quinta-feira, 28 de abril de 2011

CLARICE LISPECTOR - FRAGMENTOS


"Temos procurado nos salvar mas sem usar a palavra salvação para não nos envergonharmos de ser inocentes.

Não temos usado a palavra amor para não termos de reconhecer sua contextura de ódio, de amor, de ciúme e de tantos outros contraditórios.

 Temos mantido em segredo a nossa morte para tornar nossa vida possível. Muitos de nós fazem arte por não saber como é a outra coisa.

Temos disfarçado com falso amor a nossa indiferença, sabendo que nossa indiferença é a angústia disfarçada. Temos disfarçado com o pequeno medo o grande medo maior e por isso nunca falamos no que realmente importa.

 Falar no que realmente importa é considerado uma gafe. Não temos adorado por termos a sensata mesquinhez de nos lembrarmos a tempo dos falsos deuses.

Não temos sido puros e ingênuos para não rirmos de nós mesmos e para que no fim do dia possamos dizer "pelo menos não fui tolo" e assim não ficarmos perplexos antes de apagar a luz. Temos sorrido em público do que não sorriríamos quando ficássemos sozinhos.

Temos chamado de fraqueza a nossa candura. Temo-nos temido um ao outro, acima de tudo. E a tudo isso consideramos a vitória nossa de cada dia."
*        *        * 
Clarice Lispector in: 'Uma aprendizagem ou O livro dos prazeres'

Nenhum comentário:

Postar um comentário