Deus e o Diabo:
“Como não ter Deus?! Com Deus existindo, tudo dá esperança: sempre um milagre é possível, o mundo se resolve. Mas, se não tem Deus, há-de a gente perdidos no vai-vem, e a vida é burra. É o aberto perigo das grandes e pequenas horas, não se podendo facilitar – é todos contra os acasos. Tendo Deus, é menos grave se descuidar um pouquinho, pois no fim dá certo.”
“(…) o diabo é às brutas; mas Deus é traiçoeiro. Ah, uma beleza de traiçoeiro– dá gosto! A força dele, quando quer –moço! –me dá o medo pavor. Deus vem vindo: ninguém não vê. Ele faz é na lei do mansinho –assim é o milagre. E Deus ataca bonito, se divertindo, se economiza.”
“Deus é paciência. O contrário, é o diabo. Se gasteja.”
“Deus é urgente sem pressa. O sertão é dele.”
“O que Deus quer é ver a gente aprendendo a ser capaz de ficar alegre a mais, no meio da alegria, e inda mais alegre ainda no meio da tristeza! Só assim de repente, na horinha em que se quer, de propósito – por coragem.”
“Olhe, o que devia de haver era de se reunirem-se os sábios, políticos, constituições grandes, fecharem o definitivo a noção – proclamar por uma vez, artes assembleias, que não tem diabo nenhum, não existe, não pode. Valor de lei! Só assim, davam tranquilidade boa à gente. Por que o Governo não cuida?!”
Sobre o Sertão:
“Sertão é onde manda quem é forte, com as astúcias. Deus mesmo, quando vier, que venha armado!”
“O sertão é do tamanho do mundo”.
“Sertão é isto, o senhor sabe: tudo incerto, tudo certo”.
“O sertão não tem janelas nem portas. E a regra é assim: ou o senhor bendito governa o sertão, ou o sertão maldito vos governa…”
Sobre o Amor:
“Mas, pensar na pessoa que se ama, é como querer ficar à beira d’água, esperando que o riacho, alguma hora, pousoso esbarre de correr.”
“O amor só mente para dizer maior verdade.”
“Dói sempre na gente, alguma vez, todo amor achável, que algum dia se desprezou…”
“E amor é isso: o que bem-quer e mal faz?”
“(…) mas, quando é destino dado, maior que o miúdo, só facear com as surpresas. Amor desse, cresce primeiro; brota é depois.”
“Eu sei: quem ama é sempre muito escravo, mas não obedece nunca de verdade…”
“(…)o ódio – é a gente querendo lembrar do que não deve-de; amor é a gente querendo achar o que é da gente.”
“Acho que, às vezes, é até com a ajuda do ódio que se tem a uma pessoa que o amor tido a outra aumenta mais forte. Coração cresce de todo lado. (…) Coração mistura amores. Tudo cabe.”
“Só se pode viver perto de outro, e conhecer outra pessoa, sem perigo de ódio, se a gente tem amor. Qualquer amor já é um pouquinho de saúde, um descanso na loucura.”
“Amor vem de amor.”
“E digo ao senhor como foi que eu gostava de Diadorim: que foi que, em hora nenhuma, vez nenhum eu nunca tive vontade de rir dele.”
Sobre a Vida:
“Vivendo, se aprende: mas o que se aprende, mais, é só a fazer outras maiores perguntas.”
“A primeira coisa, que um para ser alto nesta vida tem de aprender, é topar firme as invejas dos outros restantes…”
“Ah, as coisas influentes da vida chegam assim sorrateiras, ladroalmente.”
“Ah, esta vida, às não-vezes, é terrível bonita, horrorosamente. Esta vida é grande.”
“’Vida’ é noção que a gente completa seguida assim, mas só por lei duma ideia falsa. Cada dia é um dia.”
“A vida inventa! A gente principia as coisas, no não saber por que, e desde aí perde o poder de continuação –porque a vida é mutirão de todos, por todos remexida e temperada.”
“Porque aprender-a-viver é que é o viver, mesmo.”
“O correr da vida embrulha tudo, a vida é assim: esquenta e esfria, aperta e daí afrouxa, sossega e daí desinquieta. O que ela quer da gente é coragem.”
“Como é que posso com este mundo? A vida é ingrata no macio de si; mas transtraz a esperança mesmo do fel do desespero. Ao que, este mundo é muito misturado…”
Sobre o Destino:
“Quem muito se evita, muito se convive.”
“Todo caminho da gente é resvaloso. Mas, também, cair não prejudica demais –a gente levanta, a gente sobe, a gente volta!”
“O que induz a gente para más ações estranhas, é que a gente está pertinho do que é nosso, por direito, e não sabe, não sabe, não sabe!”
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